A EXPERIÊNCIA MEXICANA

Depois de conceder dia 08.11.17, palestras ao Ministério Público e a uma Universidade do México sobre o tema da violência de gênero e o feminicídio, pude observar de perto as singularidades e diferenças de realidade e processual existentes entre o Brasil e esse país, berço do conceito político do que hoje se propaga na América Latina e no mundo como feminicídio.

Tal conceito político, inobstante a origem do termo “femicide”, do inglês, pertencer a Diana Russel, socióloga e antropóloga inglesa, que delineou seus estudos diante de uma realidade de violência histórica e social de agressões à mulher e preponderância da superioridade masculina ao largo dos anos, a primeira noção conceitual desse quadro de violência com a dimensão política nos moldes que hoje se ver e é seguido pelo Brasil em diretrizes nacionais de combate à violência em razão do sexo, naturalmente pertence à antropóloga e feminista mexicana Marcela Lagarde, depois de uma aprofundada pesquisa sobre o fenômeno de mortes de mulheres ocorrido no início da década de 90 até meados do anos 2.000, na fronterira do México com os Estados Unidos, mais precisamente na Ciudad Juárez, onde se estabeleceram indústrias de cosmésticos que prioritariamente recrutava mulheres, modificando a economia doméstica e  local, advindo daí, face a estratificação social machista que se operava dentro dessa realidade, as mortes seriais com contornos de gênero.

O México hoje, até porque dígita pouco tempo dessa realidade, apesar de estabelecer no seu arcabouço legal o tipo penal feminicídio, ainda convive no seu dia a dia com índices altíssimos de crimes dessa natureza, porque mantém na sua estrutura social a superioridade do homem diante da mulher, no que se assemelha à realidade brasileira, que hoje ocupa o 5o lugar no mundo em índices de feminicídio, ostentando o Piauí proporcionalmente hoje, segundo dados divulgados recentemente, a primeira colocação no país. O que difere, conforme constatação da realidade mexicana, é que o Brasil, apesar dos dados, mantém instituições infinitamente mais fortes e que podem combater com maior efetividade a violência de gênero mostrada pelos números. Diria até, mesmo tendo sido refratário no plano legal em comparação com os demais países da América Latina, e ter o Estado brasileiro sofrido condenação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o quadro alarmante de mortes no país mantém assimetria com os avanços institucionais brasileiros. A questão é de se aprofundar na compreensão da diferença e menosprezo ao gênero pelos agentes do estado e a sociedade, e se partir para a efetividade da punição aos autores desse odioso crime. Pelo que constatei no México, ainda consigo ver com otimismo o Brasil.


Ubiraci Rocha

*De Nova York

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A Alemanha democrática e de economia vigorosa

A deflagração do maior conflito da humanidade - a Segunda Guerra Mundial - tem sua origem com a tentativa de implementação por parte da Alemanha de Hitler, do nazismo como política de Estado. Nessa esteira de pensamento, a Itália de Mussoline adere a tal política tornando realidade também o fascismo. No caso alemão, o ambiente pós-Primeira Guerra se mostra propício ao avanço do III Reich, dado que o Tratado de Versalles impôs, de certa maneira, um status humilhante ao povo alemão, que resultou em desvalorização de sua moeda e inflação em níveis galopantes, a ponto de um saco de dinheiro literalmente pouco comprar. Nasce, assim, Hitler!

Com um discurso forte e apelativo, viu nesse clima de desesperança e incerteza a possibilidade de fazer valer seu pensamento político e se firmar diante da nação alemã, naturalmente ávida pelo restabelecimento de sua dignidade, principalmente no seio do continente europeu.

Como se vê, do ponto de vista histórico, o avanço de qualquer concepção de poder - por mais equivocado que seja -, ganha corpo em razão do estabelecimento circunstancial da desesperança de um povo, ou de uma nação. E nada mais vulnerável às distorções do poder do que tirar da sociedade a possibilidade de sonhar com o “day after”, o depois, o dia de amanhã. Esse é o momento político da aventura, e do aventureiro!

No Brasil, por exemplo, o clima de corrupção e o aviltamento dos salários com a inflação sem controle, pode levar o país a esse clima de incerteza e um ambiente de insegurança. Não é confortável ouvir que o Brasil tinha tudo para se tornar uma das economias mais respeitadas no mundo. Mas é racional saber que é possível se reestabelecer a esperança, se naturalmente houver mudança de atitude e de rumo. E os alemães - por terem cometido grandes erros políticos - podem nos dar uma lição no tocante ao redirecionamento de sua política e economia após a derrota na Segunda Guerra. O que se vê hoje é uma Nação extremamente vigorosa na sua economia, e politicamente aberta e democrática, a ponto de se tornar uma grande referência na comunidade europeia e, como de resto, para as demais nações do mundo.

(Artigo escrito na cidade de Munique, na Alemanha)

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A desconstrução conceitual de feminicídio

No decorrer dessa semana, fomos surpreendidos pela mídia local com matérias em que um grupo de profissionais, na sua maioria mulheres, entre elas delegadas, representante do Ministério Público e Defensoria Pública, bem como magistrado e integrantes da Coordenadoria Estadual de Políticas para mulheres, se reuniu no Fórum Cível e Criminal para tratar entre outros assuntos ligados à defesa da mulher, do tema intitulado feminicídio, inclusive enfatizando que o Piauí em breve estará adotando o protocolo da Organização das Nações Unidas – ONU mulher – para investigação de mortes violentas de mulheres por razões de gênero, implementando-se assim as diretrizes nacionais para investigar, processar e julgar o feminicídio. De início, seria uma boa notícia se alguns dos atores envolvidos em tal reunião tivessem legitimidade para tanto. A coordenadora da CEPM, Haldaci Regina da Silva, é esclarecedora em declarações aos meios de comunicação quanto às diretrizes traçadas: “O objetivo é fazer com que o nosso Estado entenda o que é feminicídio, que todos os órgãos investiguem e julguem esses crimes contra a mulher sob a perspectiva do gênero”. O que se observou é que os órgãos do Ministério Público que têm legitimidade de intentar na Capital a ação penal nesses casos – os promotores integrantes do Núcleo do Júri, já que se trata de crime contra a vida, e só podem ser processados e julgados pelas duas Varas aqui existentes -, foram totalmente deixados à margem da discussão da matéria e sem a possibilidade sequer de opinar sobre o tema abordado, o que se depreende que se não foi por deselegância ou desconhecimento de tais atribuições a falta de convite, as ausências desses membros ministeriais atingem o mais elementar senso ético e profissional. Aliás, a Resolução 7 do Colégio de Procuradores de Justiça – CPJ, ao estabelecer as atribuições das promotorias, no que concerne aos crimes dolosos contra a vida é clara ao determinar que os promotores integrantes do Núcleo das Promotorias do Júri são os responsáveis por toda e qualquer audiência e atuação, judicial ou extrajudicial. Pois bem, repita-se, quem exatamente tem o poder de denunciar tais crimes foi sorrateiramente colocado de fora dos debates relativos à matéria, o que deslegitima qualquer ação de grupos de interesse, por mais qualificados que sejam.

