Advogado fala sobre papel do advogado criminal e advocacia 4.0

Em meio às tecnologias e à necessidade cada vez maior dos profissionais, de todas as áreas, se inserirem neste meio, como deve ser a atuação dos advogados criminalistas? Como entender tudo isso e usar as tecnologias para potencializar sua atividade profissional? Qual o futuro da advocacia?

O advogado Raimundo Albuquerque, em artigo, faz uma análise sobre essa temática tão importante neste momento. Veja abaixo.

POR RAIMUNDO ALBUQUERQUE


Muito se tem falado em Tecnologia 4.0 e a necessidade de os operadores do direito imergirem nessa Revolução Eletrônica Digital que implica na automatização das atividades que norteiam suas profissões.

A Advocacia 4.0 ou Advocacia do Futuro, compõe o arcabouço de mudanças que reveste essa Revolução Tecnológica, um mundo apressado em processamento e armazenamento de dados provido de uma intensa comunicação virtual que conecta o mundo.

O excesso de dispositivos eletrônicos como o notebook, tablet, smartphone e até o smartwatch, facilita cada vez mais as atividades diárias de quem vivencia a praticidade da era digital, afinal, a troca de dados é constante, e vai desde uma simples instalação de um aplicativo até uma transação bancária.

Os novos modelos de negócios sejam eles públicos ou privados, têm, em larga escala, explorado essa projeção abstrata de dados vinculada à sites, aplicativos, e principalmente às mídias sociais, mesmo sem autorização ou ciência de seu proprietário, ou seja, uma invasão digital de privacidade.

Toda essa engrenagem tem como estratégia a potencialização de um marketing digital a partir da percepção do perfil de cada pessoa que registra seus dados na rede, ocorre como um efeito boomerang virtual, os dados armazenados são analisados e retornam para o emissor como gatilho mental, técnica de convencimento explicada pela neurociência (neuromarketing), impulsionando comportamentos, escolhas ou ainda a mudança disso.  

A exemplo, Google e Facebook, potenciais desenvolvedores e facilitadores digitais que conectam o mundo a partir de armazenamento e processamento de dados, uma velocidade matemática inimaginável, algoritmos que podem, com precisão, influenciar milhares de pessoas, como ocorreu na Eleição dos EUA de 2016.
Os resultados dessa campanha acabaram atrapalhando a política dos EUA e do Reino Unido e levaram a alegações de cumplicidade de empresas de mídia social como o Facebook. [...]

O escândalo chegou a um ponto em que até Mark Zuckerberg , fundador do Facebook, teve que testemunhar oficialmente diante de um comitê especial dos Estados Unidos. (Wikipédia, a enciclopédia livre. The Great Hack.  Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/The_Great_Hack. Acesso em: maio de 2020.)
 
O Projeto Alamo, através da empresa Cambridge Analytica, refinou estratégias de campanha criando um banco de dados de eleitores a partir das informações pessoais dos usuários do Facebook, escândalo que se tornou manchete em 2018 e que foi retratado no documentário Privacidade Hackeada, exibido em 2019 pela Netflix.

Um novo banco de dados de informações do eleitor chamado "Projeto Alamo" estava no centro dos esforços da Giles-Parscale, permitindo publicidade altamente direcionada nas plataformas de mídia social. As campanhas publicitárias foram adicionadas ao banco de dados ao longo do tempo, gerando uma segmentação mais eficaz. A escala das campanhas de angariação de fundos e de publicidade política nas mídias sociais era enorme, com centenas de milhares de anúncios direcionados sendo entregues diariamente. O projeto Alamo foi creditado como um fator importante na vitória de Trump em 2016. (Wikipédia, a enciclopédia livre. Project Alamo.  Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Project_Alamo. Acesso em: maio de 2020.)
 
Em abril de 2018, Mark Zuckerberg, fundador e CEO do Facebook, se valeu, inicialmente de uma cegueira deliberada, ao afirmar que ao saber do suposto uso de informações de seus usuários para campanha eleitoral de Donald Trump, não investigou a veracidade das denúncias.

Na audiência no Senado, Zuckerberg, afirmou que os dados foram vendidos por Alexander Koga, desenvolvedor do “This is Your Digital Like”, à Cambridge Analytica.  (G1, Economia: Tecnologia, Disponível em: https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/zuckerberg-diz-que-tambem-teve-dados-pessoais-no-facebook-explorados-pela-cambridge-analytica.ghtml. Acesso em: maio de 2020).

"Quando a Cambridge Analytic, nos disseram que não estavam usando os dados e que os excluíram, nós consideramos um caso encerrado. Nós não deveríamos ter acreditado em sua palavra. Nós atualizamos nossas políticas para garantir que não cometeremos este erro novamente", esclarece Zuckerberg. (CANAL TECH, Os principais momentos do depoimento de Mark Zuckerber. Disponível em: https://canaltech.com.br/redes-sociais/cambridge-analytica-os-principais-momentos-do-depoimento-de-mark-zuckerberg-111626/. Acesso em: maio de 2020).

Embora tenha ocorrido em um processo eleitoral americano, importante é perceber e se ater à fragilidade dos dados que se deposita em rede, a falta de propriedade que se tem sobre eles requer um senso maior de urgência quanto à efetividade da Lei Geral de Proteção de Dados – Lei 13.709 de 14 de agosto de 2018.  

