Moradores dos municípios de Dirceu Arcoverde, Dom Inocêncio, Lagoa do Barro do Piauí e outras cidades do entorno estão indignados com o andamento de uma obra executada na região pela empreiteira Andrade Gutierrez em plena pandemia do novo coronavírus. A empresa mantém centenas de trabalhadores, muitos de outros estados do país, na construção de uma linha de transmissão da Equatorial Energia que passa pelos municípios.

Em abril, o Grupo Equatorial Energia foi à Justiça para retomar as frentes de serviço que haviam sido paralisadas por conta da pandemia. Uma decisão liminar do juiz Robledo Moraes Peres, plantonista da Vara do Núcleo do Plantão de São Raimundo Nonato, autorizou a retomada dos serviços. Além disso, o magistrado proibiu os três municípios de baixar decretos ou expedir qualquer ato que determinasse a suspensão das obras da Linha de Transmissão.

Na ocasião, a Prefeitura de Dom Inocêncio informou ao Política Dinâmica que iria recorrer da decisão, mas não recorreu. O município de Lagoa do Barro do Piauí também não apresentou recurso para tentar derrubar a liminar. O único que se manifestou contra a decisão foi o município de Dirceu Arcoverde. Segundo a assessoria jurídica da prefeitura, a gestão entrou com embargo de declaração contra a medida do juiz que proibiu o município de editar decretos e normas que afetassem a obra. O embargo aguarda julgamento.

Justamente após a decisão do juiz Robledo Moraes, trabalhadores de várias regiões começaram a chegar aos municípios e circular de um canteiro para o outro. Os casos de Covid-19 logo surgiram e dispararam em poucos dias. Quase todos são de pessoas que trabalham na obra ou tiveram algum tipo de contato com alguém que trabalha no empreendimento.

Antes da liminar, não havia nenhum caso de Covid-19 nas cidades de Dirceu Arcoverde, Dom Inocêncio e Lagoa do Barro do Piauí. Somente após a ordem judicial que permitiu o fluxo de trabalhadores na região os casos começaram a surgir e se multiplicar. Até esta quarta-feira (27), Dirceu Arcoverde confirmou 22 casos, sendo 11 deles apenas no último boletim divulgado. Em Dom Inocêncio já são quatro casos confirmados e em Lagoa do Barro do Piauí são sete casos.

Para o advogado Ednaldo Damasceno, a decisão do juiz que autorizou a retomada da obra foi equivocada. Segundo ele, o magistrado acolheu argumento da Equatorial de que o serviço de energia é essencial. No entanto, Ednaldo avalia que a obra da linha de transmissão não deveria se enquadrar como essencial, pois se trata de uma estrutura que ainda vai ser concluída e, caso fosse paralisada, não iria afetar em nada a estrutura de fornecimento de energia já existente.

"Na minha interpretação, essa obra executada pela empresa Andrade Gutierrez não se trata de serviço essencial. Ela poderia ser suspensa e não iria impedir o fornecimento de energia com a estrutura que já existe no momento. Essa obra será para o melhoramento futuro no fornecimento de energia. O decreto do Governo Estadual é bem claro. Está autorizado o serviço de energia, mas são serviços de manutenção do sistema que já está em funcionamento. Eu acho que foi equivocada a decisão, pois na verdade não é um serviço essencial. Essa obra vem causando sérios problemas à saúde pública local e essa decisão precisa ser revista", falou.

SEM ESTRUTURA DE SAÚDE

O fato das cidades da região serem pequenas e com pouca estrutura de saúde aumenta ainda mais a preocupação com o avanço desenfreado dos casos do novo coronavírus.

De acordo com o vereador Ângelo Oliveira (MDB), de Dom Inocêncio, a situação é muito preocupante porque o município não tem estrutura de saúde para internar pacientes com Covid-19. Ele conta que os trabalhadores da obra trouxeram o vírus de fora após a decisão do juiz e colocam em risco toda a população da cidade. Ângelo alerta que os interesses econômicos em torno da obra não podem se sobrepor à vida da população local.

“A saúde de Dom Inocêncio não tem capacidade para esse povo. Não temos nem para os daqui, quanto mais para essas pessoas de fora. São pessoas de vários estados que ficam transitando de um canteiro da obra para outro. Estão trazendo a doença para dentro de Dom Inocêncio. Temos nossos familiares aqui, somos os mais prejudicados. A situação é tão grave que até filhos da terra que trabalhavam na obra estão saindo com medo de se contaminarem. Essa decisão judicial precisa ser revista”, desabafou o vereador.

Na cidade de Dirceu Arcoverde, a situação é uma das mais graves, pois os casos crescem assustadoramente. O município fica localizado na divisa com a Bahia e abriga um dos canteiros. Por lá, foram 11 casos confirmados apenas de segunda-feira (25) para terça-feira (26). O Política Dinâmica tentou contato durante toda a manhã desta quarta-feira (27) com a secretária de saúde e com o prefeito Carlão do Feijão, mas eles não atenderam aos telefones. 

O Política Dinâmica também tentou contato com a assessoria jurídica da Prefeitura de Dom Inocêncio para saber porque não houve recurso contestando a liminar, mas não obteve sucesso.

MUITOS INFECTADOS NA REGIÃO

Na madrugada desta quarta-feira (27), a Polícia Militar e equipes da Saúde interceptaram em São Raimundo Nonato veículos que levavam pessoas infectadas, supostamente funcionários da obra, para ficarem de quarentena em hotéis da cidade. Após denúncia de que os pacientes estavam sendo colocados nos hotéis, a Polícia Militar montou uma barreira para impedir a chegada dos carros na cidade de São Raimundo Nonato.

“Seria um caos. Pessoas utilizando de horários estratégicos para adentrarem em nosso município podendo causar um verdadeiro caos de disseminação do vírus. Prontamente agimos para evitar maiores danos a população”, disse Ivanaldo Santos, capitão da PM.

O QUE DIZ A RESPONSÁVEL PELA OBRA

Em nota enviada ao Política Dinâmica, o Grupo Equatorial Energia garante que a empreiteira Andrade Gutierrez elaborou um plano de contingência que segue todos os padrões de limpeza, higiene e prevenção, evitando a disseminação do coronavírus e garantindo a segurança de todos que trabalham na obra e também da população de entorno.

No entanto, quem mora na região não se sente nem um pouco seguro.

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