Lava Jato trouxe 'encantamento' com delações, dizem criminalistas

Reportagem do Portal JOTA mostra que a Lava Jato trouxe um 'encantamento' com as delações. O texto mostra que enquanto o criminalista Fábio Tofic Simantob defende que há um “encantamento” com as delações premiadas na operação Lava Jato, o procurador da República Rodrigo de Grandis acredita que a colaboração premiada é uma importante ferramenta para a obtenção de provas em crimes econômicos complexos.

Os diferentes pontos de vista foram levantados em debate nesta segunda-feira (15/4) sobre a série de reportagens “Delação em Foco”, que discute em números e analisa como a colaboração premiada é aplicada no Brasil.

Em uma das matérias da série, o JOTA revelou que dos 163 condenados da Lava Jato, 40% são delatores.

O dado, inédito, foi calculado por meio de um cruzamento de informações da Justiça Federal do Paraná (JFPR) com os condenados e uma lista elaborada pelo Ministério Público Federal (MPF) com os 170 delatores cujos acordos são públicos.

Para Tofic, o número apresentado pela reportagem representa que “em um universo de 100% de culpados, o estado brasileiro abriu mão de punir quase metade deles”.

O criminalista diz que é possível identificar momentos distintos do uso da delação premiada desde o começo da Lava Jato. Na sua avaliação, o primeiro momento foi “tímido”, quando foram feitas as primeiras delações da operação com Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, e com o doleiro Alberto Youssef. “Acabam entregando [nas delações] coisas que, de certa forma, o MP e a polícia já tinham. Só precisam da confirmação dos delatores”, diz.

A partir de 2015 e 2016, segundo criminalista, houve a fase de “encantamento” com a delação premiada. Esse segundo momento revelou uma expectativa da sociedade para que a cada semana acontecesse alguma revelação ou delação nova, avalia Tofic.

“A impressão que se tem é que a partir desse momento começou a se produzir uma delação em estado industrial”, afirma o advogado. Para Tofic, essa fase teve a consequência de ter criado uma propaganda exagerada das delações e acordos de colaboração “espetaculares”, principalmente com a utilização de ferramentas como as gravações telefônicas – e escutas ambientais.

“Era mais importante gravar alguém poderoso do que ter um caminhão de documentos. Isso porque era preciso vender, de forma publicitária, essa delação. O efeito simbólico parece mais importante do que o efeito jurídico e o real combate à corrupção”, afirma o advogado.

MPF
O procurador da República Rodrigo de Grandis tem uma visão diferente para o instrumento jurídico. Para ele, não há como afirmar se há excesso no uso das delações premiadas, pois não existem dados anteriores de operações semelhantes à Lava Jato. Ele acrescenta que a colaboração premiada é um importante instrumento de obtenção de provas em crimes que não podem ser descobertos pelos meios tradicionais de investigação.

“Ela [a delação] não é o único meio de provas. É o começo de um grande trabalho de investigação desenvolvido pelo Ministério Público e polícia. A colaboração faz parte de um grande contexto probatório que deve ser somado com outras formas de provas de um fato criminoso”, afirma Grandis.

O procurador da República também afirma que as câmaras de coordenação e revisão do Ministério Público Federal (MPF) elaboraram uma orientação conjunta que serve como um “guia” para que procuradores façam acordos de colaboração de maneira adequada e segura. “Talvez essa escala industrial de várias delações premiadas tenha proporcionado como prova que esse instituto [a delação] veio para ficar”, diz.

Grandis explica que as delações geram a sensação de que o combate à corrupção está realmente funcionando, em vez de deixar a imagem de impunidade entre pessoas envolvidas em crimes complexos, como é o caso da Lava Jato.

“Quando os agentes envolvidos em um delito que ainda não foram descobertos percebem que outro agente fez uma delação premiada, há fatalmente a concepção de que a polícia vai bater na porta de alguém”, diz. Para ele, apesar das críticas feitas ao trabalho do MPF nas delações, o “conjunto da obra” da atuação no combate à corrupção é “extremamente positivo”.

APERFEIÇOAMENTO
Sobre os aperfeiçoamentos que a delação premiada no Brasil poderia sofrer, o criminalista Fábio Tofic diz que o modelo aplicado na França é o “mais próximo do ideal”. Lá, explica o advogado, há um limite de pena para que se possa fazer um acordo penal. “Na cabeça do legislador francês, para alguém ficar preso mais de um ano é necessário um julgamento”, diz.

Sobre a tentativa de trazer ideias do modelo penal dos Estados Unidos ao Brasil, como estabelece o projeto anticrime de autoria do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, Tofic afirma que as ideias norte americanas são “extremamente liberais”.

“As partes negociam o que querem. Isso gerou um encarceramento em massa. São mais de dois milhões de presos, dos quais 95% nunca foram levados a um julgamento”, afirma.

Segundo o procurador Rodrigo de Grandis, o Brasil deve estabelecer um sistema próprio de acordo penal, com características específicas de acordo com o texto constitucional. Uma de suas recomendações é que o Ministério Público de cada estado, seja o órgão estadual ou federal, estabeleça políticas criminais próprias de atuação. “Os problemas criminais de São Paulo são diferentes dos que encontramos no Rio de Janeiro ou no Piauí”, afirma.

Uma crítica comum ao tema é de que a Lei das Organizações Criminosas (12.850/13) não trata com detalhes da regulamentação das delações premiada. Os debatedores, porém, temem que uma legislação sobre o instrumento hoje possa piorar em vez de melhorar o sistema de acordos.

Para de Grandis, modificações são, sim, necessárias para que as colaborações premiadas ganhem ainda mais transparência – além de evitar que o Ministério Público seja enganado em falsos depoimentos de agentes. Uma maior facilidade de revogação de acordos celebrados seria uma das alterações necessárias, avalia.

“Se seria adequado uma outra lei de colaboração? Sim, talvez incorporando alguns preceitos e realidades já consolidadas pela jurisprudência e pela prática, o que me parece não existir hoje ainda”, diz procurador.

Apesar disso, ele diz que uma nova lei aplicada aos casos com delação deve ser estudada e feita com cuidado. “Tenho medo, neste momento, que uma lei com o objetivo de tornar o instituto da delação melhorado, na verdade, piore”, afirma.

Tofic concorda com a visão do procurador. Para o criminalista, é necessário permitir que a jurisprudência construa, com base nas experiências concretas, uma melhor forma de aplicação das delações.

“A jurisprudência criou questões nos últimos anos que não estão na lei. Se queremos entender de delação premiada, temos que ir ao arcabouço jurisprudencial. Questões como se terceiros delatados não têm interesse jurídico em impedir a rescisão do acordo do delator foram construídas pela jurisprudência”, diz.

Para o advogado, o que falta hoje falta é a regulamentação do procedimento de delação premiada “do momento em que o sujeito bate nas portas do MP até quando a delação chega no juiz para ser homologada”. Segundo Tofic, “existe um vazio legal completo” sobre essa questão. Em sua avaliação, é necessário ter o registro completo de todas as conversas feitas em um acordo. “É preciso saber o que foi negociado”, afirma.


FONTE: Com informações do JOTA

Comente aqui