6 meses e vingando

No último dia 27 de setembro, o Theatro 4 de Setembro completou 6 meses sob a direção de João Vasconcelos. O espaço de tempo emblemático é utilizado para fazer uma avaliação mais aprofundada de gestão, principalmente de cargos e mandatos outorgados politicamente.

Três dias antes, no dia 24 de setembro, estive com o ator e produtor para fazer uma longa entrevista, que foi gravada em áudio, avaliando os primeiros 180 dias no comando administrativo e artístico do palco preferido das produções das artes cênicas e música dos artistas piauienses e nacionais.

Em março deste ano, o atual diretor assumiu suas funções com um lançamento na medida de um artista, através do Ato 27. Matéria sobre a estreia do novo comando foi escrita e publicada aqui. O que causou grande interesse de leitores e, especialmente, da classe artística.

À circulação de produtos culturais e artísticos, o Theatro é a menina dos olhos e a ambição primeira de quem se esmera e se dedica em mostrar sua atividade à plateia consumidora. Alvo da disputa de muitos que desejam administrá-lo, o centenário teatro, centro catalisador de ideias e inovações dos fazedores de arte, também é o ponto de convergência de muitos interesses.

A seguir, o leitor vai se deparar com a avaliação técnica e, ao mesmo tempo, empolgada de Vasconcelos sobre sua gestão e da Secult. Tivemos uma franca conversa de mais de uma hora, que poderia resumir em duas palavras: motivação e alegria. Os termos se encaixam para descrever o gestor, depois de passar alguns percalços no início.

João Vasconcelos, diretor do Theatro 4 de Setembro

Turbulência na decolagem da nova direção

O começo da gestão cultural do novo governo foi bem atabalhoada. O então presidente da Fundação Cultural, Francis Lopes, era um suplente de deputado com a promessa e as aspirações de se efetivar no parlamento estadual. Entre a cruz e a espada, não sabia se dedicava-se a uma coisa ou a outra.

Talvez por isso tenha delegado as questões administrativas à sua equipe, que não dominava muito bem a gestão cultural nem conhecia os artistas. Com uma visível boa vontade e esforço, tentaram fazer uma aproximação com a classe artística, mas a desconfiança falava mais alto, mesmo que na surdina dos que estavam “esperando pra ver”.

E não demorou muito. A pauta relativa à Cultura trafegou mais pela editoria de Política, e da pior forma possível. Diversas matérias, artigos e queixas nas redes sociais e nos veículos tradicionais de comunicação foram dando volume às denúncias de descaminhos dos recursos públicos. Enlinhando o enredo do cantar do cisne no ocaso da combalida Fundac, uma ave mais mítica materializou-se das cinzas para a aurora da Secult: a fênix.

Enquanto o deputado Fábio Novo não assumiu a Secult, o Estado e os artistas viveram momentos de incertezas que alimentaram a ansiedade. A direção do Theatro, da mesma forma, a passos trôpegos, cambaleava sem um norte alvissareiro, indiferente às boas intenções de Vasconcelos.

Apesar do apoio de grande parte dos grupos que compõem a diversidade do universo artístico mafrense, João dependia de sua própria articulação para conseguir por em prática em sua carta de compromissos, firmados no documento e evento Ato 27. Foi um início marcado pelas dificuldades, mas que não foram suficientes para abater o entusiasmo do gestor.

Projetos revitalizados

Cerca de 15 dias antes de assumir a Secult, o deputado nem sabia do nó que se anunciava para a gestão do velho Theatro. Insatisfeitos pelos direitos retirados há anos de seus contracheques, os técnicos que fazem a caixa cênica funcionar e viabilizam os espetáculos estavam em pé de guerra com a administração para reaver suas conquistas.

Nada melhor do que um governo dos trabalhadores para fazer a reconquista figurar novamente em seus proventos. E assim se deu a primeira significativa ação do novo secretário. Discretamente, levou o pleito dos técnicos ao governador Wellington Dias, que prontamente assegurou o retorno dos direitos desabonados e garantiu o pleno funcionamento da casa. Direitos estes que foram reconhecidos nos primeiros governos de WD.

