OBRAS ESQUECIDAS NOS CONFINS DO SERTÃO

Obra de mercado público foi abandonada em 2006, no primeiro governo de Wellington Dias. O morador José Nunes lamenta o descaso (Foto: Gustavo Almeida/PoliticaDinamica)

No meio do sertão, longe de tudo e distante do olhar fiscalizador dos órgãos de controle, obras públicas foram totalmente esquecidas. É preciso um certo esforço para ir ao encontro de algumas dessas estruturas que o poder público começou a construir em localidades rurais isoladas do semiárido e nunca terminou. Dinheiro jogado fora e sonhos nunca realizados.

No final do primeiro semestre deste ano, o Política Dinâmica percorreu mais de 600 km até o distante município de Dom Inocêncio, uma das regiões que mais sofre com a seca no Piauí. Da zona urbana, foram outros 42 km por estradas de chão até chegar ao povoado Salgado. Lá, uma obra do governo do Piauí foi totalmente abandonada e esquecida há exatos 12 anos.

O povoado Salgado, na zona rural (Foto: Gustavo Almeida/PoliticaDinamica.com)

O ano era 2006, primeiro governo de Wellington Dias (PT). Foram iniciadas as obras do Mercado Público de Salgado, uma estrutura que iria permitir aos moradores da área comercializar seus produtos num único espaço. A obra de responsabilidade da Secretaria de Infraestrutura do Estado (Seinfra) foi orçada em R$ 143.541,02. O prazo inicial de conclusão era de 90 dias. Já se passaram mais de 4.300 dias e o mercado nunca virou realidade.

Em julho de 2006, a Seinfra e a empresa Engeste Engenharia Ltda, de Teresina, assinaram o contrato para construção do mercado. Quatro meses depois, o contrato foi aditivado. A empresa tinha como sócio Isaías Vieira da Silva Filho, irmão do deputado estadual Hélio Isaías (Progressistas), que chegou a destinar dinheiro de emenda parlamentar para a execução da obra. Ao todo, segundo a Seinfra, foram aplicados R$ 95 mil na estrutura que está totalmente abandonada há 12 anos. Dinheiro público que foi para o ralo.

Obra foi totalmente abandonada em 2006 (Foto: Gustavo Almeida/PoliticaDinamica)

A placa da obra, já completamente enferrujada, ainda está no entorno. O morador José Nunes Barbosa trabalhou como pedreiro no início da obra em 2006 e lamenta que mais de uma década depois o que foi feito está caindo, sem nenhuma providência ser tomada.

"Eu trabalhei nela aqui. A gente sente, porque vê tudo abandonado. Se essa obra fosse feita mudava muita coisa, porque de tudo aparecia alguém para vender aqui. Faz muita vergonha esse governo começar a fazer uma obra e deixar no meio da estrada, desperdiçando o dinheiro público", falou o morador.

Teto do mercado já desmoronou (Foto: Gustavo Almeida/PoliticaDinamica.com)

Daqui a duas semanas, o governador Wellington Dias (PT) vai tomar posse do quarto mandato no governo do Piauí, enquanto isso o mercado público de Salgado parou no distante ano de 2006. O governo não deu respostas ao Política Dinâmica sobre o abandono da obra.

O MATADOURO QUE MORREU NO NASCEDOURO
Mas o mercado da comunidade Salgado não é única obra que foi esquecida no tempo em Dom Inocêncio. Um matadouro público distante três quilômetros da zona urbana e orçado em R$ 101.672,26 começou a ser construído em 2009, já no segundo mandato de Wellington Dias. A obra tinha previsão de conclusão para 120 dias, mas também nunca virou realidade.

Política Dinâmica também encontrou matadouro abandonado há quase 10 anos.

