Reduzir a maioridade penal vai resolver o problema?

Que problema? O da (in)segurança? Claro que não! Se fosse apenas para responder a pergunta, o propósito deste texto poderia dar-se por encerrado. Mas, a pretensão é um pouco maior. Vamos tentar descobrir porque chegamos neste estado de desesperança contagiosa e tentar alinhavar caminhos para sairmos dele.

O presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ), já deu o ultimato à Comissão Especial que se debruça sobre o tema. Quer o relatório pronto e aprovado nesta quarta-feira, 10. Entre tantos outros projetos que abordam o assunto em trâmite no Congresso, esse é o que vai à pauta no plenário e, pelo andar da carruagem, deve ser aprovado. Provavelmente, ainda este mês, o Brasil deve reduzir a maioridade penal para 16 anos.

Presidente da Câmara Federal, deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ)

Será mais uma semana de intenso turbilhão político, que o país atravessa desde a reeleição da presidente Dilma. Com a tomada das principais casas legislativas da nação, em oposição praticamente contínua e sistemática ao governo, trazendo à baila projetos de lei e de emendas à constituição que estavam “esquecidos”, está em foco uma guerra que marca a posição de conservadores e progressistas no que tange ao tema.

Com as recentes derrotas do presidente da Câmara na Reforma Política, é hora de Eduardo Cunha mostrar novamente quem é que manda entre os legisladores. Aprovar a redução da maioridade penal é, também, afirmação de poder e encaminhamento de mais uma boa dose de instabilidade para o já instável governo central.

Alteração nos eixos de interesse da sociedade e suas consequências

O tripé que estabelece o interesse prioritário da sociedade brasileira é o mesmo: saúde, educação e segurança. Entretanto, há inversão de ordem. Saúde e educação disputaram historicamente o que vinha na frente, sempre relegando à segurança um terceiro lugar ou posições inferiores. Mas, as coisas mudaram. A crise galopante no setor encontrou um novo lugar ao incômodo gritante da sociedade tupiniquim.

Segundo dados da pesquisa Retratos da Sociedade, realizada pela Confederação Nacional da Indústria e Ibope, apresentada antes do pleito presidencial do ano passado, a ordem atual é esta: saúde (49%), segurança (31%) e educação (28%). A soma é superior a 100% porque poderiam ser escolhidas até três opções diferentes.

O estudo elenca ainda o que pode estar associado à segurança: combate às drogas (23%). Curiosamente, corrupção obteve 20% da atenção do brasileiro àquela época. Certamente, se fosse atualizada aos dias de hoje, a malversação das verbas públicas por agentes oficiais estaria em um patamar superior. Foram entrevistadas 15.414 pessoas de norte a sul do Brasil.

Pesquisa deste tipo serve essencialmente para aferir interesses sociais que vão dar suporte à construção de um discurso político avalizado pelo marketing eleitoral, muito mais do que estabelecer mecanismos e políticas públicas para aplacar os anseios dos eleitores, infelizmente. O político diz o que o eleitor quer ouvir. Nesta relação está a projeção e sucesso das plataformas dos eleitos. Iludidos pelos discursos, os eleitores correspondem na urna eleitoral.

Os novos números que reposicionam o eixo de interesses sociais refletem na composição da bancada eleita. No Piauí, pelo menos dois representantes ligados ao discurso da segurança lograram êxito abordando ostensivamente o tema. Nada ao acaso. Muito pelo contrário. Sob o investimento do marketing, aproveitaram a lacuna que se abriu e ocuparam um espaço sabiamente.

Fábio Abreu (PTB) e Silas Freire (PR) são o exemplo em voga. Se estivesse valendo o sistema derrotado na Reforma Eleitoral, que ficou conhecido como “distritão”, contabilizando os números absolutos, ambos estariam eleitos com folga pela votação grandiosa. No vigente sistema proporcional, um foi eleito e o outro garantiu a suplência, mas já foi efetivado.