Esta história percorreu apenas os corredores do órgão de gestão, sem maiores prejuízos à imagem do governo. Graças a articulação de bastidores de Vasconcelos, que conseguiu sensibilizar o deputado secretário para as causas dos operadores de luz, som, camarins, recepção e caixa cênica.

Com a chegada de Novo, o projeto Seis e Meia foi o primeiro a ser rearticulado. Há anos na grade de programação de Theatro 4 de Setembro, é um importantíssimo sinalizador do encontro entre os artistas locais e os nacionais que fazem música. Com plateia garantida, tem seus ingressos disputados pelos apreciadores da mais qualitativa produção musical.

Os amantes do vinil tiveram o projeto que também já teve outro nome revitalizado sob o novo comando da cultura. Às segundas-feiras, o Clube da Radiola marca o encontro de um bom público que se esbalda na audição dos velhos bolachões. O mercado fonográfico tem investido fortemente no retorno desta modalidade de registro musical.

O Boca da Noite, também na área musical, deu seu start na nova administração, embora o edital sendo lançado na gestão anterior. Os músicos e compositores locais tiveram o projeto que traz a produção local às quartas-feiras de volta ao palco do espaço Osório Júnior.

O Quinta Rock, que já teve outros nomes, também voltou à grade programativa do complexo cultural, oportunizando aos diversos grupos que produzem o ritmo em suas mais diversas subdivisões apresentar suas produções. Jovens e veteranos rockeiros têm animado a plateia uma vez por mês.

O Roda de Poesia e Tambores, criado pelo professor, doutor Élio Ferreira, também está de volta. Agora acrescentando ao nome, Tensão e Tesão. Sob a produção de João Henrique e Demétrio Galvão, funciona como um sarau com portas abertas à livre manifestação da plateia, que tem espaço garantido para fazer improvisos e recitações de poemas, sempre na última sexta-feira do mês. O projeto, assim como o Boca da Noite, vai circular por diversos espaços e cidades do interior do Estado.

Novos projetos lançados

Sob a direção de João Vasconcelos, um dos projetos criados e com maior visibilidade é o Terças da Casa. A cada mês, dança, teatro ou música são contemplados com espetáculos a preços populares. Com a isenção do pagamento da pauta e a bilheteria toda revertida para os artistas, é uma boa política pública para fomentar a produção de bens culturais 100% mafrenses.

Outro bom projeto é o Clube Instrumental, que acontece todas as terças-feiras no bar do Club dos Diários. Lançado em agosto e capitaneado pelos músicos, Alexandre Rabelo Júnior, Bruno Moreno e Lívio Nascimento, promove um grande encontro entre os talentosos instrumentistas piauienses. Além de um repertório de grandes músicas consagradas, a produção autoral local da boa música instrumental é apresentada semanalmente, com entrada franca.

O Café Genu Moraes renomeou o bar interno do Theatro e deu uma nova função. Lá são lançados livros ao som do piano. Um local agradável que foi muito bem reaproveitado e dando oportunidade para que a produção literária tenha mais uma boa opção para ser apresentada. Diversos autores já aproveitaram o espaço que homenageia a grande figura feminina do século XX para os teresinenses afim de lançar suas obras.

A Sala Rosalina foi mais uma boa ação do diretor da casa para viabilizar ensaios, especialmente dos fazedores de teatro. Após passar uma longa temporada funcionando apenas como depósito, está climatizada e facilitando a montagens de novos espetáculos teatrais.

O Theatro ganhou uma iluminação toda em led, que inaugurou no início do mês. Fazendo alusão ao combate ao câncer de mama, foi iluminado em rosa durante 3 dias. A cada mês, estará por alguns dias de um cor diferente. No Dia do Piauí, estará todo em verde para celebrar o Estado.

Outras pequenas ações, mas que fazem toda a diferença, foram implementadas. Agora o Theatro conta com segurança privada 24 horas por dia. A alimentação dos funcionários que estão de plantão e entram pela noite está garantida, além do transporte para os que saem mais tarde das apresentações noturnas. Há um sorriso de satisfação entre os servidores, o que garante um bom trabalho pelos motivados guerreiros da casa. Ganham os artistas e a plateia, que recebem um bom atendimento e serviços realizados com eficiência e boa vontade.

