O PODER NO SUBMUNDO DO CRIME

Desde os primórdios da humanidade, o homem sempre se sentiu atraído pelo poder. Ele se manifesta em diferentes sociedades, grupos e circunstâncias. Muda conforme o grupo ou o sujeito, mas indubitavelmente tem a mesma natureza. Na política, por exemplo, Ulisses Guimarães estabeleceu bem o fascínio do ser humano pelo poder ao chegar a dizer que “o poder é afrodisíaco”. Na sociedade primitiva, o poder era exercido levando-se em conta uma relação que subjugava o mais fraco ao mais forte. E assim o conceito foi evoluindo ao longo da história da civilização para uma noção mais política, consentânea com a sociedade civilizada. Daí Norberto Bobbio ensinar que “poder político dizia respeito ao poder que um homem exerce sobre outros, a exemplo da relação entre governantes e governados”. O certo é que na prática, a ideia de poder, independentemente de conceitos modernos ou primitivos, está ligada a ideia de força e submissão de um grupo sobre outro.

Ontem no tribunal do júri, participando de uma maratona de três audiências, ouvi de uma testemunha na primeira delas, que os acusados, em número de quatro, “matavam para demonstrar seu poder diante de grupos rivais e, com isso, se impor diante do meio em que atuavam... E que no mesmo grupo, sempre havia quem determinava e quem obedecia às ordens de comando.” Eis uma noção de poder! Estúpida e primitiva é bem verdade, mas uma noção de poder. Já na última, cuja acusada e vítima, bem como as testemunhas eram todas travestis, ouviu-se que “a vítima exercia o seu poder sobre as demais colegas de trabalho porque detinha o controle dos pontos de prostituição em toda a extensão da Av. Frei Serafim e centro da cidade, indo até a Av. Maranhão, às margens do rio Parnaíba. E nesses pontos cobrava pedágios para que as colegas de profissão pudessem exercer seu trabalho. Às vezes com ameaças”. Indagada pelo Ministério Público se tomou alguma providência em relação a possíveis ameaças, foi respondido que procurou a polícia e esta orientou surpreendentemente no sentido de que deveriam se armar. E ainda sob a pergunta de onde vinha tal poder, teve como resposta o fato da vítima se sentir mais velha no ofício. O crime, portanto, ocorreu tendo isso como móvel, e também pelo fato da acusada se insurgir contra o pedágio cobrado. Eis aí outra demonstração de poder! Igualmente absurda, é claro.

Tem-se aqui, no submundo do crime, dois aspectos que chamam bastante atenção. O primeiro, a noção comum de “poder” que se extrai de ambos os casos. O segundo, no último caso, a cobrança de pedágio por particular no espaço público. O mais lastimável e espantoso é que tudo isso ocorre aqui, perto de todos nós, um no bairro Morro da Esperança, próximo ao Marquês, na zona norte da cidade, e o outro na principal via que divide a cidade, a Av. Frei Serafim, no cruzamento da Av. Miguel Rosa, próximo ao prédio do DER. Essa naturalmente é uma face do crime que poucos se importam, nem mesmo o Estado, talvez em face de não se arregimentar uma seria política de segurança pública. E certamente porque no espetáculo da política, o que vale mais é sempre a ostentação do circo, do jogar para o incauto público. É não resolver – ou pelo menos minimizar -, mas parecer que se resolve. Assim, na lógica do poder político, já está de bom tamanho. E o povo hein!? Ah! Como dizia uma ministra, o povo é só um detalhe.

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O feminicídio como conduta punitiva

Com um Projeto de Lei que teve origem no Senado, o Congresso Nacional aprovou e foi sancionada pela Presidente da República no último dia 09 de março do corrente ano, com entrada em vigor na data de sua publicação, a Lei nº 13.104/2015, que altera o art. 121 do Decreto-Lei, nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para prever o feminicídio como qualificadora do homicídio e o inclui no rol dos crimes hediondos, com modificação da Lei nº 8.072/90, com pena que varia de 12 (doze) a 30(trinta) anos de reclusão, conforme a leitura do art. 121, § 2º, VI, do Código Penal. O feminicídio, conforme se depreende, é o homicídio doloso praticado contra a mulher por razões de gênero, ou seja, quando o crime envolve a violência doméstica ou familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Importante salientar que a pena é aumentada de 1/3 até ½ se o crime for praticado durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto; contra menor de 14 anos e maior de 60 anos ou deficiente, bem como na presença de ascendente ou descendente da vítima.

O que se observa ao ver contextualizado a qualificadora do feminicídio no sistema penal brasileiro - neologismo decorrente da expressão inglesa femicide - é que ela tem uma área de abrangência específica, diferente, portanto, do estabelecido pela Organização Mundial da Saúde que abarca a ação praticada contra a mulher por razões de gênero, tendo como vítimas, em uma larga proporção, pessoas inseridas em relacionamentos violentos, normalmente com ilícitos praticados por parceiros ou ex-parceiros. No caso da Nova Lei, para a tipificação do ilícito (forma qualificada), além da condição especial da vítima (mulher), é exigida a violência doméstica e familiar, ou o menosprezo ou discriminação à condição de mulher. O que vale dizer, não necessariamente o crime de homicídio praticado contra vítima mulher possa ser caracterizado como um feminicídio, dado que o dolo, elemento imprescindível à adequação do tipo exige, acrescido à vontade de matar, um ajustamento às condicionantes legais impostas pela lei ora em vigor que, diga-se de passagem, nem sempre será de fácil caracterização.

