VOCAÇÃO PARA PASSAR VERGONHA

Palácio de Karnak, sede do governo do PI (Foto: Jailson Soares/PoliticaDinamica.com)

Eu ainda era estagiário quando, em 2013, fui fazer matéria na Rodoviária Lucídio Portela, em Teresina. A pauta era o não funcionamento das escadas rolantes do terminal, que estavam há um bom tempo sem funcionar e obrigavam passageiros a subirem as escadas convencionais carregando malas, bolsas e todo tipo de bagagem pesada. Ao ser recebido pelo então administrador do terminal, ele demonstrou certa insatisfação com a cobertura do problema.

"A imprensa de Teresina não tem outras pautas não? Porque sempre vem jornalista aqui fazer matéria dessas escadas. Um problema tão pequeno diante de tantas coisas importantes que acontecem na cidade", reclamou. Ainda meio acanhado diante da reação, respondi: "Mas é justamente por isso, administrador. Um problema tão pequeno no único terminal rodoviário da cidade, onde passam tantas pessoas, e nunca dão um jeito de resolver".

As escadas rolantes foram consertadas um bom tempo depois, mas elas nos fizeram passar muita vergonha. Imaginem só a quantidade de visitantes que passou por nossa capital e saiu falando mal daquele "problema tão pequeno", como avaliou o incomodado administrador. O fato é que o Piauí parece ter uma vocação medonha para passar vergonha. E geralmente passa com problemas relativamente pequenos, por puro descaso e incompetência.

Esta semana, a imprensa reverberou que presos não estão sendo levados das audiências de custódia para as unidades prisionais por falta de combustível nas viaturas. Pelo mesmo motivo — pane seca —, presos não comparecem às audiências criminais. A informação consta em um ofício tornado público na quarta-feira (6), em que Reginaldo Correia Moreira Filho — diretor adjunto da Unidade de Administração Penitenciária — comunica ao juiz de Direito da Central de Inquéritos de Teresina a impossibilidade de transportar os presos.

A Secretaria de Justiça, cujo orçamento é bastante gordo, divulgou nota dizendo que trata-se de um problema pontual. Esse "pontual" é quase o mesmo que "problema tão pequeno", como me disse em 2013 o então administrador da rodoviária. O fato foi exposto na imprensa, o povo comentou e o descaso não foi abafado. Uma situação vexatória de falta de combustível nas viaturas de um Estado onde o governo insiste em dizer que existe "equilíbrio financeiro".

Carreta tombou em obra inacabada e sem sinalização (Fotos: Reprodução/TV Clube)

Nesta quinta-feira (7), outro problema que nos envergonha resolveu aparecer. Ao passar pela BR-316, na entrada de Teresina, um caminhão vindo de Colatina-ES, tombou. O motivo: a pista, cuja duplicação se arrasta há cinco anos, acabou e o caminhoneiro não conseguiu controlar o caminhão. Isso mesmo: o pequeno trecho duplicado acaba de repente sem nenhuma sinalização e quem vem trafegando por ele entra na terra sem ser avisado.

Apesar da rodovia ser federal, a duplicação das entradas é de responsabilidade do governo do Piauí. Teresina é a única capital do Nordeste com entradas não duplicadas e desde 2013 a obra se arrasta e nos faz passar vergonha, além de raiva, claro. O caminhoneiro de Colatina, que felizmente saiu ileso do tombamento da carreta que vinha carregada de granito, certamente vai deixar a nossa capital falando coisas nada positivas. E o fará com muita razão.

A vocação do Piauí para passar vergonha, ou dos governos para passar vergonha no Piauí [como queiram], apresenta uma lista grande de descasos que somente a incompetência, a irresponsabilidade e a falta de compromisso justificam. Quem não lembra da matéria do Jornal Nacional que mostrou, em 2018, uma ponte que o governo do Estado construiu sobre um riacho no município de Dom Inocêncio e não fez as cabeceiras? Moradores, entre doentes e idosos, mostrados para todo o País escalando a estrutura de concreto para poderem chegar à cidade. Depois da vergonha, o governo providenciou os acessos em 4 dias.

Em 2018, ponte sem cabeceiras virou manchete nacional (Foto: Reprodução/TV Clube)

O Centro de Convenções é um vexame. Uma vergonha que já passa de década e que quando for inaugurado já será pequeno para uma capital que os governantes tentam vender como "cidade de turismo de negócios". Passando pela avenida Marechal Castelo Branco, é possível ver que nem se trata de uma coisa faraônica que justifique tamanha demora e enrolação para ser concluído. Puro descaso, mas que ainda renderá grande badalação quando for inaugurado, como se a alegria de um dia festivo compensasse 12 anos de vergonha.

Eu poderia escrever um texto mais extenso, afinal, a lista de motivos de vergonha é grande nesse Piauí onde a propaganda oficial mostra um Estado de bonanças e em franco crescimento. A verdade é que é inadmissível a incapacidade de se tocar obras no Piauí e gerir as coisas com eficiência. Mas ainda há quem fique incomodado quando se toca nessa ferida. Muito provavelmente, os que se incomodam também consideram os problemas "tão pequenos" ao ponto de não verem que eles nos causam uma "grande vergonha".

LEIA TAMBÉM:
Segurança caindo aos pedaços

Comente aqui