Deputado Federal Fábio Abreu (PTB), Secretário de Segurança Pública

No combate corpo a corpo em enfrentamento à criminalidade, Fábio foi alçado à popularidade pelo trabalho de projeção midiática de seu nome e superou a expectativa até mesmo de seu partido, que não aguardava uma votação tão expressiva. Subestimado por sua agremiação partidária, Abreu caiu nas graças da sociedade, que viu nele a figura com a força resolutiva na luta contra a delinquência.

Eleito deputado federal por suas ações cinematográficas, registradas estrategicamente, na batalha diuturna na repressão ao crime, com o fardamento da Polícia Militar e a emblemática patente de capitão, abdicou da posição confortável de legislador federal para assumir a administração da pasta mais tumultuada na esfera estadual, a Segurança.

Uma troca que traz também um freio na crescente projeção positiva. Em vez de participar da cena nacional dos debates e votações dos grandes temas, veio ao sacrifício de administrar um segmento caótico, defasado em agentes públicos para fazer frente aos criminosos, com verba contingenciada e em meio a uma crise econômica que não dá sinais de melhoras para o horizonte próximo, o que dificulta ou atrasa uma reversão da realidade negativa. Sem falar nas greves das categorias afins que agravam o momento.

Por outro lado, o jornalista Silas leva uma grande vantagem. Alinhado com a caixa de ressonância diária de sua audiência na TV, aproximou-se ainda mais da figura que propaga a representatividade do que deseja a população. Encimado por um discurso repleto de chavões e frases de efeitos, tornou-se craque no uso imagético da revolta popular chutando o balde, que todos gostariam de fazer, na efetivação do marketing político e eleitoral que lhe rendeu o cargo através da indignação de sua audiência.

Deputado Federal Silas Freire (PR)

Desembarcou em Brasília na crista da onda de tudo o que defendeu sendo levado a se tornar realidade. Entusiasta da defesa da redução da maioridade penal, garantiu sua participação na comissão especial que aprofunda o tema e constrói o relatório que vai ser votado brevemente. Some-se um pouco mais de sorte, pois a redução da idade que vai punir criminalmente jovens a partir dos 16 anos tem tudo para ser aprovada.

Distante da gerência da Segurança estadual, passa ileso à rejeição de quem a ocupa e não consegue ter um bom desempenho. E ainda terá em suas mãos a escolha do encaminhamento de emendas que podem alavancar um segundo mandato, justamente na primeira legislatura que obriga o executivo em empenhar o que for determinado pelo parlamentar - o orçamento imposiitivo. Para não se distanciar de seu público televisivo e eleitores, deve retornar ao vídeo em emissora de grande capilaridade estadual.

Os fenômenos políticos eleitos com a colaboração da mudança de interesse de eixos, que favorece aos que militam na segurança, devem ganhar mais colegas ligados ao setor no próximo pleito. Em 2016, ainda não no executivo, mas nas câmaras municipais, candidatos que estejam relacionadas ao segmento devem levar vantagem e mais votos do que os que exploram outros temas.

“A Sociedade do Espetáculo” e a midiatização da violência

O pensador francês Guy Debord talvez não tivesse ideia de que o que previu ia ganhar proporções gigantescas, mas, certamente, também não se deslumbraria com ela. Em sua obra-prima, La Société du Spectacle, editada pela primeira vez em Paris, 1967, definiu bem como as relações sociais são mediadas pelas imagens.

Embora estivesse referindo-se às consequências do pós-guerra, a segunda grande catástrofe bélica mundial, e às derivações da guerra fria, trazia elementos que constituem-se na verdade que ilustra nosso dia a dia, com a exploração midiática da violência. No canais abertos, na hora do almoço, o sangue e a criminalidade são servidos como prato principal.