É interessante enfatizar, dentro da perspectiva do que foi tratado e levado à imprensa, que feminicídio conceitualmente é o homicídio qualificado de mulheres em razão do gênero. A norma alterou o Código Penal e incluiu o feminicídio como circunstância qualificadora do homicídio e a elencou no rol de crimes hediondos (Lei 8.072/90). No parágrafo 2º da Lei 13.104, de 9 de março de 2015, vê-se que o legislador considera que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve violência doméstica e familiar e menosprezo e discriminação à condição de mulher. O que é preciso saber é que nem todo assassinato praticado contra mulher no seio doméstico ou familiar pode ser interpretado como feminicídio. Se assim o fosse, a norma viria expressa da seguinte forma: “Se o homicídio é cometido contra a mulher”. Há de se convir que a expressão utilizada pela norma penal “por razões da condição de sexo feminino” está ligada à condição de gênero. Ou seja, não é todo crime. Ademais, é trivial que não se admite analogia contra o réu em matéria penal. O certo é que temos visto boas figuras ligadas ao movimento em defesa da mulher, e algumas desavisadas do mundo jurídico, entenderem que o feminicídio é tão só o assassínio da vítima mulher, ampliando o seu conceito legal. Aceitar isso é fazer analogia in malam partem, não assimilável pelo direito penal moderno, e atingir em cheio o princípio da reserva legal, bem delineado nos sistemas penais avançados e nos Estados Democráticos de Direito. Mais ainda, é desconstruir o conceito legal de feminicídio.

De outra monta, talvez algo que os nobres participantes de tal reunião desconhecem é que, afora uma denúncia oferecida pela 14ª Promotoria logo após a entrada em vigor da lei, onde qualificou a conduta do acusado como feminicídio - contudo mais com intenção de provocar o debate no âmbito do judiciário, mas que se enquadraria comodamente na motivação fútil -, não há registro de nenhum caso de feminicídio no Núcleo das Promotorias do Júri de Teresina até o presente momento. Ao que sabemos também, a tal delegacia criada com esse objetivo, não tem nenhuma estrutura capaz de dar uma resposta à altura na hipótese circunstancial de caracterização de um crime dessa natureza, o que certamente destoa do padrão ONU de investigação. No mais, é muito espetáculo para pouca ação efetiva.

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Audiência de custódia

Na sexta-feira da última semana tivemos a oportunidade de participar pela primeira vez de uma audiência de custódia no Fórum de Teresina. Esse é um ato judicial inovador e que tem sido realizado em todo o País objetivando garantir os direitos individuais do custodiado levado obrigatoriamente à presença do juiz em vinte e quatro horas após lavrado o auto de prisão em flagrante pela autoridade policial. Em verdade, tal procedimento objetiva colocar em prática preceitos constitucionais que determinam ser toda prisão comunicada imediatamente ao juiz e, se constatada a sua ilegalidade, será de imediato relaxada. Se legal, poderá o Estado-juiz convertê-la em prisão preventiva, bem como pode transformá-la em liberdade provisória, aplicando-se medidas cautelares estabelecidas no rol trazido pela Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011 e hoje inseridas no Código de Processo Penal.

A experiência por nós vivenciada e a reflexão que fazemos sobre tais audiências é bastante positiva. Primeiro, porque da parte do Ministério Público o coloca na condição de agente político controlador externo da atividade policial, uma de suas funções institucionais, além de zelar, como fiscal da lei, pela correta aplicação das normas legais, destacando a instituição como defensora dos direitos humanos. O Judiciário, por outro lado, ao decidir sobre a legalidade da prisão em flagrante e a aplicabilidade de medidas cautelares, certamente faz o controle da legalidade dos atos pré-processuais e mantém vivo os princípios democráticos. Interessante observar que entre tais medidas encontram-se o comparecimento periódico em juízo, proibição de acesso e frequência a determinados lugares, bem como de ausentar-se da Comarca, recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga, monitoração eletrônica, etc. Evidentemente que algumas dessas medidas, na prática, são inexequíveis em face do Estado não ter estrutura para fazer a devida fiscalização, o que, se aplicada, tornaria a medida ineficaz. No entanto, podemos admitir como grande novidade o monitoramento eletrônico, ou mais precisamente o uso de tornozeleiras. O descumprimento de quaisquer das medidas cautelares, quando naturalmente aplicadas, ensejará a prisão de quem faz uso do benefício.

O certo é que, antes da implementação de tais audiências, se fazia o controle da legalidade tão só analisando-se papéis e documentos enviados ao Judiciário, resultando muitas vezes na manutenção de uma ilegalidade por alguns dias, dado a burocratização do próprio sistema, mesmo com os plantões judiciários. Com essa nova experiência, que parece ser realmente positiva e ainda será objeto de implementação legal futura, dado que em fase de experimento como salientado, o Estado, através dos seus agentes políticos - juízes e promotores – está tendo a oportunidade de melhor fazer suas análises sobre a legalidade ou não da prisão em flagrante, e possível transformação em preventiva, ou mesmo aplicar as medidas cautelares adequadas a cada caso concreto, porque naturalmente se encontra ali diante do preso e suas reações. E da experiência positiva deve surgir num futuro próximo Varas de Custódia em todo país. O avanço será inegável porque existirá um controle muito maior do Ministério Público e do Judiciário sobre a legalidade das prisões, o que ensejará uma melhor preocupação da autoridade policial na realização do ato. É o que se espera.

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​A descriminalização do uso de droga

O tema em abordagem se encontra hoje na pauta do Supremo Tribunal Federal para análise e posterior julgamento. Trata-se do art. 28 da Lei Antidrogas, de 2006, que apesar de estabelecer que o usuário de drogas não poderá ir para a cadeia, impõe sanções alternativas, tais como prestação de serviços à comunidade ou participação em cursos educativos. A questão chegou à Suprema Corte por força de um recurso intentado pela defensoria pública. O fato ocorreu no Estado de São Paulo, quando o mecânico cearense Francisco Benedito de Souza estava custodiado em uma das unidades do sistema prisional paulista e numa inspeção de rotina agentes penitenciários encontraram 3 gramas de maconha dentro de uma “quentinha”, sendo que o referido mecânico foi acusado de ser o portador da droga. Ele já cumpria pena de dez anos por roubos, contrabando e porte ilegal de armas. Em relação a imputação penal por porte, mesmo que negando a posse, lhe foi aplicada uma sanção de dois meses de prestação de serviços comunitários. Inconformado com a decisão nas instâncias inferiores, o defensor Leandro Castro Gomes buscou o STF, valendo-se do argumento de que “a condenação de alguém pelo porte de drogas para consumo próprio é inconstitucional, porque ninguém pode ser punido por uma decisão pessoal que não interfere em direitos alheios”. Em suma, sustenta o defensor a aplicação ao caso concreto do princípio da autonomia da vontade. O ministro Gilmar Mendes, relator do julgamento que trata da descriminalização da posse da maconha para uso pessoal, já proferiu o seu voto favorável, e o fez sob o pálio do seguinte argumento: “Dar tratamento criminal ao uso de drogas é medida que ofende, de forma desproporcional, o direito à vida privada e à autodeterminação”. O julgamento foi suspendo por pedido de vista do ministro Luiz Edson Fachin.

