Obras irão atrasar

Foto: Fábio Rosse

Na mesma semana em que reconheceu perdas de R$ 6,2 bilhões por corrupção no balanço da Petrobras, Aldemir Bendine recebeu O GLOBO para uma entrevista numa sala de reuniões na sede da empresa, na Avenida Chile. Na lapela, um broche de Nossa Senhora Aparecida e o logotipo da companhia. Na parede, um mapa com os campos de petróleo e uma lupa. Bendine afirma que já trabalha em um “plano B” para tocar os projetos da estatal, mas admite que pode haver mais atrasos em obras.

A crise de fornecedores preocupa?

Sim. Essa situação balançou muitos fornecedores que já estavam capacitados. Por outro lado, estamos vendo novos fornecedores e parceiros interessados em aumentar parcerias. O que temos que trabalhar muito fortemente seria um “plano B”para formar e capacitar novos fornecedores. Entendo que uma parte desses fornecedores hoje envolvidos nessa situação pode não dar continuidade a seu trabalho.

Mas dá tempo para capacitar, já que há fornecedores envolvidos em diversos projetos?

Aí, nós teríamos atraso. Se esse processo de conclusão (Operação Lava-Jato) for muito demorado, quanto mais atrasar, mais vai comprometer a execução do nosso plano de investimento. No pré-sal, a situação não terá um impacto tão elevado. O que vai ter um impacto mais elevado são os investimentos físicos, obras, como plataformas. No pré-sal, do ponto de vista do fornecimento, a maior parte das empresas não faz parte desse processo em curso. Talvez você pegue uma SBM, que é uma importante fornecedora, mas que a gente vê caminhando para uma solução.

A capacitação será de empresas brasileiras ou estrangeiras?

Os dois, mas com prioridade para os brasileiros. A gente tem de priorizar aquilo que pode trazer melhores ganhos para a economia do país.

Plataformas em construção no Brasil podem ser feitas pelos chineses?

Não existe isso. Se a China tiver interesse, a China vem aqui construir em parceria ou assumir projetos aqui.

Que projetos podem atrasar?

Em exploração, não estou preocupado. Vamos dar um exemplo do que é muito caro ao Rio: a situação do Comperj (Complexo Petroquímico, em Itaboraí, no Rio). Hoje, o primeiro trem (unidade) da refinaria tem 86% conclusos. Vamos terminar aquilo. Não tenha dúvida. Não vou deixar um projeto daquele, com um investimento tão alto, jogado. Agora, dependo de duas coisas: ajustar a minha condição de caixa — em breve vamos nos pronunciar sobre isso — e que eu tenha fornecedores. Vamos ter de fazer uma repactuação. Temos uma série de empresas e consórcios. Algumas podem não ter interesse em permanecer, outras estão em dificuldades financeiras. Vamos ter de sentar à mesa e ver quem tem condições de continuar.

O Comperj só será concluído em 2019? (A previsão anterior era 2016.)

Esse é o pior dos prazos. O melhor dos prazos é fazer uma engenharia financeira que permita ter recurso suficiente para concluir a obra. Não tem quando.

Existe a possibilidade de a Petrobras recuperar os R$ 6,2 bilhões de perdas por corrupção?

Sim. Quem sabe mais, né? Isso vai depender do acordo.

A corrupção foi estancada?

A corrupção existe na empresa pública, na sociedade de economia mista ou na empresa privada. A questão de corrupção é uma questão de caráter. O que você pode fazer é criar mecanismos de controle e mitigar o risco. Sujeita à corrupção, qualquer empresa do mundo está. Agora, conhecendo o caráter e a honradez e pelo que passou essa empresa, não tenho dúvida de que a possibilidade de isso voltar a acontecer é mínima. Corrupção é um câncer que compromete muito a companhia. Acabou esse negócio de operação (Lava-Jato). Mas temos que ser tratados como companhia. Tem que acabar com essa ansiedade em relação à Petrobras.

O senhor defende o acordo de leniência das empresas?

Sem dúvida. Quem errou em relação a isso ou aquilo tem que ser punido, investigado e pagar pelos custos daquilo que praticou. Mas não é justo as empresas morrerem por conta de malfeitos de seus dirigentes, até porque o país não pode parar. É uma condição insuportável.

Já houve punições a funcionários?

Várias. Demissões, downgrade nas comissões ou nos cargos. Não podemos fornecer os dados ainda. Tudo que vocês ouvirem disso é especulação. Temos uma comissão que gerencia de forma independente. O processo continua.