Mas se há destaque e espaço para este tipo de conteúdo nos quadrantes de horários mais rentáveis e de maior audiência popular, é porque há interesse. E se há relevância no consumo da programação, há demanda criando uma retroalimentação que dá uma vantajosa margem de lucro na comercialização dos espaços publicitários da TV. É um monstro que cresce alimentando-se de si mesmo.

Consagrados pelas imagens mais sórdidas exibidas nas televisões, outros veículos ganham o seu pão ao troco de expor as mazelas mais dolorosas de uma sociedade adoecida. A violência vende bem. Lamentavelmente, nem uma pequena parte do que ela gera de capital fica com os seus protagonistas ou serve para minimizá-la. Barata, proporciona um esplendoroso rendimento aos veículos que se especializaram em sua cobertura. A violência tornou-se um produto extremamente rentável.

O espetáculo midiático que tem a violência como vedete escala um elenco que aponta para os segmentos sociais mais pobres estrelando o papel principal. Personagens que brilham em interesse galopante, mas por um curtíssimo período de tempo. Logo são substituídos por outros, que vão cair no esquecimento para ceder espaço ao próximo evento violento que possa render mais audiência, vender jornal ou aumentar acessos e clicks. Boa parte da mídia é tão hematófaga quanto um vampiro.

Dependendo da repercussão, podem ganhar um lugar especial nas crônicas pela superexposição e garantir-se como referencial para futuras comparações em casos análogos. Todos querem ver e divulgam as imagens dos algozes, vilões e carrascos de um sociedade vitimizada pela falta de acessos aos bens públicos.

Talvez para os agentes públicos seja mais cômodo apontar as consequências geradoras da violência do que buscar compreender suas causas e propor as possíveis soluções, através da adoção e aplicação de políticas públicas eficazes.

Enquanto nem uma coisa nem outra se materializa, o estrato social vai se estigmatizando e segregando em sua geografia/economia. Bolsões de violência também são os bolsões de pobreza. Exceto quando a delinquência transcende seus rincões em busca de cédulas mais altas e bens mais valiosos. Tudo gravado em vídeo e fotografado, quando não é transmitido ao vivo.

Limitações do aparelho de repressão

A repressão do Estado, sobrecarregada, não dá conta da violência em números endêmicos e crescentes. O combate é diuturno, bravo, mas é impossível manter um controle apenas com o enfrentamento à criminalidade, que põe a população refém em suas casas rodeadas de muralhas, com cercas elétricas e câmeras. É preciso muito mais para trazer os índices assustadores a estatísticas suportáveis,

Enquanto o batalhão de delinquentes avança, a proporção dos que dão combate é minimizada. É sabido que no Piauí o aparelho de repressão está num déficit histórico. Tendo como referencial as recomendações da ONU, o contingente de policiais está pela metade do que deveria ser para corresponder a números aceitáveis a relação população/policiais.

Concentrada na capital, a peleja policial deixa a descoberto os municípios interioranos. Batalhões com números inferiores e delegacias concentradas em territórios, tentam fazer frente a um fenômeno que renova e transfere a bandidagem dos grandes centros urbanos para os municípios menores. Crimes anteriormente restritos às metrópoles, hoje ocorrem em locais pacatos.

A globalização carrega benefícios e malefícios pelos mesmos meios de mensagem, conforme aponta o pensador polonês, Zygmunt Bauman, em sua obra Globalization: The Human Consequences, publicada em primeira edição em Londres, 1998. Os veículos de comunicação mostram na crônica policial detalhes dos crimes. Ao tempo em que ganham audiência, servem também de escola e doutrinação para as mentes criminosas, que aprendem novos métodos de execução de suas barbáries.

Apenas uma ínfima parcela dos registros policiais ganha destaque em televisões, rádios, jornais e portais. Os mais vistosos, pelo choque que podem render na população, garantindo maior audiência, são explorados. Os demais, passam ao largo da visibilidade da mídia. Ou seja, é um volume assustador. Como um iceberg, onde a parte visível é mínima, comparada à que está submersa.