Evidentemente, esse é mais um dos temas polêmicos levados à apreciação da mais Alta Corte do país, uma vez que mexe com todo o conjunto da sociedade brasileira. E podemos garantir que não é uma abordagem simples. A complexidade do enfrentamento do problema do uso e porte de droga tem consumido a preocupação de diversas nações e o tempo de abalizados especialistas no mundo inteiro. O tribunal constitucional brasileiro tem adotado recentemente uma postura avançada em relação a temas polêmicos como união civil entre pessoas do mesmo sexo e o aborto de fetos anencéfalos, inclusive assumindo posições mais vanguardistas que as estabelecidas em textos legais pelos legisladores. A continuar nessa linha, é bem provável que o Brasil passe a conviver em breve com essa nova realidade, a da descriminalização do uso e porte de droga em pequena quantidade. A sociedade - talvez levada em um bom percentual, pela desinformação – é manifestamente contrária. Mas, sem sombra de dúvidas, esse não é o grande problema. A grande e inevitável indagação é se o Estado brasileiro, através do seu sistema de saúde pública estaria preparado para oferecer tratamento adequado àqueles novos usuários, e naturalmente de onde sairia tais recursos. São perguntas que devem merecer uma resposta imediata, caso haja a revogação do art. 28 da Lei nº 11.343/06, dado que o SUS, só com o tratamento de doenças relacionadas ao tabaco, gastou uma montanha, em dados de 2013, de R$ 1,4 bilhão. Isso sem contar com as enfermidades decorrentes do álcool. Acrescente-se a isso um eventual aumento de acidentes de trânsito provocados pelo consumo de drogas.

Por outro lado, os presídios brasileiros estão abarrotados de detentos que, por um simples uso ou porte de uma pequena quantidade de drogas, estão lá colocados como traficantes – na sua maioria pretos e pobres, e com pouca escolaridade -, inclusive sem antecedentes criminais, o que inegavelmente se traduz em uma grande injustiça. Tudo isso porque, mesmo a lei hoje não admitir a prisão de usuários, o fato de não estabelecer os limites que separam o uso e a traficância, esse na verdade é feito às vezes por autoridades com base na seletividade do status social, a cor e o grau de instrução, tornando o sistema policial e de justiça cada vez mais perverso e desalentador para uma legião de miseráveis. Portugal descriminalizou, e estabeleceu critérios, e tem obtido resultados positivos, apesar da complexidade do enfrentamento da questão. Se o Brasil adotasse a mesma linha, com a racionalidade de estudar todos os aspectos, certamente o país reduziria drasticamente o número de encarcerados existentes nas prisões brasileiras. A audiência de custódia já implantada, se apresenta como um bom início. Muitos países não admitem mais a criminalização do uso. Para muitos expertos, o Brasil está em descompasso com o mundo civilizado. Entendem que legalizar é retirar o poder do tráfico para implementar uma nova demanda na economia que gera emprego, riqueza e impostos.

Por fim, é preciso enfrentar o problema desapaixonadamente e com muita responsabilidade, e isso só será possível com muita informação e debate nos diversos setores da sociedade civil e do Estado. O resto é agradecer ao ilustre defensor público por levar esse grave problema à discussão. Já era tempo.

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​O Valor das Instituições Democráticas

O País tem assistido a cada semana a ação da Justiça, especialmente do juiz Sérgio Moro, capitaneada pelo trabalho desenvolvido pelo Ministério Público em conjunto com a Polícia Federal, com a ajuda inclusive da Receita Federal. Em face disso, têm sido apresentadas denúncias contra dirigentes e donos das mais poderosas empreiteiras nacionais, que mantêm relação incestuosa com o poder central. Os procuradores da República reunidos na sede regional da Procuradoria da República no Paraná, deram uma coletiva à imprensa e apresentaram, de forma detalhada, todos os dados, indícios e provas que acompanham as denúncias apresentadas à Justiça Federal de primeiro grau. Ao final da exposição lia-se: “uma realidade, um sonho...”. Certamente, um sonho de um País decente hoje partilhado com todo o conjunto da sociedade e deixado esperançosos brasileiros de norte a sul, fartos de tanta corrupção nas entranhas do poder e envergonhados com a ideia repassada despudoradamente para o mundo de que vivemos numa Nação de corruptos e ladrões. Por outro lado, antes do recesso parlamentar, foi determinada a busca e apreensão na residência de três senadores da República e pedida a abertura de investigação criminal contra o presidente da Câmara dos Deputados, enfim se viu uma sucessão de atos que evidentemente mexe com toda a estrutura de poder da República. E vemos que a cada semana se desencadeia uma nova operação para prender envolvidos no maior assalto aos cofres de uma empresa no Brasil. E as delações se sucedem também como nunca dantes visto no País.     

O que tem chamado a atenção de todos é a forma como têm agido autoridades do mais alto coturno da República, apontando seus discursos raivosos e ações contra as instituições democráticas do País, buscando enfraquecê-las e desacreditá-las perante a sociedade em face do trabalho que realizam. São senadores e deputados que lançam seus veementes ataques à ação da Polícia Federal, do Ministério Público e da própria Justiça, como se tais instituições não estivessem a cumprir o seu papel constitucional. O mais intrigante e surpreendente é que pairam sobre todos eles alguma denúncia ou suspeita de envolvimento com o que foi denominado de “Petrolão”. Até a Presidente da República, num lapso de retórica fez ferrenha crítica aos acordos de delação realizados pelo Ministério Público e ratificados pela Justiça, estabelecendo uma esdrúxula comparação com a tortura no regime militar, esquecendo-se ela que foi a própria que sancionou a lei ora em vigor e que, diga-se de passagem, fez o País avançar no combate às organizações criminosas.

Na referida coletiva dos procuradores da República, se tomou conhecimento que oitocentos e setenta milhões foram até agora efetivamente recuperados, sendo um fato demonstrador da importância da ação desenvolvida em conjunto pelas instituições já apontadas, que contou inclusive com o suporte e colaboração do Ministérios Públicos da Suíça e de Portugal. Há assim uma evidência de que o processo de globalização também chegou às instituições democráticas e que a reação de suspeitos e denunciados servem em verdade para fortalecê-las, dado que cada vez mais ganham apoio popular. Com isso, por via de consequência, a democracia brasileira ganha musculatura. Por tudo isso se ver que o essencial para o País é a solidez das instituições, a despeito de quem as atacam e trabalham para torná-las frágeis, porque como costumeiramente se diz “os homens passam, mas as instituições ficam”. E são elas que estão fazendo a diferença nesse mar de lama que está metido o Brasil.

