POSTURA QUESTIONÁVEL

Um enorme desconforto tem tomado conta de advogados no Piauí. Mais uma vez integrantes da direção da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Piauí (OAB-PI) interferem em investigação de um crime. Estamos falando do caso de João Paulo Santos Mourão, acusado de matar a própria irmã, a advogada Izadora Mourão.

De acordo com relatos que chegaram ao Política Dinâmica, é no mínimo "estranho" que dois membros da Ordem tenham figurado como advogados do acusado, mesmo que apenas por algumas horas no sistema da Justiça do Piauí.

Élida: suspeita de ter mentido em depoimento em caso de assédio sexual em Parnaíba, ela foi confundida com defesa de acusado em Pedro II (foto: Instagram)

Ao mesmo tempo, se espalharam manifestações destes mesmos membros em grupos de Whatsapp, com declarações pelas quais se observa que a linha da ética pode ter sido cruzada por eles enquanto representantes da advocacia.

Os nomes de Élida Franklin e de Marcus Nogueira figuram como sendo advogados de defesa de João Paulo Mourão em três momentos. No instante em que foi conduzido para interrogatório, João Paulo informou que não possuía advogados, mas Élida e Marcus assinam o Termo de Qualificação e Interrogatório, assinado também pelo delegado Danúbio Dias da Silva.

Em um ofício assinado pela defensora pública Christiana Gomes Martins de Sousa em que ela diz que a Defensoria Pública não atuará no caso, ela justifica que João Paulo já é cliente de Élida e Marcus.

Também no registro da decisão que determinou a prisão em flagrante, assinada pelo juiz Rogério de Oliveira Nunes, que consta no sistema de Processo Judicial Eletrônico do Tribunal de Justiça, lá estão Élida e Marcus como advogados de defesa.

Estranho? Muito. Mas segundo o atual advogado de João Paulo, o criminalista Nestor Ximenes, foi uma "confusão" do escrivão e um "equívoco" da defensora pública. Ximenes alega, inclusive, que "estou acompanhando [João Paulo] desde o momento de sua prisão".

O Política Dinâmica conversou com o advogado Marcus Nogueira, que é presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB-PI. Ele disse que "a OAB está acompanhando este caso através da minha pessoa". Ele não tinha visto os documentos em que seu nome constava como advogado de defesa do acusado até o nosso contato e disse que "se enganaram". Por meio de sua assessoria de imprensa, Élida Franklin, que é ouvidora da OAB, disse que "em nenhum momento foi ou será advogada do acusado", e afirmou que a Defensoria fez um "documento incorreto".

DESCONFORTO

O desconforto de advogados é que o comportamento daqueles que representam OAB-PI no caso pode ter cruzado a linha da ética. "A OAB teve informações privilegiadas, se aliou diretamente ao delegado de polícia, teve ao seu dispor uma equipe específica da Secretaria de Segurança para o caso e, seus membros aparecem como advogados do acusado? O mínimo que podemos fazer é estranhar", ponderou uma fonte.

Diálogos de dirigentes da OAB-PI num grupo que reúne os conselheiros seccionais são de fato questionáveis. Numa das conversas, segundo o advogado Marcus Nogueira, "a intervenção inicial e rápida da OAB foi fundamental para a solução desse caso" e que se não fosse por eles, "ia ser mais um caso sem solução".

Nogueira admitiu aos conselheiros seccionais da OAB-PI que não estaria conseguindo separar a postura institucional e seus sentimentos pessoais durante o exercício da representação da advocacia (foto: Facebook)

No domingo, um advogado alertava o grupo para o fato de que o "inquérito policial é inquisitivo e não tem contraditório", ou seja, que era preciso ter cautela na hora de julgar o acusado antes do juiz. Mais um advogado aponta para a cautela: "pois é, como eu falei, não é momento da Ordem se manifestar sobre isso".

Então Marcus Nogueira diz: "Deixamos nesse momento o lado profissional um pouco de lado" e continua, "e olha que você sabe que sou extremamente legalista, mas nesse caso, é demais", alega.  

Já a fonte do Política Dinâmica ressalta que "um representante da OAB deveria entender isso e se não consegue separar o pessoal do institucional, não deveria representar a classe", frisa uma das fontes do PD.

INFORMAÇÕES ANTECIPADAS E JULGAMENTO

Outra fonte disse que a OAB foi a Pedro II brincar de "CSI" (sigla inglês que significa Crime Scene Investigation e lê-se "Siessai"), em referência a uma famosa série americana de investigação criminal. No grupo de conselheiros, o tesoureiro da OAB-PI, Einstein Sepúlveda, relatou como desconfiou da mãe da vítima (suposta cúmplice de João Paulo) ao lhe fazer três perguntas sobre os momentos que antecederam e sucederam o crime. "Ficou claro para nós que algo estava errado e que o suspeito poderia estar próximo", disse categórico.

Tesoureiro da OAB, Einstein revelou que "interrogou" mãe de vítima; estava fazendo o papel de policial? (foto: Facebook)

Por sua vez, a advogada Élida também ressalta que "Desde o primeiro momento em que chegamos lá, percebemos que estava tudo errado na versão apresentada pela família". Em seguida relatou sobre João Paulo ter entrado em contato com ela. "Esse sujeito ainda me ligou ontem à noite, pedindo auxílio da Ordem, para se livrar da suspeita. Tive vertigem, tamanha a frieza desse indivíduo. Nós sabendo de tudo, que ele era o principal suspeito e que esse crime estava dentro da própria família, mas tendo que nos controlar para não prejudicar as investigações". Essa fala aconteceu na segunda-feira (15) e mostra que a OAB-PI já sabia pelo menos um dia antes do acusado ser preso que ele era o suspeito de ter cometido o crime. 

A fonte do Política Dinâmica indaga "se a Defensoria Pública, um escrivão, e o gabinete do juiz entenderam que Élida e Marcus eram advogados de defesa de João Paulo, será que o próprio acusado, em algum momento, não foi levado a acreditar que ali havia algum apoio jurídico de verdade? E aí, não seria uma questão de passar dos limites da ética profissional e institucional?", questiona.

Nestor Ximenes, o advogado da vítima, afirmou ao Política Dinâmica que seu cliente não confundiu o comportamento de Élida ou Marcus.  

Durante a apuração desta reportagem, a defensora Christiana Gomes retificou o nome dos advogados de defesa em documento emitido no início da noite desta quarta-feira (17). Marcus Nogueira informou ao Política Dinâmica que entrou também com o Tribunal d Justiça para que fosse alterada a capa do processo em que seu nome e o de Élida constam como advogados de defesa. 

POSTURA

Há duas semanas o Política Dinâmica relatou uma denúncia de advogada e uma estagiária que sofreram assédio sexual por um membro da própria OAB em Parnaíba.

É curiosa a atuação da OAB-PI nos dois processos. No inquérito de assédio, seus representantes são suspeitos de falso testemunho, falsidade ideológica e desobediência para abafar o caso. No inquérito de assassinato, seus membros são confundidos com "advogados de defesa" e sabem de informações de maneira antecipada.

Misturar o pessoal e o institucional sem atentar para as consequências disso tem sido uma postura questionável e recorrente na OAB-PI.

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