Alguns crimes como furtos e pequenos assaltos nem mesmo têm registro de ocorrência. Não é difícil encontrar cidadãos que afirmam ser inútil fazer boletim em delegacias de alguns casos. Justificam que “não vai dar em nada”. Infelizmente, o aparelho policial, assoberbado de trabalho, não tem como dar provimento a tudo o que é registrado em seus livros.

O que abre o precedente para avaliar que os índices de violência devem ser superiores as estatísticas apresentadas. Só pode ser tabulado em números aquilo que foi registrado. Além de que nem tudo o que é registrado é formalizado em inquérito. Outra parte que recebe a atenção de delegados, agentes e escrivães, nem sempre conseguem provas robustas em volume suficiente para serem julgados e seus autores encaminhados à punição tipificada no Código Penal.

Entre os fatores que mostram que o combate, apesar da boa vontade de seus agentes, não atingem seus objetivos, destaca-se a falta de condições favoráveis à realização de um trabalho eficiente. Contingente, armas, viaturas, equipamentos de perícia e outros elementos em carência, prejudicam uma resposta a contento do aparelho de segurança. Se com tudo funcionando é um trabalho hercúleo e, muitas vezes, inglório, calcule-se com as limitações reclamadas pelas categorias do setor.

Limitações da aplicação da Lei e Justiça

Se o aparelho de repressão do Estado não consegue aplacar a guerra contra a criminalidade e a violência, a Justiça acompanha a performance, mesmo sob o auspicioso trabalho de magistrados e promotores, que incansavelmente pelejam para o brilho de Têmis.

Por razões semelhantes, o desaparelhamento e o quadro de agentes públicos na esfera policial reflete na aplicação da Lei. É de notório saber a limitação numérica de varas e fóruns em desproporcionalidade ao crescimento populacional e suas consequências relacionadas à criminalidade.

Some-se os casos em que os inquéritos sofrem os probos questionamentos de habilidosos operadores da Lei, que por méritos utilizam-se das brechas e/ou artifícios, conjugados ou não, disponíveis na interpretação e doutrinas dos códigos em favor de seus clientes. Louros aos que exercem seus aprendizados e projetam sua sapiência e vivência nas salas de audiência e tribunais.

Têmis, deusa grega da Justiça

Diminuindo a penalização ou conseguindo a absolvição pela prescrição ou caduquice de processos, protelados pela morosidade de uma agenda superlotada dos que deveriam julgá-los na celeridade exigida, o sucesso da advocacia é a prova de que o sistema está deficiente e eivado de falhas, que podem proporcionar vantagens ao crime e dificuldades para a efetivação da penalização. Excetuando, claro, os que são pródigos em defesa do que é justo. Para não confundir os lados da mesma moeda: a Justiça e a legalidade.

O sistema judiciário vê-se, muitas vezes, além da venda peculiar ao símbolo da deusa da Justiça, com atas nas mãos que seguram a espada habilitada a operar sua finalidade. Afora a força de agentes externos, que no exercício de outros poderes, sombreiam a eficácia da aplicação das leis pelo status que ocupam no seio social.

E de quem é a culpa?

Seria injusto apontar um fator que concentre a culpa pela bola de neve que desce montanha abaixo. Questões culturais arraigadas na formação desta sociedade adicionam-se às dificuldades notabilizadas que transpõem de um sistema ao outro, até superlotar o sistema prisional, mesmo com um número ínfimo dos apenados que chegam a ele, diante da realidade cruel dos que são aprisionados, respondem a processo e são condenados.

Distante anos-luz de seu propósito de punir e ressocializar, quando é possível, o sistema prisional é o melhor exemplo de que é necessário repensar todo o processo. Um verdadeiro depósito de homens e mulheres que em vez de pagarem suas penas e retornarem ao convívio social saindo dos presídios pela porta da frente e com outra conduta, quando não saltam os muros ou escavam túneis, saem ou fogem para praticar novos crimes.