Reforma da galeria

Para João Vasconcelos, o grande presente no aniversário de 121 anos do Theatro 4 de Setembro foi a garantia da reforma da galeria de artes visuais do Club dos Diários. Depois da implantação de uma rede de para-raios no teto dos prédios do complexo cultural, algumas goteiras deixaram a chuva passar e apodreceu a madeira do forro, causando danos até o desabamento de parte dele.

A galeria teve que ser isolada, inviabilizando as exposições e vernissages já programadas. Sensibilizado pelo secretário, o governador determinou a reforma imediata e garantiu ainda que a Sala Torquato Neto, um teatro de bolso muito útil para pequenos espetáculos e solenidades, também entrasse na lista a ser revitalizada.

Com a revitalização, a sala Torquato Neto, que vai passar ao status de teatro, volta a exibir filmes. Quando ficar pronta, terá sessão sempre ao meio-dia. Com o curioso nome de “Não pode cochilar”, o cineminha vai oferecer aos comerciários do Centro da capital uma oportunidade de se atualizarem na sétima arte, ou quem sabe bater uma pestana revigorante no horário do almoço.

Cláudia Ohana, entre as grandes estrelas que brilharam em 2015

O governador Wellington Dias garantiu recursos públicos da ordem de R$ 600 mil para as obras, que já foram ampliadas em mais R$ 100 mil. É um investimento necessário e que há de trazer um bom retorno, inclusive político. Seria de bom alvitre também que houvesse a implantação de uma mentalidade que cuidasse da manutenção permanente da casa, evitando maiores danos e economizando em despesas de maior monta.

O diretor revelou ainda que a reforma vai se estender para parte administrativa da casa, que além de reformada deve receber novos equipamentos para o melhor funcionamento. Uma grata notícia que damos em primeira mão, para a felicidade dos que necessitam do equipamento público para apresentar suas produções.

Uma boa notícia aos técnicos. Eles vão receber uma sala toda equipada que vai servir de base para suas ações e encontros. O espaço que estava obsoleto, sobre o Café Genu Moraes, deve ser inaugurado no Dia Nacional da Cultura, 5 de Novembro. Data que também serão reveladas novidades, promete o diretor Vasconcelos.

Pendências encaminhadas

Algumas ações que foram apresentadas no dia 27 de março ainda estão pendentes, mas, devidamente encaminhadas para se tornar realidade. Uma delas é o retorno da Oficina Procópio Ferreira. Prevista para reiniciar em agosto, foi adiada para 2016.

Com uma nova cara, a oficina que já trouxe muitos talentos à encenação, deve ser reformulada. Diretores residentes vão promover a preparação de novos atores e atrizes através de cursos com duração mínima de três meses. Aulas de interpretação, consciência corporal e vocal, direção, figurino e caracterização vão acontecer a partir do ano que vem, segundo informa Vasconcelos.

Em parceria com a Escola Técnica de Teatro Gomes Campos, os técnicos do Theatro 4 de Setembro devem receber requalificação. A escola vai oferecer formação em sonoplastia, técnico de iluminação, contrarregra e funções afins para exercer atividades na caixa cênica. Há tempos o Piauí precisava desta iniciativa. A maioria dos técnicos do 4 de Setembro estão se aposentando e várias lacunas ficam abertas, sem pessoas qualificadas para ocupá-las.

O convênio com a Escola de Teatro vem em boa hora. Especialmente porque a Secult passa a administrar o centro de ensino para as artes cênicas, saindo do poder da Secretaria da Educação. A ampliação da grade para formar novos profissionais aponta um novo caminho para o contexto artístico. É a renovação garantida com algum rigor de qualidade.

O deputado Fábio Novo, aproveitando a qualificação técnica que será oferecida pela Escola de Teatro, poderia propor concurso público para ocupação das vagas que hão de surgir e escrever seu nome na história. Pela primeira vez, o Theatro teria servidores realmente aptos e por direito atuando na casa.