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Antecipando o Caos

A Câmara dos Deputados apreciará no mês de setembro próximo mais um outro polêmico Projeto de Lei que vai chamar a atenção de toda a sociedade brasileira: trata-se do Projeto de Lei nº 3722/2012, do deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), que revoga o Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003, e cria novas normas em relação à aquisição, posse, porte e circulação de armas de fogo e munição no país. Dado a repercussão do próprio tema, o PL já suscita discussão dentro do próprio Parlamento, com bancadas a favor e contra, e no início de agosto, quando acabar o recesso parlamentar, a sociedade estará diante de mais essa tormenta, o que a sentir a opinião de muitos naturalmente pode impulsionar a decisão do voto de parlamentares. O momento certamente não poderia ser pior, dado que o cidadão brasileiro vive hoje uma sensação de insegurança e impunidade que, sem dúvida, no afã de se sentir mais protegida dará o suporte necessário para o caminho da aprovação fácil, o que significará um retrocesso. Em pouco tempo a realidade mostrará a todos que a sensação de insegurança da própria sociedade aumentará de forma vertiginosa. Infelizmente, o Congresso Nacional de um tempo para cá tem caído de qualidade, inclusive no que tange ao preparo intelectual dos parlamentares e o grau de comprometimento com as grandes demandas da sociedade. Adicione-se a isso o fato de que, quase sempre, se perde na defesa de interesses de grupos econômicos, corporativos, e até religiosos, resultando às vezes algumas decisões no acirramento de problemas existentes na própria sociedade. Cite-se como exemplo a “bancada da bala”, “a bancada de evangélicos”, e por aí vai.

Um fator deve ser levado em consideração, com a entrada em vigor da Lei do Desarmamento, a indústria do setor sofreu um considerável baque, sendo que as armas em circulação geralmente são ilegais. Essa indústria, não se pode negar, financia uma plêiade de parlamentares, e naturalmente em face do apoio querem a recompensa no sentido de trabalharem pelos seus interesses. A população, via de regra, mal informada e desprotegida, busca em alguns desses projetos uma solução para pôr termo a essa terrível sensação de insegurança existente. E aí, por pura falta de um aprofundamento maior das consequências de algumas medidas, segue a toada do momento para tentar resolver os males que afligem indistintamente a todos. Os políticos sem nenhum escrúpulo legitimam sua conduta através do apoio popular, que desconhece a sociedade que não visa atender seus legítimos interesses - como foi com a discussão da redução da maioridade penal, ainda em tramitação. Mas é óbvio que o Projeto referido e pautado para setembro, tem um único e exclusivo interesse: o comercial. Vale dizer: vender e vender cada vez mais armas para manter lucrativa a indústria de armamentos. Os Estados Unidos, que têm uma legislação mais liberal no tocante ao uso e circulação de armas - diga-se, por força de pressão da indústria do setor -, já direciona em outro sentido, conforme se pode observar pelas declarações públicas do Presidente Barack Obama. Por isso sempre nos posicionamos que o seu uso deve ser restrito a casa de cada cidadão, como forma eventual de defender a integridade física e patrimonial da família, estabelecido naturalmente alguns critérios.

Sabe-se que a sensação de poder psicologicamente se manifesta de várias formas, o dinheiro está no topo desse sentimento humano. Portar e utilizar uma arma é também uma delas. Quando o uso da arma se associa ao consumo do álcool, aí temos o ingrediente mais do que necessário para incrementar a violência. O que resulta daí é o cometimento de crimes por motivos os mais banais e inimagináveis pelo grosso da sociedade. Nessa cadeia de consequência, teremos o aumento da população carcerária e o volume de processos criminais na já tão combalida e morosa justiça criminal do país. Enfim, o que era para ser uma solução se transforma na matriz de um grande problema, porque esses novos autores de homicídios terão necessariamente que voltar às ruas, por força do sistema penitenciário e a justiça penal não suportar tamanha demanda. Então passaremos a vivenciar o caos.

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A Suprema Corte americana e o casamento gay

Na sexta-feira, dia 26, uma decisão da Suprema Corte americana surpreendeu o mundo ao decidir por cinco votos a quatro aprovar o casamento gay no país. Isso significa que todos os 50 estados americanos ficam submetidos à decisão da mais alta corte da nação, não podendo, por conseguinte, se contrapor ao enlace matrimonial civil entre pessoas do mesmo sexo, o que naturalmente é uma grande conquista para o movimento pelos direitos homossexuais no país, e no mundo, principalmente levando-se em conta que é uma luta que se arrasta praticamente há meio século em território americano. E mais! Trata-se de uma sociedade extremamente conservadora. A Casa Branca logo a noite ficou reluzente com as cores da bandeira que representa as minorias sexuais. O presidente Barak Obama, se pronunciou após a decisão e afirmou que aquilo representava “uma vitória para a América”. No twitter disse: “Casais de gays e lésbicas têm agora o direito de se casar, como todas as outras pessoas”. O vice-presidente americano Joe Biden, desde 2012 já se manifestava favorável e foi a primeira autoridade do alto escalão no governo a apoiar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A pré-candidata à presidência dos Estados Unidos, Hillary Clinton, também comemorou a decisão em seu perfil na rede social. Em várias partes do mundo, cidadãos que fazem parte do movimento e simpatizantes manifestaram-se, de alguma forma, saudando a decisão americana, quase que com um sentimento de que o que vale para a América, vale para o mundo, parafraseando um estadista americano.

Ao analisar o apertado resultado que permitiu a partir de agora o casamento gay no território americano, evidenciando a mesma dignidade perante a lei da qual usufruem os casais heterossexuais, observa-se que a Suprema Corte – de natureza conservadora e relutante - sofreu influência repentina da opinião pública e veio a reboque de um movimento civil organizado a partir dos anos 60, que foi ganhando espaço e se fortalecendo nos últimos vinte anos à medida que assimetricamente ia-se quebrando no seio da sociedade americana o gelo da discriminação. Tal movimento de pressão e mudança, também atingiu o executivo. Basta lembrar que, em levantamento realizado pelo instituto Galup realizada em maio último, 60% dos americanos apoiavam o casamento entre pessoas do mesmo sexo, contra 55% em 2014 e 27% em 1996. Então aqui vale o registro, extraído da visão do jornalista Michael Kepp, americano radicado no Brasil que bem conhece a realidade americana, não foi a visão dos cinco juízes mais conservadores que evoluiu rapidamente, contudo bastou que um deles, o juiz Anthony Kennedy, católico de origem irlandesa se deixasse influenciar, primeiro pelo fato de 36 Estados norte-americanos, até 2011, adotarem o casamento gay, mas também em razão da católica Irlanda, agora no mês de maio último, ter referendado a mudança na Constituição do país para estender o direito ao casamento às pessoas do mesmo sexo.

