'Neymar agiu sob violenta emoção', aponta advogado

O jogador do Paris Saint-German e da Seleção Brasileira de Futebol, Neymar, foi acusado de estupro por uma mulher que teria tido um caso com ele. O fato teria ocorrido em Paris, mas a denúncia só ocorreu em São Paulo.

Desde a divulgação da informação, muitas são as especulações e posições sobre o tema. No Piauí, quem escreveu sobre o assunto foi o advogado Antônio Cantuaria, Presidente da Associação Nacional dos Advogados Criminalistas (ANACRIM-PI).

Em artigo, ele destaca alguns pontos importantes que envolvem esta situação e faz algumas ponderações com base no Direito Penal e entende que a divulgação das imagens e mensagens pelo atacante Neymar, que está no Brasil para a disputa da Copa América, não configura crime, mas ato em prol de sua defesa. Ele explica.

"Entendo que a divulgação das imagens no caso, ainda que ele possa vir a responder por um eventual crime de divulgação de imagens previsto no Art 118, 'c', do Código Penal, ele pode facilmente ser absolvido no crime do Art. 218 CP, pois estamos diante de uma excludente de ilicitude, pois a conduta do agente exclui a ilicitude, que no caso seria a violenta emoção", assinala o advogado.

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A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA DIANTE DA DECLARAÇÃO DA VÍTIMA DE ESTUPRO
Um assunto muito comum e de certa forma polêmico quando se trata na defesa de estupro, por ter relação a fatores das mais diversas possíveis, quanto à Vítima, modus operandi, local, e principalmente meio comprobatório, o que por sua vez, fez com que o legislador buscasse justiça com base nas declarações da vítima.

O legislador de 1940 entendeu por bem destacar que nos casos em que um homem tem relação sexual com mulheres, a violência do ato, o constrangimento, seria presumido. Ou seja, não era necessário demonstrar a coação real – bastava revelar a existência do ato e a declaração da vitima, para caracterizar o crime.

O problema todo surge nos casos em que se verifica de forma patente o consentimento da mulher participante do ato sexual. São situações nas quais há duvida sobre a voluntariedade, onde a própria mulher revela sua vontade de realizar o ato. Ainda aqui a violência se presume? De outra forma haverá o elemento constrangimento que caracteriza o estupro?

Em suma, algumas questões podem ser trazidas ao caso com algumas preocupações, como as acusações falsas e a síndrome da mulher de Potifar ( Em resumo, a síndrome fala sobre a vítima rejeitada por seu companheiro ou suposto agressor, acusa o após o mesmo rejeitar manter relações sexuais), mas essa afirmação é relativa ou absoluta, iuris tantum ou iuris et de iure, admite prova em contrário ou não admite?

Não parece lógico presumir a violência onde ela evidentemente não existe. A história do jogador e da fã trata se de ato reprovável, mas não do crime de estupro, vez que houve concordância da suposta vitima.

Temos diversos julgados sobre o tema em nossas cortes superiores, e podemos afirmar que o estupro nos julgados se limitou ao fato de haver ou não violência. À questão de ser a presunção prevista no Código Penal relativa ou absoluta. E foi sobre isso – apenas isso – que a Terceira Seção do STJ tem decidido. E não o fez de forma inédita, vez que o STF também já admitiu (embora tal posição seja minoritária) a presunção relativa da violência em crimes de estupro (STF, HC 73.662, Rel. Min. Marco Aurelio, j.21.05.96).

A mídia, de modo geral, vem divulgando fatos , versões onde é notório que o jogador de futebol é acusado por crime de estupro praticado em outro país.

Independentemente de se adentrar no mérito da questão - sob investigação que tramita de forma sigilosa a fim de se preservar a identidade da vítima - juridicamente, alguns pontos merecem destaque.

Vejam que o local do suposto crime e as partes envolvidas devem ser consideradas , mas de forma específica devemos buscar a competência territorial para julgar eventual crime.

O artigo 88 do CPP traz uma hipótese . E não pode ser avaliado de forma isolada. A extraterritorialidade se classifica em três espécies: incondicionada, condicionada ou hipercondicionada.

A primeira está prevista no artigo 7º, parágrafo 1º, do Código Penal, alcançando os crimes descritos no artigo 7º, inciso I. Nesses casos, a lei brasileira, para ser aplicada, não depende do preenchimento de nenhum requisito.