Uma parcela mínima dos que estão sob a custódia do Estado consegue retornar à sociedade com uma conduta diferenciada a que foram condenados e não voltam a delinquir. Não há nada determinante que possa servir de referência para que esta variante positiva sirva de fundamento, afim de aplicar-se na maioria que não conseguiu obter o mesmo êxito, o processo que redimiu a minoria.

Com esta lamentável realidade, o mito da não redenção penal acaba por se fortificar, deixando mais distante a crença de que a repressão ao crime e o castigo promovido pela Justiça sejam eficazes na evolução da sociedade brasileira, enquanto reformadores ou corretores do comportamento para a construção de condutas cidadãs. Não há culpa nem culpados. Todos somos vítimas.

Tentativas frustradas de diminuir as desigualdades sociais

A injustiça social, tapete vermelho por onde trafega cabisbaixa a maior parte da sociedade, vem sendo combatida em alguns planos. Entre eles, por meio do governo do país, vem recebendo a oportunidade de distribuição de renda aos cadastrados no bolsa família. O programa faz parte de um projeto maior nominado Fome Zero.

Outras ações menos vultuosas são empregadas para fazer emergir da linha da miséria, mas não são tão eficazes. Ensino profissionalizante, mais recentemente, ampliou as chances a jovens de chegar ao mercado de trabalho com qualificação suficiente para dar os primeiros passos no emprego. Reforço para a geração de renda e ocupação a milhares de pessoas através do Pronatec.

Outro ponto significativo é a construção de moradias, que diminuiu expressivamente o déficit habitacional. Faça-se justiça ao reconhecer que há tentativas de minorar as desigualdades sociais. Porém, a criminalidade e a violência mantêm-se resistentes e passam incólumes à aplicação destes projetos. De fato, ainda não foram atingidas a ponto de mostrarmos números que as comprovem, muito pelo contrário.

Faltou empenho e vontade política de fazer mudanças estruturais que levassem a cabo a diminuição das desigualdades sociais. Houve um início repleto de boas vontades, mas a sequência esbarrou no corporativismo de um esquema político envelhecido, tragando as tentativas progressistas de efetivar com políticas públicas uma sociedade mais justa.

O governo que se propôs a isso, mantém-se no poder às custas da conivência de velhas práticas bem conhecidas de todos. Corrompido até os ossos, depois de 12 anos, lança um slogan que soa debochado: Brasil, pátria educadora. No prólogo do quarto governo de um partido trabalhista, vê-se a verba que financiaria a revolução pela educação ser contingenciada, deixando a pátria educadora cada vez mais distante da realidade.

Desta atual gestão não podemos esperar que haja alteração positiva a ponto de culminar a tão sonhada, talvez utópica, sociedade igualitária e fraterna. Em meio a crises de cunho político e econômico, é bem provável que vejamos o tempo passar e o governo envidar esforços para pagar pelos erros que fiou o novo mandato. Se está ruim, preparemo-nos, pois pode piorar.

Propostas e caminhos para uma sociedade saudável

É facílimo criticar, apontar erros e defeitos, mas, propor soluções ainda é pouco comum. Entretanto, vamos mudar um pouco esta cultura de saber os defeitos e não se dar a atenção aos caminhos que possam mudar positivamente uma realidade desfavorável.

Até o senso comum grita que o caminho para mudar um panorama social nocivo e caminhando ao caos é a educação. Correto com aquele c esticado de mestres corrigindo prova, quando do acerto de seus discípulos. Paulo Freire, sabiamente, cravou a verdade inconteste: “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas mudam o mundo.”

Porém, a educação sozinha, neste mundo globalizado, não é capaz de operar transformação de tamanha monta e profundidade. Investimento maciço em políticas públicas que tenham a educação como pilar central, mas, transversalizando outros segmentos e aplicando-os simultaneamente podem, sim, gerar a metamorfose que tanto desejamos.