A referida Lei disciplina o tratamento de dados pessoais no intuito de resguardar a liberdade e a privacidade como direitos fundamentais de seus titulares, e isso implica em dizer que quem os controlar deverá zelar por sua segurança, sobretudo, no que diz respeito à privacidade.

em todo o mundo a privacidade é um valor que não foi abandonado na era da informação, tendo, ao contrário, sido fortalecido diante de inúmeras denúncias de utilizações invasivas e indevidas sem que o titular tivesse qualquer controle sobre o fluxo de suas informações, as quais passaram a ser usadas até mesmo com finalidades ideológicas e políticas, sendo muitas vezes os titulares submetidos a pesquisas de perfis comportamentais sem qualquer aviso prévio, os quais podem até mesmo terem sido utilizados com efetividade em processos eleitorais, como no Brexit, nas eleições americanas e também nas eleições brasileiras.

Maciel, Rafael. Manual prático sobre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais: Atualizado com a Medida Provisória nº 869/18. RM Digital Education. Edição do Kindle.

Diante disso, já se pode vislumbrar que a partir da entrada em vigor da LGPD, 3 de maio de 2021, toda e qualquer pessoa que armazena e processa dados de terceiros, ainda que devidamente autorizada, deverá se adequar à legislação ora tratada.
Nesse cenário, de grande evolução tecnológica, muito embora a LGPD só discipline penalidades administrativas, o Advogado Criminal, muito provavelmente, terá que se adequar à mais uma função, qual seja, a de DPO - Data Protection Officer, devido à forte incidência de crimes da seara penal em esferas do direito público e privado.

O DPO da LGPD é o encarregado de proteger os dados, a figura central que adotará efetivamente providências para seu cumprimento, sendo um interlocutor entre órgão fiscalizador e a pessoa que o contrata.

O encarregado deve possuir liberdade, não podendo ser penalizado por estar exercendo suas funções e, por isso, ainda que não seja vedado pela lei, é prudente não utilizar funcionário celetista, haja vista que esse, por não possuir estabilidade expressa na lei ao exercer tal mister, poderia sentir-se coagido em determinadas situações. Ainda, o encarregado deve agir sem conflito de interesse (...). Em termos de capacidade técnica e conhecimento sugere-se que o encarregado tenha conhecimentos jurídicos e do ambiente regulatório relacionado a dados pessoais e habilidades para realizar as atividades previstas.

Maciel, Rafael. Manual prático sobre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais: Atualizado com a Medida Provisória nº 869/18. RM Digital Education. Edição do Kindle.

Compulsando a novel Legislação, pode-se claramente enxergar o fortalecimento do Compliance Digital como ação preventiva no cometimento de crimes relacionados à fragilidade da privacidade de dados, compreendendo a inequívoca responsabilização de seu controlador por eventuais danos.
Posto isso, a teoria da cegueira deliberada, a qual tribunais fortemente rechaçam sua aplicabilidade, que consiste em alegar desconhecimento ou ignorar voluntariamente operações ou atividades nocivas, será consequentemente enfraquecida pela LGPD, incorporando, em regra, sua inaplicabilidade efetiva aos processos que envolverem dados.

A Teoria da Cegueira Deliberada ou Willful Blindness Doctrine, também conhecida como Evitação Consciente ou Conscious Avoidence, Ignorância Inventada ou Contrived Ignorance, Instruções de Avestruz ou Ostrich Instrctions, esta última em referência ao costume do avestruz esconder sua cabeça no chão, é uma teoria criada originalmente pela jurisprudência britânica, mas que ganhou grande relevância pela sua aplicação nos tribunais americanos. Sua origem remonta ao caso Regina v. Sleep de 1861, em que um tribunal inglês se recusou a condenar o réu acusado de se apropriar indevidamente de bens de propriedade da marinha, uma vez que não restou provado que o réu tinha conhecimento da propriedade dos bens ou que tivesse atuado deliberadamente para impedir o conhecimento da propriedade.

ASSUMPÇÃO, Pedro Antonio Adorno Bandeira. A teoria da cegueira deliberada e a equiparação ao dolo eventual. Disponível em:  https://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2017/pdf/PedroAntonioAssumpcao.pdf. Acesso em: maio de 2020.

 Há muito o que se discutir sobre Advocacia 4.0 bem como sobre a LGPD, mas imergir nessa era digital dada pela Revolução Tecnológica é indispensável, principalmente ao Advogado Criminal DPO, que figurará como primeiro garantidor da justiça, com condão precípuo de preservar o Estado Democrático de Direito, principalmente de crimes digitais.

Raimundo de Albuquerque
Advogado especialista na área criminal e militar; Membro efetivo da Academia Brasileira de Ciências Criminais (ABCCRIM); Membro da Associação Jurídica e Social do Piauí (AJUSPI); Coordenador Nacional de Comissões da Associação Nacional da Advocacia Criminal (ANACRIM); Presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da Associação Nacional da Advocacia Criminal em Pernambuco (ANACRIM/PE); Membro da Comissão de Direito Militar da Associação Nacional da Advocacia Criminal em Pernambuco (ANACRIM/PE); Mestrando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa (Portugal); Pós-Graduado em Ciências Penais; Professor de pós-graduações e graduações em Direito nas disciplinas de Introdução ao Estudo do Direito, Hermenêutica e Argumentação Jurídica, Direito Penal, Direito Processual Penal, Prática Penal e Criminologia; Professor de pós-graduação em Direito Processual Penal Militar; Autor de livros e artigos jurídicos; Palestrante e Conferencista. Sócio-fundador do escritório Albuquerque Advocacia e Consultoria. Colunista do site Sala de Aula Criminal. Colunista e professor do site Canal Ciências Criminais.

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