No Brasil, o maior país católico do mundo, inobstante dizer o texto constitucional ser o Estado laico, apesar dos avanços, ainda se registra no cotidiano um acentuado grau de discriminação em relação a causa. Some-se a isso o reforço das diferentes igrejas. Os ventos que sopraram do nosso vizinho, a Argentina, mesmo que sob um cerrado movimento contrário da igreja católica, que viu aprovado pelo Senado, em julho de 2010, o casamento gay, sendo assim o primeiro país latino-americano a reconhecê-lo, não deixou de contagiar o Judiciário brasileiro. Tanto assim que, em decisão de 2011, o STF estendeu o estabelecido no artigo 1.723 do Código Civil, ou seja, a união estável heterossexual como entidade familiar, aos casais gays. E nela atribuiu efeito vinculante. Portanto, esses casais desfrutam de direitos semelhantes aos de pares heterossexuais, tais como pensões, aposentadorias e inclusão em planos de saúde. Ademais, dois anos depois do decidido pelo Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça estabeleceu que os cartórios brasileiros fossem obrigados a celebrar casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não poderiam se recusar a converter a união estável homoafetiva em casamento. Sabe-se que na prática ainda há um longo caminho a percorrer para que a discriminação seja uma prática banida, dado que o país, eminentemente conservador quanto ao tema, se mostra muito dividido, assim como o resultado proclamado pela Suprema Corte americana. Mas como se trata do maior e mais importante país do mundo, só nos resta saber se o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil, e é bom para o mundo.

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O feminicídio na prática

Há três meses escrevemos aqui o artigo “O feminicídio como conduta punitiva”, dado que em 09 de março desse ano foi sancionada e entrou em vigor a lei nº 13.104, que alterou o art. 121 do Código Penal para nele incluir o “feminicídio” como qualificadora, entendido assim como a morte da mulher em razão do gênero. Note-se que a nova qualificadora está contextualizada numa relação de poder e submissão e no estado de vulnerabilidade da mulher vítima do homicídio, podendo ser praticado tanto por homem quanto por mulher. Na ocasião, tecemos algumas críticas à implementação da nova lei, visto que sabemos de vivência no tribunal do júri que tal comportamento já era contemplado antes do acréscimo do inciso pelas qualificadoras da torpeza ou motivação fútil, a depender de cada caso concreto. A mudança, como já ensaia a doutrina, teria sido tão só topográfica, diria mesmo cosmética, com o objetivo mais de chamar a atenção da sociedade para a violência praticada contra a mulher do que propriamente evidenciar uma grande mudança na implementação legislativa. Tanto que a pena é a mesma incidente às qualificadoras referenciadas. Não obstante já termos focalizado o tema quanto ao aspecto teórico da lei, voltamos ao mesmo em face da denúncia ofertada pelo Ministério Público na última sexta-feira, a primeira em Teresina com a etiqueta da condição do sexo feminino, cuja a vítima é a menor de 15 anos de idade Aniele Magalhães da Silva, morta pelo namorado no dia 22 de maio próximo, com um tiro na nuca, pelo simples fato de ter rompido o namoro com o autor do fato.

Vê-se assim que no campo prático, iremos sentir pela primeira vez o posicionamento da justiça estadual no tocante a esse novo dispositivo. Como já salientado, não é de fácil caracterização o seu enquadramento, haja vista que o comportamento do criminoso pode ser albergado por outro inciso do mesmo parágrafo, mas é preciso provocar o Poder Judiciário no sentido de amoldar a conduta do agente à norma estabelecida na figura penal. No caso denunciado aqui em Teresina pelo Ministério Público, ficou salientado na denúncia que a vítima menor era constantemente ameaçada e agredida pelo autor do fato delituoso que resultou em sua morte, tendo este sido movido por convicção de posse em relação a mesma, demostrando um menosprezo a sua decisão de pôr fim ao romance existente entre ambos. Isso por si só a colocava numa situação de vulnerabilidade, o que demonstra a juízo da promotoria perfeita consonância com o estabelecido pela norma legal.

O que há de ser entendido é que o Ministério Público, ao sair na frente para colocar em discussão na pauta do júri essa questão da violência praticada contra a mulher, abre espaço para que a Lei 13.104, de 09 de março último, tão alardeada em todo país como mais um instrumento eficaz de defesa da causa, seja posta à prova e se ver se realmente ela veio para ficar, como se diz costumeiramente, encontrando eco nos tribunais, ou se é tão só mais um instrumento midiático e político.

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A violência e o crime de Castelo do Piauí

No último dia 27 de maio, uma quarta-feira, o Piauí foi surpreendido por um dos mais violentos e bárbaros crimes de sua história. As vítimas são quatro jovens - duas de 15 anos, uma de 16 anos e outra de 17 - que, depois de estupradas e espancadas, foram jogadas morro abaixo por seus algozes. Todas elas se encontravam fazendo um trabalho escolar de campo no local onde foram brutalmente violentadas. Os autores, segundo o que até aqui se apurou, foram quatro menores – três de 15 anos e um de 17 anos - e um adulto, este egresso do sistema penitenciário, inclusive tendo sido condenado no Estado de São Paulo a uma pena de 13 anos. Diz ele responder a três processos, um por tráfico de drogas, assalto e tentativa de homicídio. Um detalhe importante a registrar é o fato dos menores declarar à polícia que se encontravam sob o comando de Adão, de 40 anos de idade, que coordenou toda a ação criminosa do início até o final. Todos estavam sob efeito de drogas. E mais. Eram todos de quase nenhuma, ou pouca escolaridade. E viviam em famílias totalmente desestruturada.

O que se viu após o cometimento do crime foi uma população sedenta de justiça e em total estado de comoção. Descortinou-se diante do nefasto delito, o espírito de solidariedade de muitos piauienses que voluntariamente se deslocaram até o Hemopi, em Teresina, para doar sangue às vítimas de tão revoltante episódio criminoso. Constatou-se em face do trágico delito, que a cidade não possui delegado de polícia e estrutura de polícia existente por toda a região circundante é extremamente precária, ou basicamente inexistente para atender a demanda populacional. Esse é o quatro com que se desenvolveu a tragédia. Vale dizer, onde a presença do Estado é ineficaz, o crime se sobreleva de forma brutal.

