Como fica a política piauiense após o afastamento de Dilma?

A ressaca grassa de norte a sul do país. Para uns, a consequente sede e o delirium tremens, mas dulcíssimo, temperado pela vitória em taças de cristal, borbulhando champagne da Borgonha do lagar de uvas pinot noir. Para outros, o sabor amargo com gosto de cabo de guarda-chuva a impregnar a boca pela mais rasteira das aguardentes de alambiques improvisados e cana de terra pobre em npk.

Mel e fel foram servidos em um lauto banquete no menu diverso em bandejas de prata, observadas pelas paredes azul royal do Senado Federal, afastando a presidente e alçando o vice ao posto maior da República. Sob o efeito embriagado da democracia, alguns bradam que é golpe. Obrigados a engolir a massacrante vitória pela admissibilidade do impeachment, a dor de cabeça tornou-se mais forte ao amanhecer do dia.

Como prometi no texto anterior, é hora de conjecturar os reflexos à política piauiense com a mudança de cenário. Pra começar, os papéis foram invertidos. Quem era governo é oposição. E quem era oposição agora é governo. Lembrando que o PP e o PSD trocaram de lado antes. Antes até da votação na Câmara Federal. Só para configurar o posicionamento de agremiações com representatividade no Congresso.

Themístocles Filho (PMDB) e Wellington Dias (PT)


Quem sai fortalecido?

Com Michel Temer na presidência, o PMDB é o partido que mais ganha força política. João Henrique e Henrique Pires foram alçados a uma posição extremamente confortável pela proximidade com o novo mandatário presidencial. Mas o poder está centrado em quem tem mandato e comanda a casa legislativa piauiense. Leia-se com clareza: Themístocles de Sampaio Pereira Filho. Ou simplesmente Theté - codinome carinhoso que tratam os íntimos.

O deputado Themístocles Filho é a figura política de maior poder no Piauí, dividindo o cetro com o governador Wellington Dias. Além da presidência da Alepi, torna-se o interlocutor que pavimenta a ponte de acesso ao presidente com maior desenvoltura. Como chefe do legislativo mafrense, pondera as ações do governo. Sem a concernência dele, WD teria dificuldades de manter a governabilidade.

O PSB é o partido de maior número de parlamentares federais. De 10 deputados, três são do partido socialista: Átila Lira, Rodrigo Martins e Heráclito Fortes. Este último, é apontado como o grande articulador junto aos demais parlamentares como o estrategista que elaborou a chegada de Temer ao Palácio do Planalto. É liderança em ascensão, com grande chances de assumir a presidência da Câmara em nova legislatura, caso Waldir Maranhão não se sustente.

Heráclito Fortes tem motivos de sobra para fustigar os petistas. Vitimado pela perseguição implacável das lideranças do PT como questão de honra em inviabilizar sua candidatura no pleito de 2010, quando lançou-se ao Senado, amargou a derrota. Depois de 4 anos no limbo político, sem mandato, conseguiu eleger-se novamente. Agora simboliza com perfeição a expressão "a vingança é um prato que se serve frio". 

Por tabela, o ex-governador Wílson Martins (PSB), também amealha pontos no jogo político com a mudança no poder central. Vitimado pela não eleição ao Senado em 2014, é exemplo similar ao de Heráclito. Também foi acossado pelo Partido dos Trabalhadores, apontado como traidor. Atualmente é procurado para assumir cargo federal de escalões inferiores no governo Temer, mas, deve declinar e aguardar um próximo pleito para voltar à berlinda.

Júlio César (PSD) deixou para os momentos finais para definir seu voto na Câmara, valorizando-se. Na cerimônia de "posse" do presidente em exercício, estava firmemente ao lado da mesa, apoiando-se nela. Certamente deve ampliar o poder do partido no Piauí, com indicações de cargos federais na nova composição. Distribuição encimada pela matemática relativa e proporcional ao apoio dado.

O senador Ciro Nogueira (PP), que sempre esteve ao lado de Dilma, agora está de braços dados com o presidente em exercício. Na banca das negociações, seu partido levou o Ministério da Saúde, um dos mais disputados e outros cargos de grande monta no segundo escalão. Ainda é cedo para avaliar, mas, provavelmente, aumentou o quinhão no cômputo geral da representatividade política.

Ciro Nogueira (PP) deve manter a aliança com WD


Quem sai enfraquecido?

Com o afastamento de Dilma, o PT é o mais penalizado. O rompimento colocou o Partido dos Trabalhadores como líder da oposição ao governo de Temer. O dinamismo da política é tão potente que num passe de mágica o poder esvai-se das mãos como grãos de areia da praia. Isolada, a agremiação da presidente vai viver um calvário político sem precedentes.

Há um grupo numeroso de representantes políticos, com e sem mandato, que alimentam uma onda desde antes da reeleição de Dilma. O antipetismo é uma realidade dura que os filiados e simpatizantes do PT vêm enfrentando e vão enfrentar. Para muitos, enquanto seus principais líderes não estiverem inelegíveis, não vão descansar. 

É um posicionamento extremista alimentado pela dicotomia política direita versus esquerda. Muitas vezes, assistimos a imagens, especialmente nas redes sociais, de posturas que beiram à sandice perversa da ignorância orquestrada pelo extermínio ideológico de um grupo em benefício de outro. Todos saem perdendo, mas os partidos de esquerda mais ainda. Vão precisar se reinventar para manterem-se representativos no panteão partidário.  