A Secretaria Estadual das Cidades (Secid) é a responsável pelo empreendimento. A construtora Cristal Ltda, de São Raimundo Nonato, ganhou a licitação para executar as obras e o contrato foi assinado em 9 de junho de 2009. Em 2016, quando Wellington Dias (PT) já estava no terceiro mandato, a Secretaria das Cidades disse que a obra do matadouro foi paralisada porque a construtora parou, mas que o secretário estava fazendo o possível para sanar pendências de gestões anteriores e a obra seria retomada. Nunca foi.

ADUTORA PADRE LIRA: UMA OBRA DE QUASE 20 MILHÕES
Dom Inocêncio ainda vive à base carros-pipa. O sonho dessa realidade chegar ao fim começou a ganhar corpo em 2013, quando a então presidente Dilma Rousseff (PT), numa solenidade na cidade de São Julião-PI, assinou a ordem de serviço para construção da Adutora Padre Lira, que levaria água da barragem Jenipapo até Dom Inocêncio.

O nome é em homenagem a Manuel Lira Parente, sacerdote que fundou o município e travou, durante 50 anos de atuação na região, uma luta incessante com ações sociais de enfrentamento aos efeitos da seca. Com sua saga, Lira ficou conhecido até fora do país.

Obra de adutora está parada há 3 anos (Foto: Gustavo Almeida/PoliticaDinamica.com)

A obra orçada inicialmente em R$ 16 milhões beneficiaria tanto a zona urbana quanto comunidades da zona rural próximas à rede. A maior parte dos recursos é do Ministério da Integração Nacional, mas a execução cabe ao Governo do Piauí. Os serviços até que foram iniciados, mas a obra parou duas vezes. A última paralisação foi em 2016. Desde então, os trabalhos nunca mais foram retomados.

O morador Márcio da Silva vive na comunidade Espírito Santo, bem ao lado de onde vai passar a tubulação da adutora. A estrutura de sustentação de uma caixa d'água foi erguida quase na frente da casa dele, mas o sonho esbarrou no descaso e na falta de compromisso do poder público. Segundo ele, as promessas sempre se repetem, mas a dura realidade de pegar água em baldes para dar aos poucos animais que cria continua sendo parte da rotina.

Márcio vive sonho da adutora sair (Foto: Gustavo Almeida/PoliticaDinamica.com)

"Eles falaram na rádio que iam concluir a adutora, mas nunca recomeçaram. A gente perde a esperança. Nós já esperamos muito e hoje a gente nem acredita mais. Essa adutora ia beneficiar muito, porque na seca a gente tem que pegar água no caxio [pequeno manancial]. Tem uma cisterna aqui na casa, mas para dar aos animais tem que pegar no caxio", relatou.

O Instituto de Desenvolvimento do Piauí (Idepi) é o órgão responsável pela obra da adutora.  Até o início de 2017, já haviam sido repassados pelo Ministério da Integração Nacional quase R$ 12 milhões para que o governo do estado tocasse os serviços. O Ministério diz que o governo do Piauí é quem precisa explicar o porquê das obras da adutora estarem paradas.

Caixa d'água seria instalada próximo à casa (Foto: Gustavo Almeida/PoliticaDinamica)

Procurado pelo Política Dinâmica no final do primeiro semestre, o governo do Piauí alegou que estava previsto no convênio a elaboração de um projeto executivo no decorrer da obra e que este projeto já tinha sido apresentado e estava sob análise da Caixa Econômica Federal.

Segundo o governo, a obra está 46% executada e tão logo o projeto executivo fosse aprovado, elas seriam retomadas. Na ocasião, a gestão estadual prometeu entregar a adutora ainda em novembro deste ano. Já estamos em dezembro e a obra sequer foi retomada.

Sertanejos esperam por adutora (Foto: Gustavo Almeida/PoliticaDinamica.com)

No último dia 10, o governo publicou no Diário Oficial do Estado (DOE) a abertura de crédito suplementar no orçamento geral do estado para diversas obras, entre elas a adutora Padre Lira. Conforme o documento, serão mais R$ 600 mil de suplementação para a construção da adutora. Quem sabe em novembro, agora de 2019, alguma coisa tenha sido feita.

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