A segunda se aplica aos crimes trazidos pelo inciso I. Nessas hipóteses para que a lei brasileira possa ser aplicada, precisa de modo cumulativo das seguintes condições: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

Dessa forma, para a extraterritorialidade hipercondicionada ocorre quando  o crime tiver sido cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil; além das condições comuns é preciso que não tenha sido pedida ou não tenha sido negada a extradição, ou ainda, que tenha havido requisição do ministro da Justiça.

Na verdade, o artigo 7º do Código Penal é que termina por estabelecer as condições mesmo diante do que estabelece o Código de Processo Penal.

No caso Neymar , ambas as partes são brasileiras, entretanto somente uma delas é residente no exterior e onde todo o iter criminis foi cometido. A competência, então, seria de qual país? Se no Brasil, justiça estadual ou federal?
Pois bem: aplica-se a extraterritorialidade prevista no artigo 7º, inciso II, alínea b, e parágrafo 2º, alínea a, do Código Penal, se o crime foi praticado por brasileiro no estrangeiro e, posteriormente, o agente ingressou em território nacional. Nos termos do artigo 88 do Código de Processo Penal, sendo a cidade de Santos (SP) o último domicílio do indiciado, na hipótese, é patente a competência do juízo da comarca de Santos. Afasta-se a competência da Justiça Federal, tendo em vista a inexistência de qualquer hipótese prevista no artigo 109 da Constituição Federal, principalmente, porque todo o iter criminis ocorreu em país estrangeiro.

Há outros fatores também a serem analisados.

E se estivermos diante de falsa comunicação de crime ou denunciação caluniosa? Nesse caso a competência é nitidamente do Brasil. Porém, há outras circunstâncias.

Neymar por meio de seus assessores, exibiu imagens íntimas da vítima para demonstrar que não houve crime e que os fatos contaram com o consentimento dela. Com essa exibição incorreriam no disposto no artigo 218, c, do Código Penal, onde não houve, para exibição dessas imagens, o consentimento da vítima. E também, a coautoria de quem entregou essas imagens e /ou as realizou.

Estaria então presente uma excludente de ilicitude? Um a vez que o acusado agiu por forte emoção e não teria uma conduta diversa?

Esse tipo, a melhor juízo, estaria afastado, diante não só da ausência de dolo, mas sim como exercício da ampla defesa, na sua raiz constitucional.

Pode se dizer que o sexo tenha se iniciado consensualmente? Ainda que tenha ocorrido de forma consentida, quem além dos envolvidos pode garantir que não houve abuso por parte do jogador, ou mesmo desrespeito à vontade de sua companheira em um eventual coito?

É notório que a moça “flertou” e desde o início buscou manter relações com o acusado, mas isso não lhe deixa disponível a todo o momento, nem tão pouco que estaria sujeita a aceitar toda e qualquer forma de relação sexual.

Tem se de forma clara o conhecimento da vitima das conversas por aplicativo, a mesma enviou fotos intimas,  o que inclusive manteve conversas com o acusado após a data referida do suposto estupro.

As conversas trazem um diálogo esdrúxulo, não demonstrando nenhuma forma de carinho, respeito, ou relacionamento prévio, e supostamente  o acusado encontrava se com alto teor alcoólico, onde o mesmo bancou a viagem da vítima com o intuito da realização de sua lascívia.

O que se deve pensar é que o estupro se consuma com a violência e não com o sexo, mesmo de forma antecipada, o sexo ocorreu, mas a violência está presumida.

Se estivéssemos diante de um crime de calúnia (onde a conduta maior, a do crime contra a administração da justiça se sobrepõe e a absorve) não caberia a retorsão (que não exclui a tipicidade) mas somente a exceção da verdade; e um crime não pode ser justificativa para outro.

Neste raciocínio, resta uma observação fundamental: a presunção de inocência ou da culpabilidade mitigada e a preservação da intimidade não se aplica somente a uma das partes envolvidas por sua qualidade ou condições pessoais ou de gênero, e que ampla defesa não é sinônimo de defesa ilimitada.

Desta forma, preservando-se a intimidade e o que ainda resta de sigilo, tanto as investigações brasileiras como francesas é que poderão dizer o que de fato houve, lembrando ainda que, nessa hipótese de competência concorrente, se exige também a tipicidade recíproca.

No momento cautela é a palavra de ordem, em respeito à ampla defesa e ao contraditório, vez que toda história tem dois lados.


José Antônio Cantuaria
Advogado, professor, presidente da Anacrim-PI e Especialista em ciências criminais

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