Qual foi o pior momento desde que o senhor foi convidado para o cargo?

O pior momento foi a parte do convite (risos). Estava numa projeção de vida futura (tinha sido convidado para assumir o BNDES) e a vida virou de cabeça (para baixo).

E o ritmo de trabalho?

É bastante intenso. Não sou um cara fissurado em horário de trabalho, mas saio muito tarde. Isso daí eu tenho de me disciplinar mais. Se não, não vou aproveitar as belezas do Rio de Janeiro. Não tenho vida neste primeiro momento.

Em menos de três meses, o senhor lidou com o balanço e fez captação de quase R$ 30 bilhões, mas foi criticado por usar bancos públicos, como o Banco do Brasil, que o senhor presidiu...

Eu interferi no BB, na Caixa, no Bradesco, no Standard (Chartered) e nos chineses? O Banco do Brasil tem governança corporativa. Nem se eu pegasse na mão do Alexandre Abreu (presidente do BB) e forçasse ele a assinar o empréstimo. É o potencial de negócio. O objetivo disso é mostrar que a empresa tinha financiabilidade.

É que vocês não costumavam fazer operações com bancos públicos. Só em casos de desespero...

Nós (Petrobras) não costumávamos fazer um monte de coisa. E faziam coisas que não deviam. Minha resposta aqui é de 9 de fevereiro (quando assumiu o cargo) para frente e com minha visão financeira.

Podemos esperar novas operações?

Diante de uma boa prática, sim. Assim como novas captações, não tenho dúvida. O mercado se abriu de novo para nós. O que eu garanto é que o problema de financiabilidade deste ano já está resolvido. Posso tocar a vidinha aqui quietinho até dezembro sem necessidade de novas captações.

Vai captar quanto em 2016?

Deve ser muito similar à captação deste ano. Um patamar muito parecido.

Quanto tempo precisa para resolver a questão financeira?

Se nada fosse feito, só trabalhar em cima da geração de caixa é um processo gradual de pelo menos cinco anos. Mas vai depender da engenharia financeira. Vamos investir no hedge (proteção cambial). Já temos um hedge muito bom, mas não cobre tudo. Determinadas dívidas e captações em outra moedas não estão com mecanismo de proteção. Vamos contratar ou desenvolver mecanismos de proteção.

O que se pode esperar do Plano de Negócios em relação à produção?

De igual a maior. Não queremos diminuir a produção. Vamos dar agora uma previsibilidade melhor ao longo do mês. Tem mês que vai subir bastante, tem mês que vai cair por paradas programadas. (O Plano) Dará melhor previsibilidade mês a mês. Hoje, a gente simplesmente divulga que vai crescer a produção em 2%. Queremos dizer que vamos crescer em X% e já dizer que (por exemplo) não se assustem que no mês de maio pode haver queda.

A Petrobras foi criticada pelo uso político do reajuste dos combustíveis. Quando vai ter aumento?

Daqui para frente, a companhia tem inteira liberdade para esse tipo de trabalho. Hoje, estamos com bom resultado sobre o retorno pretendido, em paridade internacional e com margem muito boa. Não estamos com defasagem. Está dentro da metodologia de preço (câmbio, preço do petróleo e demanda). Se o conjunto dos indicativos dessa metodologia sofrer alterações, vai haver aumento. Hoje, com o retrato atual, não há essa previsibilidade.

Como está a contratação das 28 sondas de exploração do pré-sal que serão construídas pela Sete Brasil (investigada na Lava-Jato)?

Foi feito um memorando de entendimentos para se redesenhar esse modelo. Acordamos um prazo de 90 dias, e os envolvidos estão trabalhando para delimitar qual é o número (de sondas) a ser contratado (pela Petrobras) neste primeiro momento. Já há de seis a oito sondas perto de serem concluídas e que atendem as necessidade prementes da companhia. E, depois, dentro de um planejamento mais alongado, não terá talvez a necessidade a médio prazo de ter as 28 sondas. Talvez um numero menor atenda essa situação. É lógico que esse processo não concluso das investigações acaba acarretando um atraso em relação a isso.

Como está a situação da Petros (fundo de pensão da Petrobras)?

Trocamos toda a diretoria. A Petros vai passar por um processo muito parecido com que a Petrobras está passando. Não tenho dúvida de que ela tem de ter uma gestão igual à da empresa. Não existe a possibilidade de só a empresa arcar com déficit. Não vejo, a princípio, a necessidade de contribuições extemporâneas no futuro próximo.

Fonte: O Globo

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