Advogada Edyane Macedo fala sobre dívida alimentar e prisão familiar

Com a pandemia provocada pelo novocoronavírus muitos temas jurídicos ganharam destaque. Um deles, é o relacionado à dívida alimentar e prisão familiar. Assim, a advogada Edyane Macedo, membro da Associação Jurídica e Social do Piauí (Ajuspi) escreveu artigo sobre a temática, bastante relevante para o Direito de Família.

DÍVIDA ALIMENTAR E PRISÃO DOMICILIAR
Por Edyane macedo*

É perceptível o esforço legislativo em conter os efeitos danosos que a pandemia causada pelo Coronavírus tem gerado, afetando de forma direta todos os campos do direito.

Não poderia ser diferente com o judiciário, em cumprimento ao sistema de check and balances, conferindo legalidade e análise de mérito tanto dos atos legislativos exarados como das inúmeras demandas decorrentes dos prejuízos causados pelo sobredito vírus.

Neste cenário, um ponto de enfrentamento bastante significativo tem surgido vindicando posicionamento do judiciário, qual seja, diante do iminente risco de contágio pelo Covid-19, bem como em razão dos esforços expendidos pelas autoridades públicas em reduzir o avanço da pandemia, como aplicar a prisão civil por dívida alimentar?

Bem, o fato é que ninguém estava preparado para enfrentar um cenário de pandemia como o que temos atualmente. Contudo, o judiciário existe precipuamente para abarcar as demandas sociais que lhe batem à porta quando os indivíduos e a sociedade de forma geral não for capaz de solucionar ou gerir seus conflitos por si mesmos.

Neste ínterim, a recomendação para o ponto debatido tem sido apresentada na forma da prisão domiciliar. Dito de outra forma, é recomendável o cumprimento da prisão civil por dívida alimentar em prisão domiciliar.

Para a perfeita compreensão do que aqui se está tentando dizer, alguns pontos merecem ser destrinchados de forma elucidativa.

Nosso sistema prisional é reconhecidamente uma ferida aberta abarcando todos os tipos imagináveis de mazelas da sociedade. Não à toa, no julgamento da ADPF nº 347/DF proposta em face da crise do sistema carcerário brasileiro, restou de forma expressiva a constatação do Estado de Coisas Inconstitucional, que se configura pela constante violação a direitos fundamentais, e inviabilização de sua concretude pelo Estado.

Não se pretende aqui descer a minúcias do referido julgamento, mas sobrelevamos sua importância tendo em vista que foi radicalmente quantioso e trouxe os holofotes, ainda que pouco, para o sistema carcerário brasileiro.

Sem dúvidas, diante da menor ameaça de contaminação por um vírus altamente contagioso como o que nos acomete a nível mundial, há que se tomar providências preventivas.

Para tanto, o CNJ expediu em 17 de março do corrente ano, a recomendação de nº 62 tratando de medidas preventivas à propagação da infecção pelo Covid-19, trazendo em seu bojo medidas de reavaliação de prisões provisórias, suspensão de apresentação periódica ao juízo, máxima excepcionalidade de novas ordens de prisão preventiva, entre outras.

Destaque-se o Artigo 6º da dita recomendação que nos diz que “Recomendar aos magistrados com competência cível que considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus”.

As decisões não poderiam seguir caminho diverso, ainda que estejamos em situação desastrosa causada pelo Coronavírus, situações que abrangem questões vitais como o “dever de alimentar” não devem ser caladas ou quedar-se sem tutela jurisdicional, o que tem se revelado em decisões como a recentíssima exarada pelo Superior Tribunal de Justiça no HC 561.257-SP de relatoria do Min. Raul Araújo, Quarta Turma, do qual extraiu-se o seguinte trecho: O contexto atual de gravíssima pandemia devido ao chamado coronavírus desaconselha a manutenção do devedor em ambiente fechado, insalubre e potencialmente perigoso, devendo ser observada a decisão proferida pelo ilustre Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, publicada em 30/03/2020, nos autos do Habeas Corpus nº 568.021/CE, no qual se estendeu a todos os presos por dívidas alimentícias no país a liminar deferida no mencionado writ, no sentido de garantir prisão domiciliar, em razão da pandemia de Covid-19.

Para coroar o escorço histórico apresentado, em 10 de junho do corrente ano foi publicada a “Lei da pandemia” que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19).

Seu artigo 15 nos diz que até 30 de outubro de 2020 a prisão decretada pela dívida de alimentos deverá ser cumprida exclusivamente na modalidade domiciliar.

Não houve nenhuma novidade justamente em função das decisões que já vinham sendo adotadas, o detalhe se revela no “termo final”, qual seja, 30 de outubro de 2020.

Referida lei tem causado revolta em alguns que, por muitas vezes sabem da possibilidade positiva de pagar do devedor e a necessidade do alimentando e consideram amena a modalidade domiciliar para esta situação. Ainda há quem diga que deveriam ser suspensas as decretações de prisão, a fim de serem executadas ao fim das medidas de isolamento e distanciamento social.

Neste panorama é imprescindível a atuação de um advogado que possa acompanhar as partes e instruir da melhor forma. Este profissional nunca se fez tão presente diante da enxurrada de decretos, leis e medidas diversificadas, publicadas quase que diariamente.

A expertise do mesmo pode auxiliar a, por exemplo, informar o Juízo, nos autos, de que forma o devedor de alimentos estaria cumprindo a prisão domiciliar, se a mesma foi decretada e o devedor quebra as regras saindo de sua residência, colacionando prontamente tais informações aos autos.

Trata-se de uma situação delicada, a uma por que há o risco da disseminação do vírus nos presídios, que, como já dissemos alhures, sofrem nitidamente uma situação calamitosa. A duas, por que aos olhos de muitos, não deveria ser considerada uma prisão (sanção) pela falta dos pagamentos que contribuem para a subsistência dos alimentandos.

A despeito de tudo isto, é perfeitamente possível que, até o “termo final” apontado na referida lei, sejamos surpreendidos por mais uma tentativa de regulamentar a situação que, como dito anteriormente, é bastante delicada e acomete várias famílias diariamente, para tanto a orientação e acompanhamento jurídicos são importantes a fim de minorar os prejuízos tão evidentes causados pela pandemia nas relações familiares.


Edyane Macedo*
Advogada inscrita na OAB/PI nº 12.384
Especialista em Direito Processual Civil
Membro da AJUSPI – Associação Jurídica e Social do Piauí

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