6 meses e vingando

É bem evidente o diferencial da administração de João Vasconcelos à frente do Theatro 4 de Setembro. Embora enfrentando grandes percalços no início de sua gestão, conseguiu superar todas as dificuldades e ganhou créditos perante a classe artística, produtores e técnicos. Quem mais ganha é a plateia.

Neste recente semestre, artistas do quilate de Elba Ramalho, Sílvia Pfeifer, Cláudia Ohana, Leila Pinheiro subiram ao sacro palco. Além de festival de dança, Festluso, e a diversidade de espetáculos de música em seus mais variados ritmos e público. Afora estreias importantes de novos espetáculos de dança e teatro.

E vem aí Ângela Rorô no projeto Seis e Meia, em 22 de outubro. Em novembro tem Mart’nália. A apresentação de Cauby Peixoto no mesmo projeto, prevista para dezembro, foi cancelada. Para substituir a atração a altura, a produção do projeto tem negociado com a Sapoti, Ângela Maria, outro grande ícone dos áureos tempos dos poderosos da voz.

Ângela Rorô, a próxima atração do Seis e Meia

As pautas do Theatro estão completamente ocupadas até o fim do ano. Até mesmo nas segundas-feiras, que funcionavam como descanso para a equipe técnica, também foram pautadas com espetáculos diversos. Os técnicos estão adorando, pois ganham um extra, que vem em boa hora nestes tempos de crise. “O Natal vai ser gordo!”, disse um deles prevendo um fim de ano farto.

Devido a grande procura por pautas, a Secult e a direção do Theatro decidiram abrir editais de ocupação semestralmente. Afim de garantir maiores oportunidades e uma distribuição democrática de datas. É um tempo de grande busca para estar no equipamento público mais emblemático do Piauí. O Theatro 4 de Setembro volta a ser a grande vedete e fruto da ambição de artistas e produtores.

Usando uma expressão típica de Vasconcelos, quando quer dizer que alguma produção ou artista tem futuro, emprega o verbo que indica que vale a pena investir, que a montagem ou o esteta vão ser bem-sucedidos. Podemos retrucar na mesma moeda. Há seis meses sob sua administração, o Theatro 4 de Setembro está vingando.

Expectativa para 2016

Vasconcelos está bem entusiasmado para o novo ano que se aproxima. Segundo ele, em 2015, a Secult sem um orçamento específico, conseguiu ter um grande desempenho, enfrentando todos os obstáculos. Calcule como deve ser a performance em 2016, com uma dotação orçamentária garantida, além de emendas parlamentares em nível estadual e federal. Afora projetos específicos que estão encaminhados ao Ministério da Cultura.

É diante deste horizonte que João traça seus planos. Revelou que em março deve realizar novamente o Ato 27, como uma maratona cultural. Uma intensa e extensa programação será realizada com a participação de todas as vertentes artísticas.

Uma grande vitrine para artistas apresentarem suas produções numa agenda que vai contemplar todos os espaços do complexo cultural desde os primeiros raios de sol até entrar pela madrugada. Cauteloso, não quis nomear Virada Cultural, como já acontece em várias capitais do país, tendo como exemplo os paulistanos que iniciaram o projeto que abraça toda a cidade oferecendo espetáculos gratuitamente.

Vasconcelos, entusiasta inveterado, afirma que a Cultura vive um novo tempo. Pupilo do deputado Fábio Novo, escolhido pessoalmente por ele à direção da casa, está em uma posição confortável, com o grande aprovo da maioria dos artistas, recebendo total apoio da imprensa e bem conceituado nos bastidores do poder governamental.

Entretanto, ele não é do tipo que se esparrama na zona do conforto e nem se entrega à indolência. O que podemos aguardar do diretor do Theatro 4 de Setembro é muito trabalho e uma grande capacidade de dialogar. Antecipando-se aos obstáculos, vai com seu traquejo encontrando soluções inovadoras para o brilho das produções, a satisfação de técnicos e artistas, e principalmente, o aplauso caloroso da plateia.

João Vasconcelos e Fábio Novo, uma dupla afinada em prol da Cultura

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