Na busca de solução imediata e para acomodar a inquietação da própria sociedade – esquecendo-se naturalmente da omissão estatal no tocante ao aparelhamento da segurança e ausência de políticas públicas e investimentos na educação - aparecem sempre em situações como essa os aproveitadores de plantão, para num toque de magia descobrirem a grande sacada: a diminuição da responsabilidade penal. É óbvio que todo e qualquer crime deve ser punido exemplarmente. E defendemos isso. No entanto, pelo próprio enredo com que o crime fora cometido – e tantos outros dessa natureza -, vê-se que o problema não reside só na diminuição da maioridade penal pura e simplesmente. O problema é muito mais complexo do que se imagina. É preciso e necessário que se busque atacar a questão da criminalidade em várias frentes, porque evidentemente o contágio deletério entre jovens de 16 anos e o ambiente carcerário tradicional só iria resultar no agravamento do caos hoje existente nesse sistema, que foi construído para suportar 300 mil presos e, em verdade, abriga o dobro do contingente suportado, algo em torno de 700 mil detentos. Daí defendermos uma urgente reformulação do ECA objetivando aumentar o tempo de internação do menor para crimes mais graves, na proporção de um terço da pena máxima estabelecida pelo Código Penal.

Vê-se mais que a droga é uma questão que deve ser fortemente enfrentada e atacada pelo estado e a própria sociedade. É exatamente ela que tem destruído famílias e colocado os adolescentes e jovens em contato permanente com o crime. Se aqui fora toda a orquestração do abominável delito foi orquestrada e comandada pelo maior de idade, quiçá o que ocorrerá se esse contato se tornar realidade com a simples redução da idade penal. Nunca é demais enfatizar que a Unicef avaliou a legislação de 53 países e constatou que, em 42 deles, ou seja, 79%, a maioridade penal é fixada em 18 anos ou mais. É preciso legislar com serenidade e, acima de tudo, com responsabilidade para não agravar mais ainda o sistema prisional brasileiro.

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Os benefícios da delação premiada ao Brasil

Desde quando Pedro Álvares Cabral aqui aportou, o Brasil tem sido vítima da ação de malfeitores que assaltam os cofres públicos, empobrecem a sua gente e enlameiam a imagem do país mundo afora. Evidentemente que o crime acompanha o homem em sua evolução histórica e há que se considerar ser ele um fator social. Não obstante essa realidade, fatos recentes da democracia brasileira têm chamado a atenção de toda a sociedade em face naturalmente do descaramento com que alguns políticos, empresários e agentes do governo alicerçam no aparelho do Estado a mão do crime, como se tudo isso fosse tão só explicado por uma versão atávica da má formação do povo brasileiro. Eis que o país vive hoje atolado num ambiente de corrupção e roubalheira que afronta o mais comezinho senso de moralidade. Foi, por exemplo, assim no chamado “mensalão”, e continua assim no denominado “petrolão”. A ação tanto da Polícia Federal quanto do Ministério Público Federal tem sido marcada pelo fortalecimento das duas instituições e, afora a quebra de braço entre ambas – o que não é bom para a democracia brasileira – merece naturalmente o elogio e o respeito da sociedade brasileira. A justiça, por outro lado, principalmente pela ação do juiz Sérgio Moro, malgrado os entraves, vem cumprindo o seu papel. Mas uma coisa é inegável, não fosse o uso do instituto da delação premiada, que ingressou no sistema jurídico brasileiro a partir da Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90) e se fez presente em outros ordenamentos legais mais recentes, as instituições não teriam até agora como enfrentar a ação da organização criminosa implantada no seio da maior empresa brasileira.

Esclareça-se que o instituto da delação premiada, que começou a ser adotado na Itália na década de 70 por ocasião da Operação Mãos Limpas foi um golpe certeiro e mortal na máfia italiana. Ao combinar prisão, delação e divulgação, a justiça daquele país extirpou a ação de grupos organizados de criminosos. É adotada igualmente com eficácia por outros países. No Brasil, até a soltura de empreiteiros há poucos dias pelo Supremo Tribunal Federal, estava surtindo os efeitos desejados. Porque se sabe, em crimes que envolvem uma sistemática organização – como é o caso ocorrido na Petrobrás – não se passa recibo, restando o instituto da delação como um mecanismo legal de se entender o emaranhado de delitos e certamente se chegar aos seus respectivos autores. Em verdade, esse instituto nasce da sofisticação da criminalidade e de outra monta da falta de estrutura e aparelhamento do Estado em conter o seu avanço. Sua utilização é um meio eficaz de se dar uma resposta mais imediata à sociedade.

O certo é que foi anunciado pelo Ministério Público na semana passada, dia 11, a devolução de 157 milhões de reais – o valor do “mensalão”-, e é seguro que 570 milhões já foram recuperados, havendo ainda uma perspectiva de se repatriar mais de um bilhão de reais, face aos dezesseis acordos de delações premiadas estabelecidos pelos procuradores com os envolvidos no assalto a Petrobrás. Isso tudo por si só já é motivo mais que suficiente para se acreditar o instituto da delação como um mecanismo legal de fortalecimento das instituições na democracia brasileira, afinal um país estará suficientemente maduro quando fortes e independentes estiverem suas instituições. Acende-se assim uma luz no fim do túneo.

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A pena capital e o fuzilamento do brasileiro

O país tomou conhecimento há cerca de duas semanas do fuzilamento de mais um brasileiro na Indonésia, condenado que foi por tráfico de drogas. Trata-se do paranaense Rodrigo Gularte, de 42 anos, preso quando transportava cocaína para o país asiático. Outros sete condenados por tráfico de drogas foram também executados na ocasião por um pelotão de fuzilamento. Outro brasileiro, Marco Archer Cardoso Moreira, de 53 anos, foi fuzilado em janeiro desse ano. Ele também cumpria pena por tráfico de drogas. Todos os fuzilamentos ocorreram sob os protestos de grupos ligados aos direitos humanos e anistia internacional. No caso particular dos brasileiros, a defesa entrou, sem êxito, com vários recursos. O governo brasileiro tentou interceder junto ao governo indonésio no sentido de que a execução não fosse concretizada, inclusive com pedido de clemência, mas não obteve a complacência do mesmo. O Itamaraty, em nome do governo brasileiro, divulgou nota na qual diz ter recebido com “profunda consternação” a execução de Gularte. As relações diplomáticas entre os dois países saíram arranhadas. Em várias redes sociais, algumas pessoas desinformadas atacaram a Presidente Dilma Rousseff, chegando a dizer que o governo brasileiro estava sendo complacente com o tráfico de drogas e que a chefe de Estado brasileiro estava a defender traficantes, e outras ignomínias.