Evidencie-se que, apesar da aparente inovação do texto legal e tão alardeado zelo pela causa da mulher por alguns parlamentares – inclusive parlamentares femininas de nosso Estado, que se mantiveram em obsequioso silêncio no assassinato da estudante Fernanda Lages – detecta-se muito barulho para pouca efetividade prática, dado que a jurisprudência e a doutrina já vinham entendendo, no caso do homicídio, algumas condutas violentas praticadas contra a mulher como qualificadoras de motivo fútil ou torpe, a depender de cada circunstância. Mas em nosso país é sempre assim, os esforços para conter a criminalidade estão sempre na lei e não na promoção simultânea de políticas de segurança e sociais adequadas. Fica a surrada prática de onde não cabe o pão, vale o circo.

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O FEMINICÍDIO COMO CONDUTA PUNITIVA

Com um Projeto de Lei que teve origem no Senado, o Congresso Nacional aprovou e foi sancionada pela Presidente da República no último dia 09 de março do corrente ano, com entrada em vigor na data de sua publicação, a Lei nº 13.104/2015, que altera o art. 121 do Decreto-Lei, nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para prever o feminicídio como qualificadora do homicídio e o inclui no rol dos crimes hediondos, com modificação da Lei nº 8.072/90, com pena que varia de 12 (doze) a 30(trinta) anos de reclusão, conforme a leitura do art. 121, § 2º, VI, do Código Penal. O feminicídio, conforme se depreende, é o homicídio doloso praticado contra a mulher por razões de gênero, ou seja, quando o crime envolve a violência doméstica ou familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Importante salientar que a pena é aumentada de 1/3 até ½ se o crime for praticado durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto; contra menor de 14 anos e maior de 60 anos ou deficiente, bem como na presença de ascendente ou descendente da vítima.

O que se observa ao ver contextualizado a qualificadora do feminicídio no sistema penal brasileiro - neologismo decorrente da expressão inglesa femicide - é que ela tem uma área de abrangência específica, diferente, portanto, do estabelecido pela Organização Mundial da Saúde que abarca a ação praticada contra a mulher por razões de gênero, tendo como vítimas, em uma larga proporção, pessoas inseridas em relacionamentos violentos, normalmente com ilícitos praticados por parceiros ou ex-parceiros. No caso da Nova Lei, para a tipificação do ilícito (forma qualificada), além da condição especial da vítima (mulher), é exigida a violência doméstica e familiar, ou o menosprezo ou discriminação à condição de mulher. O que vale dizer, não necessariamente o crime de homicídio praticado contra vítima mulher possa ser caracterizado como um feminicídio, dado que o dolo, elemento imprescindível à adequação do tipo exige, acrescido à vontade de matar, um ajustamento às condicionantes legais impostas pela lei ora em vigor que, diga-se de passagem, nem sempre será de fácil caracterização.

Evidencie-se que, apesar da aparente inovação do texto legal e tão alardeado zelo pela causa da mulher por alguns parlamentares – inclusive parlamentares femininas de nosso Estado, que se mantiveram em obsequioso silêncio no assassinato da estudante Fernanda Lages – detecta-se muito barulho para pouca efetividade prática, dado que a jurisprudência e a doutrina já vinham entendendo, no caso do homicídio, algumas condutas violentas praticadas contra a mulher como qualificadoras de motivo fútil ou torpe, a depender de cada circunstância. Mas em nosso país é sempre assim, os esforços para conter a criminalidade estão sempre na lei e não na promoção simultânea de políticas de segurança e sociais adequadas. Fica a surrada prática de onde não cabe o pão, vale o circo.

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O juiz e o Porsche: uma conduta ilegal e vergonhosa.

O país assistiu estarrecido na semana passada a notícia de que o juiz Flávio Roberto de Souza, da 3ª Vara Criminal da Justiça Federal do Rio de Janeiro, havia sido filmado dirigindo um Porsche Cayenne Turbo S, pertencente ao ex-bilionário Eike Batista, que tem contra si acusações de manipulação de mercado, uso de informação privilegiada – o insider trading - e formação de quadrilha. O magistrado, diga-se de passagem, estava à frente de processos envolvendo o empresário, inclusive tendo determinado a busca e apreensão de seus bens, entre eles o tal Porsche Cayenne e mais dois outros veículos que, segundo noticiou a grande imprensa nacional, ficaram estacionados na garagem do prédio onde mora o juiz, na Barra da Tijuca. O argumento, conforme veio a público, era o de que não havia vagas no pátio da Justiça Federal e, portanto, seria uma forma de protegê-los das intempéries. Sem contar ainda que o piano de Eike apreendido sob a ordem do juiz foi dado a um vizinho como fiel depositário. O mais vergonhoso é que o magistrado declarou ser “absolutamente normal” a destinação dada aos bens apreendidos judicialmente.

