​A descriminalização do uso de droga

O tema em abordagem se encontra hoje na pauta do Supremo Tribunal Federal para análise e posterior julgamento. Trata-se do art. 28 da Lei Antidrogas, de 2006, que apesar de estabelecer que o usuário de drogas não poderá ir para a cadeia, impõe sanções alternativas, tais como prestação de serviços à comunidade ou participação em cursos educativos. A questão chegou à Suprema Corte por força de um recurso intentado pela defensoria pública. O fato ocorreu no Estado de São Paulo, quando o mecânico cearense Francisco Benedito de Souza estava custodiado em uma das unidades do sistema prisional paulista e numa inspeção de rotina agentes penitenciários encontraram 3 gramas de maconha dentro de uma “quentinha”, sendo que o referido mecânico foi acusado de ser o portador da droga. Ele já cumpria pena de dez anos por roubos, contrabando e porte ilegal de armas. Em relação a imputação penal por porte, mesmo que negando a posse, lhe foi aplicada uma sanção de dois meses de prestação de serviços comunitários. Inconformado com a decisão nas instâncias inferiores, o defensor Leandro Castro Gomes buscou o STF, valendo-se do argumento de que “a condenação de alguém pelo porte de drogas para consumo próprio é inconstitucional, porque ninguém pode ser punido por uma decisão pessoal que não interfere em direitos alheios”. Em suma, sustenta o defensor a aplicação ao caso concreto do princípio da autonomia da vontade. O ministro Gilmar Mendes, relator do julgamento que trata da descriminalização da posse da maconha para uso pessoal, já proferiu o seu voto favorável, e o fez sob o pálio do seguinte argumento: “Dar tratamento criminal ao uso de drogas é medida que ofende, de forma desproporcional, o direito à vida privada e à autodeterminação”. O julgamento foi suspendo por pedido de vista do ministro Luiz Edson Fachin.

Evidentemente, esse é mais um dos temas polêmicos levados à apreciação da mais Alta Corte do país, uma vez que mexe com todo o conjunto da sociedade brasileira. E podemos garantir que não é uma abordagem simples. A complexidade do enfrentamento do problema do uso e porte de droga tem consumido a preocupação de diversas nações e o tempo de abalizados especialistas no mundo inteiro. O tribunal constitucional brasileiro tem adotado recentemente uma postura avançada em relação a temas polêmicos como união civil entre pessoas do mesmo sexo e o aborto de fetos anencéfalos, inclusive assumindo posições mais vanguardistas que as estabelecidas em textos legais pelos legisladores. A continuar nessa linha, é bem provável que o Brasil passe a conviver em breve com essa nova realidade, a da descriminalização do uso e porte de droga em pequena quantidade. A sociedade - talvez levada em um bom percentual, pela desinformação – é manifestamente contrária. Mas, sem sombra de dúvidas, esse não é o grande problema. A grande e inevitável indagação é se o Estado brasileiro, através do seu sistema de saúde pública estaria preparado para oferecer tratamento adequado àqueles novos usuários, e naturalmente de onde sairia tais recursos. São perguntas que devem merecer uma resposta imediata, caso haja a revogação do art. 28 da Lei nº 11.343/06, dado que o SUS, só com o tratamento de doenças relacionadas ao tabaco, gastou uma montanha, em dados de 2013, de R$ 1,4 bilhão. Isso sem contar com as enfermidades decorrentes do álcool. Acrescente-se a isso um eventual aumento de acidentes de trânsito provocados pelo consumo de drogas.

Por outro lado, os presídios brasileiros estão abarrotados de detentos que, por um simples uso ou porte de uma pequena quantidade de drogas, estão lá colocados como traficantes – na sua maioria pretos e pobres, e com pouca escolaridade -, inclusive sem antecedentes criminais, o que inegavelmente se traduz em uma grande injustiça. Tudo isso porque, mesmo a lei hoje não admitir a prisão de usuários, o fato de não estabelecer os limites que separam o uso e a traficância, esse na verdade é feito às vezes por autoridades com base na seletividade do status social, a cor e o grau de instrução, tornando o sistema policial e de justiça cada vez mais perverso e desalentador para uma legião de miseráveis. Portugal descriminalizou, e estabeleceu critérios, e tem obtido resultados positivos, apesar da complexidade do enfrentamento da questão. Se o Brasil adotasse a mesma linha, com a racionalidade de estudar todos os aspectos, certamente o país reduziria drasticamente o número de encarcerados existentes nas prisões brasileiras. A audiência de custódia já implantada, se apresenta como um bom início. Muitos países não admitem mais a criminalização do uso. Para muitos expertos, o Brasil está em descompasso com o mundo civilizado. Entendem que legalizar é retirar o poder do tráfico para implementar uma nova demanda na economia que gera emprego, riqueza e impostos.

Por fim, é preciso enfrentar o problema desapaixonadamente e com muita responsabilidade, e isso só será possível com muita informação e debate nos diversos setores da sociedade civil e do Estado. O resto é agradecer ao ilustre defensor público por levar esse grave problema à discussão. Já era tempo.

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