O fato nos remete a uma análise jurídica da postura do governo do Brasil, dado que as críticas referidas só podem ser traduzidas como de profunda ignorância. É bom que se diga que o arcabouço jurídico constitucional brasileiro não permite a pena de morte, ou qualquer outra pena considerada infamante. Ademais, o Brasil é signatário de tratados e convenções internacionais que repudiam tais espécies de sanções. Portanto, cabe ao chefe de Estado brasileiro independentemente de quem ocupe tal posição, assumir uma postura condizente com aquilo que preceitua nosso ordenamento jurídico e os acordos firmados internacionalmente pelo país. Cometeria sim uma grave omissão e claudicaria em sua função a atual presidente se tivesse assumido uma postura que não a que exteriorizou. Assumiu assim a sua responsabilidade constitucional.

Não se trata aqui tão só de se curvar às leis de um estado independente e soberano. Não. Por se tratar de um nacional - mesmo que tenha cometido um crime -, e o ordenamento jurídico pátrio ser conflitante com o país da execução, cabe sim protestar e se buscar todos os meios disponíveis para poupar a vida do brasileiro. Registre-se, por outro lado, que poucos países no mundo adotam hoje a pena de morte, sendo algo já soterrado pela História. A cena que se ver na execução é indubitavelmente macabra e de horror, a meu sentir incompatível com o mundo civilizado. Registre-se, por oportuno, que no que pese a soberania do país executor, não se aplica no caso, e em assemelhados, o princípio da proporcionalidade que norteia a aplicação da pena e simplesmente faz parte de sua evolução. Vale dizer, no caso há uma assimetria entre a sanção e a conduta praticada.

De qualquer modo, fica aqui o alerta para os desavisados, não se pode por ignorância ou maledicência confundir a opinião pública buscando fazê-la crer que quem assume sua responsabilidade de Estado, ou mesmo o seu direito crítico a alguma atrocidade praticada em qualquer lugar do mundo, possa ser confundido com o criminoso ou o crime. Para que não me confundam como defensor do governo, digo que é melhor deixar os arroubos críticos para a economia do país, que a bem da verdade vai muito mal.

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O crime passional

O Tribunal do Júri de Teresina foi palco no último dia 15 de abril do julgamento do crime do “Palhaço”, que no dia 04 de novembro de 2010 tirou a vida de sua companheira, de apenas vinte e quatro anos de idade, no Posto Ladeira do Uruguai, com um tiro de revólver calibre 38, quando a vítima acabara de entrar em seu carro que se encontrava estacionado numa churrascaria localizada por trás do referido posto. O crime ganhou repercussão na cidade, principalmente depois do resultado do primeiro julgamento realizado há dois anos, onde o acusado foi condenado tão só a uma pena de um ano e quatro meses, tendo sido esta transformada em prestação de serviços à comunidade. O Conselho de Sentença reconheceu à época tratar-se de homicídio culposo. O Ministério Público recorreu e submetido o réu a novo julgamento os jurados reconheceram o delito como homicídio duplamente qualificado por motivo torpe e impossibilidade de defesa da vítima, resultando numa pena de catorze anos e seis meses de reclusão. Participamos desse segundo julgamento como representante ministerial e tivemos a oportunidade de evidenciar o quanto tem sido corriqueiro esse tipo de homicídio em Teresina, motivado sempre por paixão ou ciúmes. Aqui se deve registrar, o homem – em menor proporção é certo – é também vítima da fúria do passionalismo feminino.

O caso nos fez lembrar, não em face das similitudes, mas pelo motivo impulsionador do crime, do julgamento de Raul Fernando do Amaral Street, conhecido como Doca Street, que matara Ângela Maria Fernandes Diniz, na cidade de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, na década de setenta. É que para os passionais, a paixão e o ciúme se apresentam quase sempre como móvel desencadeador de suas condutas delituosas, mesmo sendo reconhecido pelo Código Penal que a paixão e a emoção não excluem a responsabilidade penal. Na época do referido julgamento, o advogado Evandro Lins e Silva sustentou a legítima defesa da honra, e foi vitorioso em sua tese já que o acusado pegou uma pena leve e lhe foi aplicado o sursis, a suspensão condicional da pena, saindo solto do Tribunal do Júri, assim como o “Palhaço” no seu primeiro julgamento. Esse tipo de argumento jurídico hoje foi banido pelos nossos tribunais. Os rumores da sociedade de então é que se tratava de uma vitória do machismo, tendo em face de um novo julgamento o acusado sido condenado a uma pena de 15 anos de reclusão. Como se observa, não obstante serem outras as teses – aqui a defesa sustentou o homicídio culposo e o homicídio privilegiado - e os momentos totalmente distintos, vê-se que as penas nos dois casos e nos dois julgamentos se equivalem, o que demonstra que a sentença, quanto a dosimetria da pena, se utilizou dos mesmos critérios em ambos os casos.

Vale, portanto, ressaltar que a sociedade tem assumido uma postura mais rígida em relação a esse tipo de delito, mesmo sabendo que o passional quase nunca é reincidente e que a motivação das condutas em exame são decorrentes do paroxismo da dor humana, que inexoravelmente se difere daquela exteriorizada por quem é vocacionado para a prática do crime. 

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Ainda sobre a redução da maioridade penal

No artigo da semana passado intitulado “A panaceia da redução da maioridade penal”, focalizamos aspectos ligados à opiniões jurídicas sobre a constitucionalidade ou não dos 18 anos para a responsabilidade penal, bem como alertamos para o fato de que, a redução em si para 16 anos, não representar o grande remédio para tirar o país de taxas alarmantes de criminalidade. Hoje, dado a divergência de posicionamentos dentro da sociedade, resolvemos seguir no mesmo tema com o objetivo de complementar o artigo anterior e, de certa forma, trazer outros dados que possam melhor orientar o leitor ao assumir uma tese.