A corregedora nacional de justiça, ministra Nancy Andrighi, já na semana passada determinou o afastamento do juiz Flávio Roberto de Souza, e asseverou que “não há, nem pode haver lacuna, brecha ou folga interpretativa que permita a um juiz manter em sua posse, ou sequestrar para seu usufruto, patrimônio de particular sobre o qual foi decretada medida assecuratória”. O que naturalmente é uma interpretação jurídica inafastável, a despeito do que pensa o juiz flagrado com o Porsche apreendido.

Não é de agora que o comportamento de agentes públicos no exercício de suas funções tem enlameado poderes e instituições. No caso do juiz Flávio Roberto, o mais grave é que coloca para o inconsciente coletivo a ideia de que todos, absolutamente todos, estão na vala comum da falta de senso ético e desonestidade e que, por mais espantoso que possa parecer, comportamentos como esse já se constituem em algo rotineiramente normal na vida de cada cidadão brasileiro. O que não é uma verdade. O próprio poder judiciário tem dado mostras, através de inúmeros magistrados – diria a sua grande e esmagadora maioria -, de que condutas como a do juiz Souza causam repúdio e indignação não só da sociedade, mas no âmbito do próprio judiciário. O que vale mesmo diante de tais desvios, é que se tome medidas urgentes e necessárias no sentido de que aquilo que é normal para uns poucos, não seja a regra para muitos. Assim se constrói instituições fortes e sérias num país de democracia incipiente.

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A questão do plebiscito e a prisão perpétua

O senador Magno Malta, do PR do Estado do Espírito Santo, está entrando com requerimento, nesta terça-feira, dia 24, na Comissão de Constituição e Justiça – CCJ do Senado, objetivando a realização de um plebiscito ainda nesse ano, segundo ele para a instalação de uma mini- constituinte ou constituinte exclusiva com propósito de ouvir a população para decidir se quer ou não prisão perpétua para narcotraficantes, pedófilos e corruptos . Defende também que os chamados sequestros relâmpagos e assaltos na porta de bancos chamados de “saidinha”, sejam classificados como crimes hediondos. O senador se manifestou recentemente, por meio da mídia nacional e redes sociais, afirmando que “o Congresso Nacional não vota leis mais duras por descaso e falta de sensibilidade com a dor alheia”. Chega ainda o parlamentar capixaba a atacar o governo dizendo que questões de ordem ideológica travam a pauta do Congresso nesse sentido, não agindo o parlamento com a devida responsabilidade em relação ao anseio popular, que naturalmente clama por leis mais rígidas e mecanismos que possam barrar a crescente criminalidade no país. No mesmo sentido, o senador faz críticas ao lobby de advogados e representantes de entidades ligadas aos Direitos Humanos que, a seu juízo, trabalham para a manutenção de leis mais frouxas dentro da estrutura jurídico-penal brasileira. Em resposta a esses grupos de interesse afirma que “é preciso ter sensibilidade para pensar também nas vítimas”, chegando a dizer que “não concorda em proteger criminoso, pessoas com desvio de conduta, simplesmente em nome de direitos humanos”. E finaliza o discurso afirmando que “precisamos de leis mais severas para diminuir a impunidade que vai refletir diretamente na crescente violência urbana”.

Não resta a menor dúvida que o senador Malta traz à baila um tema relevante e de extremo interesse para o país, notadamente quando se constata no dia a dia dos diversos centros urbanos brasileiros que a criminalidade parece ganhar a batalha contra o Estado que, mal aparelhado e muitas vezes sem priorizar a aplicação de recursos na área, acrescido de ausência de políticas sociais coerentes, termina por fazer da vida cotidiana de cada cidadão decente e honesto um verdadeiro martírio. Por outro lado, sem colocar em cheque a soberania popular, entendemos que é preciso ter parcimônia em se levar um tema - de interesse de todos naturalmente, e que tem lá seus meandros técnicos -, à apreciação de uma população tomada pelo medo e descrença no aparelho do Estado. O resultado seria inegavelmente consagrador e elevaria às alturas no inconsciente coletivo o autor da proposta. Se se sabe o resultado, porque não levar o tema a uma discussão séria em fóruns técnicos e no âmbito do próprio Congresso Nacional objetivando se chegar a um consenso sobre tais mudanças propostas? Essa é a pergunta que se impõe, até porque sabemos de vivência própria que nenhuma norma, por si só, por mais rígida que seja, é capaz de soterrar a criminalidade e trazer à sociedade a paz e a tranquilidade tão desejada. O que vale mais é a sua verdadeira efetividade. Essa sim, nos retira a sensação de impunidade reinante, mesmo se constatando que as leis são brandas em nosso país.

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