Que tipo de educação seria esta? A de tempo integral, lógico. Mas num modelo bem diferente do que é oferecido pela atual gestão. Associando atividades lúdicas, que podem ser artísticas, a outras esportivas, expandindo as oportunidades para que alunos desenvolvam-se desde a mais tenra idade, com a visão holística necessária para construir um olhar acurado sobre o mundo.

O aluno tomaria o café da manhã na escola, juntamente com seus colegas e mestres. No exercício do companheirismo, que parte da expressão latina cum panis, ou dividindo o pão. O princípio que fundamenta o conceito de companheiro está em partilhar o alimento, desde o físico até o intelectual, passando pelo afetivo. Uma liga que aproxima e cria vínculos fraternais profundos.

A amizade nascida no seio escolar para fazer propagar-se no decorrer da vida, desenvolvendo relações duradouras e verdadeiras. Oportunidade para o cultivo do sentimento fraternal em seu âmago. Compartilhando o pão, o conhecimento, a diversão, as agruras e as alegrias. Na primeira visão, tresloucada pela realidade crua e hostil que vivemos, aparenta simplória e ilusória, mas é um caminho que precisa ser tentado.

Um ementário vasto, em acordo com a cultura vivenciada. Aplicando o aprendizado das disciplinas ao dia a dia. Aulas além classe, fugindo da monotonia e percorrendo situações reais de constatação do que se aprender na sala de aula. Proposições de pesquisas, visando as inovações e estímulo à busca da construção do conhecimento, não apenas reproduzindo-o, objetivando como premissa ensinar o aluno a pensar e construir sua consciência crítica.

Óbvio que toda esta gama intensa de conhecimento a ser aplicado e produzido deve ser coordenado e mediado por professores com grande preparo. O investimento na formação e aperfeiçoamento contínuo de pedagogos que também sejam pesquisadores, para aprimorar o sistema educacional com suas próprias experiências e observações.

Flexibilidade para proposições de novos conceitos pedagógicos partindo dos mestres e outros estudiosos, criando uma reforma sucessiva, não permitindo o engessamento de metodologias. Ao contrário, a busca da evolução contínua há de manter avivado o interesse de docentes e discentes. Se não experimentar, não há como saber. Claro que na conjugação do bom senso ou, em alguns casos, com a tarja assumida do experimentalismo como pesquisa.

Os alunos retornariam às suas habitações no fim do dia com as obrigações escolares encaminhadas, sem a obrigação de dever de casa, a não ser voluntariamente. No lar, tempo para reforçar os laços afetivos das famílias, estimulando a convivência saudável. Referenciando a harmonia no exercício da cidadania que complementa a educação recebida na escola, domesticamente.

A relação idade/série escolar deve ser revista. Já está mais do que provado que não há uma unidade que, categoricamente, defina uma equalização na absorção do conhecimento em proporção exata com a combinação da idade do indivíduo. Especialmente nesta sociedade tecnológica em que vivemos, há evidências que desconstroem este mito, quando todos são nivelados de forma preguiçosa como se todos fossem iguais.

Não somos iguais. Somos todos diferentes. A diversidade nos fortalece. O que devemos buscar é a igualdade de oportunidades para indivíduos, deixando-os livres de avaliações que forçam uma graduação amarrada em formas de pensar pré-estabelecidas por um olhar míope. O que deve estar em busca incessante por mestres e discípulos é a construção de uma nova mentalidade, tocada pela liberdade de se permitir ser diferente.

O sistema de avaliação deve ser repensado. Atualmente, os mecanismos utilizados para verificar o aprendizado tentam nivelar criaturas como se fossem robôs, obrigados a fazer tarefas milimetricamente iguais aos outros. O desempenho de cada mente em julgamento de sua realidade jamais será igual, até pode ser semelhante, mas não exatamente e precisamente idêntica.