É inegável que face à desenfreada criminalidade no Brasil, cresceu nos últimos anos um sentimento favorável da sociedade à redução da maioridade penal, sendo tal insatisfação canalizada por grupos de parlamentares que, no mais das vezes, tem o propósito único de garantir suas eleições e dar respostas às suas bases eleitorais, num despropositado populismo penal. Contudo, não têm argumentos para pensar seriamente nas raízes do crime ou escondem convenientemente dados que melhor possam refletir e servir de base para reduzir a caótica situação da segurança pública e da delinquência no país. Basta ver que “de janeiro de 1992 a junho de 2013, a população carcerária aumentou 400% no Brasil” (Revista Veja, edição 2420). Segundo dados da ONU extraídos da mesma revista, apenas 17% dos países adotam sistema de responsabilidade penal inferior a 18 anos de idade. Países como Alemanha e Japão aumentaram recentemente a idade penal para patamar acima dos existentes hoje no Brasil, apesar de outros países desenvolvidos adotarem um sistema híbrido de imputabilidade penal. Estima-se, conforme dados da Unicef sobre a realidade da delinquência juvenil brasileira, que os delitos praticados por menores de 16 e 17 anos, não chegam a 1% dos homicídios aqui cometidos. Ou seja, cerca de 500 num universo de 55 mil homicídios por ano, sem naturalmente desprezar as vidas humanas perdidas por ação de menores infratores. Outro dado importante é que não passa de 8% a taxa de elucidação de homicídios no país, o que nos leva a uma reflexão de quão despreparada é a polícia judiciária no Brasil. E mais. Há um gritante problema – que há muito temos constatado e discutido - no tocante a falta de efetividade da norma, aqui já alcançando o Judiciário com sua enorme quantidade de demandas. Nos países de primeiro mundo, essa taxa de resolutividade se encontra num patamar de 80%, chegando alguns a atingir níveis mais elevados. Resta-nos a constatação de que está havendo uma mudança de eixo no que concerne a séria discussão do problema da criminalidade. Ou para ser mais verdadeiro, o projeto nesses moldes da simples redução, sem comprometer o Estado brasileiro na sua real responsabilidade com a juventude desassistida, é mais um engodo para ludibriar os incautos que, como todo o conjunto da sociedade, sofre com a falta de segurança existente principalmente nos centros urbanos. Se esses são os dados, não seria mais honesto cuidar de resolver, de imediato, a demanda da criminalidade em relação aos 99% restantes, que representam o grosso da criminalidade? É a indagação lógica, apesar de entender legítima a discussão no que diz respeito à delinquência de uma legião de jovens que, a bem da verdade, infelicitam e colocam em luto muitas famílias país afora. Daí defendermos, em relação ao menor, uma elevação da reprovação de sua conduta nos delitos mais graves dentro do próprio ECA.

Agora, por estarmos abertos à discussão de outras propostas, porque entendemos também necessária uma melhor adequação do sistema penal aos dias atuais, vemos com simpatia, com alguns reparos, a proposta de emenda constitucional apresentada pelo senador Aloysio Nunes, do PSDB-SP, em que o parlamentar propõe a manutenção da regra da responsabilidade penal aos 18 anos e, em casos de excepcional gravidade, a redução da maioridade penal aos 16 anos, desde que naturalmente esse menor não se submeta ao sistema penitenciário tradicional, indo cumprir pena num estabelecimento especial para criminosos juvenis. Nesses casos, salienta seu Projeto – que foi rejeitado na CCJ do Senado, mas se encontra com recurso ao Plenário -, se estabeleceria o “incidente de desconsideração da imputabilidade penal”, sob uma análise criteriosa do juiz e do Ministério Público, mediante exames detalhados e laudos técnicos de especialistas. Acreditamos, assim, que se elevando o debate poderemos encontrar um norte para pelo menos minimizar a níveis aceitáveis o problema da criminalidade e falta de segurança em nosso país.

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A panaceia da redução da maioridade penal

Aprovada hoje pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda Constitucional que contempla a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade, proposta esta que já se encontrava no parlamento desde o mês de agosto de 1993. O tema tem dividido a sociedade brasileira, bem como parlamentares de todas as tendências políticas e ideológicas, o que é natural levando-se em conta o acelerado aumento da criminalidade em nosso país, mormente a delinquência juvenil. Sem adentrar ao âmago da questão, uns alegam preliminarmente ser a questão da maioridade uma cláusula pétrea insculpida na Constituição Federal, por atingir garantias individuais. Nesse sentido, se posicionou a CONAMP – Confederação Nacional do Ministério Público. Outros adiantam-se, inclusive ministros do Supremo Tribunal Federal, como Marco Aurélio Mello, em considerar, mesmo estando aberto à reflexão futura, não ser a idade de 18 anos uma cláusula pétrea da Constituição, podendo portanto ser modificada através de emenda pelo Congresso. Apesar de não identificar o tema da redução da maioridade penal como a melhor saída para resolver a questão da delinquência juvenil, dado que existem questões mais importantes a serem enfrentadas, como a corrupção, alerta o ministro para o fato de “não darmos uma esperança vã à sociedade, como se pudéssemos ter melhores dias alterando a responsabilidade penal, a faixa etária para ser responsável nesse campo”. E conclui: “receio muito a normatização em tempo de crise. E por que receio? Porque vingam as paixões exacerbadas. Para qualquer tipo de assunto.”

Sem me furtar de uma posição a respeito da questão que divide setores e tendências da sociedade brasileira, creio extremamente oportuna e prudente a posição do ministro Marco Aurélio, no tocante ao receio de se legislar sobre tema tão relevante e caro a todos os brasileiros, em momento de crises. Entendo que não se deve dividir o parlamento ou a sociedade numa antiquada dicotomia de quem é de direita ou de esquerda, por pensar dessa ou daquela forma em relação à questão em abordagem. A que se sentir e respeitar, acima de tudo, que o que efetivamente o cidadão comum quer – e não está pedindo muito -, é viver num espaço físico em que o seu sagrado direito de ir e vir, a sua tranquilidade enfim seja garantido pelo estado brasileiro, a despeito de quem levante essa ou aquela posição. Então, indaga-se: reduzir a maioridade penal para 16 anos reduziria drasticamente os ilícitos praticados por esses menores? É a primeira questão. Outra: em sendo responsabilizados como os adultos por seus delitos, o contato desses adolescentes com o sistema prisional tradicional reduziria o problema da violência reinante no país? Ou serviria para alimentá-lo mais ainda, dado que ele já não suporta a quantidade de presos existentes? São questões relevantes e que devem ser refletidas de forma séria e honesta, para não se dar, como disse o ministro, uma esperança vã à sociedade. Saliente-se que, segundo dados do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, conforme dados de 2014.

Acredito que o problema maior não é a questão de avanço ou retrocesso na legislação em face da idade da responsabilidade penal aos 16 anos – que nos dias atuais poderia até ser assimilada -, mas se a mudança, nesses moldes, é a panacéia para resolver o problema da criminalidade no país e dar à população a paz tão desejada. Porque sabe-se, não se cogita mais da falta de compreensão do adolescente em relação ao ato delituoso praticado. Não é isso, visto que entendem perfeitamente o grau de reprovação de sua conduta. O mais grave é o contato desses jovens com um ambiente carcerário que, a bem da verdade, o Estado tem sido incapaz de modificar a sua realidade. Daí acreditar que, talvez uma solução mais consentânea com a condição do menor, e o interesse de segurança e sentimento de impunidade da própria sociedade, seria a alteração do ECA – Estatuto da Criança e Adolescente, no sentido de reprovar com mais rigor as condutas mais gravosas praticadas por adolescentes, mormente na idade discutida, elevando-se ao máximo de algo em torno de 1/3 da aplicada no Código Penal. Isso faria com que se mantivesse o preceito constitucional da proteção integral do menor, que continuaria sem contato com o sistema carcerário tradicional, ao tempo em que acomodaria os ímpetos da sociedade em sua sensação de impunidade. Por fim, acredito que nenhum mal faria, a exemplo de alguns países desenvolvidos, se se estabelecesse a obrigatoriedade do trabalho, tanto para o sistema comum quanto para o sistema especial e diferenciado.

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