O enfrentamento puro e simples ao movimento antipetista vai apenas endurecer a luta. Sábios seriam se recuassem estrategicamente. Talvez seja o momento de reagrupar, repensar, replanejar e partir para uma reconquista do eleitorado. Com plataformas de bandeiras políticas renovadas, oxigenando as lideranças, em busca de novos simpatizantes, podem retomar sua importância no cenário nacional. Literalmente mudando a cara do partido para garantir sua sobrevivência.  

Entre os líderes, o deputado Assis Carvalho deve perder bastante espaço. Além de seus indicados a cargos federais, o comando da bancada piauiense deve sair de suas mãos. Mais do que normal. Como é que um parlamentar que afirma categoricamente que "não reconhece governo golpista", referindo-se a Temer, pode ser o líder dos parlamentares piauienses? Todos os caminhos apontam para o deputado Átila Lira como o novo líder da bancada.

O deputado Marcelo Castro, mantendo-se fiel à presidente Dilma até o seu último instante, perde espaço no governo Temer. Seus indicados nos cargos federais já sofrem represálias. Para compensar, o governador WD tenta garantir-lhe posições no governo estadual. Mas o deputado peemedebista não vai acomodar-se com facilidade na saída traumática. Depois de uma quarentena, o PMDB deve conceder-lhe o "perdão". 

Elmano Ferrer, que anunciou que votaria a favor da admissibilidade do impeachment, capitulou após um recepção fervorosa de petistas ao desembarcar no aeroporto de Teresina. Sob acusações de golpista e traidor, teve sua imagem massacrada pela filmagem viralizada nas redes sociais. O senador voltou atrás e votou contra o impedimento de Dilma. Há quem diga que após acertar-se em acordo político visando a prefeitura de Teresina. 

Contudo, a visibilidade de Elmano fica arranhada pela dúvida que pôs na confiança de sua palavra. O "véin", que recebeu todo o apoio do grupo de WD nas eleições de 2014, saiu de azarão a eleito com folga sobre seu principal adversário na disputa ao Senado, Wílson Martins. A dívida de gratidão foi cobrada veementemente no episódio que passa a história. Pode vir à tona a qualquer momento se fraquejar na votação final do impeachment

João Henrique Sousa está cada vez mais articulado


Pacto pela governabilidade

O governador Wellington Dias tem dois anos e meio de mandato pela frente. Sua posição é delicadíssima. Toda a sua inteligência de estrategista político vai ser posta à prova. Com a reconfiguração do cenário, qualquer passo deve ser bem estudado. O terreno mudou. O partido que representa está em momento de provação profunda. 

Parte de sua militância está com a faca nos dentes e quer vingança. No mínimo, a retirada impiedosa dos que votaram contra Dilma. Mas em política, não é de rompante e posições fronteiriças que se vive. Muito menos se sobrevive em ambiente hostil, com adversários numerosos, partindo para uma briga movida pela desforra.

Mais do que nunca, WD deve mostrar duas de suas evidentes virtudes: o diálogo e a articulação. Enquanto a raia miúda pinta a cara para ir à guerra, o governador deve estar esfriando a cabeça para pensar melhor, encontrar o momento oportuno para fumar o cachimbo da paz com seus novos adversários e refazer as alianças.  

Muito acima das questões partidárias está a governabilidade. Um pouco mais adiante, encontra-se a reeleição. Ou não. Do que adianta sair em defesa cega da presidente afastada, distendendo mais ainda as relações, perdendo a sustentabilidade político-econômica de seu governo e inviabilizando um novo mandato em 2018?

Dias é um homem de partido. Com certeza vai conservar firme a defesa da presidente, mas há de encontrar o meio-termo para uma postura ponderada em que o Estado do Piauí não saia perdendo com suas atitudes. Sua capacidade de diálogo com opositores é um trunfo. Sua articulação e bom trânsito com todas as forças políticas o credenciam a tirar de letra as dificuldades tingidas pelas contingências.

WD deve reconstruir o PT


O PT piauiense pode ser o bom exemplo

Quando o ex-presidente Lula procurava um sucessor, o nome de WD foi ventilado muitas vezes para ser o escolhido. Nos dias que antecederam o afastamento da presidente, em análise com outros colegas, lembramos do fato e consideramos que se Wellington fosse o escolhido para suceder Lula, certamente o PT não viveria este momento de ruptura. Pois o que lhe sobra em diálogo faria a diferença no colóquio com o Congresso. O que faltou à presidente. 

Creio que WD vai ser resiliente o suficiente para superar este momento instável e proteger a governabilidade. Sua perspicácia política será capaz de encontrar o ponto de convergência de interesses do Estado, reunindo em torno de si, mais uma vez, a articulação e confiança de seus pares. Além de manter o Piauí ileso às consequências mais contundentes da crise político-econômica, vai assegurar seu nome e garantí-lo viável à reeleição. Alguém duvida? 

Entretanto, o governador não estará dando as cartas sozinho. Vai ter que dividir o comando do jogo, especialmente com Themístocles. Ambos são excelentes negociadores. Em 2018, um vice do PMDB em chapa com WD para a disputa ao governo é tão forte que não pode ser considerada mera especulação. Quem sabe o vice seja o próprio Theté. 

O pragmatismo político de Wellington já deve considerar o não retorno de Dilma. O sucesso do governo do PT do Piauí pode ser a tábua de salvação do partido, visando uma reconstrução em nível nacional. Uma administração bem-sucedida há de tornar-se o princípio de referência para a transformação da agremiação neste salto que se faz necessário. Dos erros, aproveita-se a oportunidade, a lição para o acerto.

  

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