Com propostas análogas, países escandinavos, do norte e leste da Europa deram saltos que permitiram um convívio social bem próximo do ideal utópico propalado da sociedade justa, fraterna e solidária. Se eles alcançaram o sucesso de condutas e comportamentos sociais onde o ser humano respeita e é respeitado, através da aplicação maciça das verbas públicas em educação, nós também podemos.

Será um longo caminho e bilhões em investimentos cavalares. No exercício da futurologia, após uns 50 anos, poderemos olhar para trás sem saudades, quando compararmos uma pátria realmente educadora e uma nação em frangalhos, onde a educação é apenas mais um setor que não funciona, problematizando contagiosamente os demais.

Exemplos bem-sucedidos e a nossa realidade

Nações onde o aparelho de repressão abandonou armas de poder letal há alguns anos, em suas rondas ostensivas, como a Suíça. Estados que reduziram a criminalidade a ponto de fecharem presídios por falta de apenados, como a Suécia, são exemplos reais de que o desempenho positivo foi às custas de medidas contínuas, obviamente, somadas a questões culturais remanescentes.

Entretanto, de onde estamos, se não tomarmos com urgência uma postura que busque caminhos afins, veremos gerações sendo perdidas, encaminhadas à criminalidade cada vez mais cedo. Não haverá redução penal que dê jeito, se é que seja possível resolver a problemática da criminalidade juvenil olhando apenas por este prisma.

Quem sabe se a corrupção, que grassa em nosso país, também fosse tipificada como crime hediondo, poderia concorrer para a diminuição da violência e da criminalidade? Levando em conta que recursos públicos que deveriam chegar para fazer aporte a projetos de educação, saúde e segurança são escoados em benefício privado e provocam hiatos na execução de políticas públicas, é provável que sim.

Certamente que os agentes públicos desonestos iriam pensar nas consequências, intimidando a crescente corrupção e desmotivando a improbidade. Com os cofres públicos a serviço exclusivo da população para prover a redução das desigualdades sociais através do acesso e oportunidades a jovens e adultos, a realidade seria outra bem diferenciada.

A impunidade dos que praticam a corrupção também é fator de instabilidade, gerando a indignação do povo, a revolta da juventude, a desesperança generalizada e a motivação para cometer crimes recebe a chancela do mau exemplo como referendo de um país onde os principais atores da roubalheira desfilam lépidos pelas colunas sociais. Um tapa desmoralizante na cara da sociedade.

No caso dos crimes perpetrados pelos jovens em Castelo do Piauí, o mais novo deles é acusado de quase uma centena de atos infracionais. O rapaz tem apenas 15 anos. Ou seja, não seria alcançado o mais contumaz deles, se a redução da maioridade penal já estivesse valendo.

Para alcançar menores infratores que cometem atos terríveis, crimes hediondos tipificados pelo Código Penal deveriam ser julgados da mesma forma entre maiores ou menores de idade. Infelizmente, na natureza humana, há criaturas que estão para o crime, independente de acessos e oportunidades favoráveis ou a falta delas. Casos assim, estão muito mais para serem avaliados pela psiquiatria do que por magistrados.

Contudo, o Estado deve estar preparado para ter um lugar e uma forma de encaminhamento para sociopatas, não permitindo que estejam em convivência com apenados comuns. Indivíduos com este diagnóstico não têm como serem ressocializados, pelo conhecimento médico e terapêutico disponível atualmente.

Com a redução da maioridade penal para 16 anos, o já estrangulado sistema prisional vai receber um volume de apenados que já não é capaz de suportar. A polícia, que já faz o seu trabalho, terá que intensificá-lo, bem como a Justiça, que deve assoberbar-se com numerosos e crescentes casos para julgar.

Reduzir a maioridade penal é atacar a consequência e não a causa do problema. Mas, provavelmente, deve ser aprovada. Suponho que quando começar a ser regulamentada e aplicada, vamos perceber, no limiar do precipício, e nos indagar: se é melhor construir presídios ou investir em escolas?

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