Um mundo de párias e apátridas

A humanidade caminha. Às vezes com pressa. Às vezes com passos lentos. Mas anda. Está a se deslocar constantemente. Uma necessidade imanente a sua natureza é explorar. Ver o mundo. Descobrir seus recônditos e seus mistérios está na pauta dos bípedes autodenominados pensantes.

Se não fosse esta característica tão superlativa, como o planeta seria habitado até onde parece desumano permanecer, dadas as condições desfavoráveis ou desafiadoras? Desertos e polos, por exemplo? Não é tão oposto às zonas temperadas e equatoriais? Mas tem gente vivendo graças a algum(a) pioneiro(a) que abriu espaço e foi na frente, enfrentando todos os perigos e encarando seus medos.

Refugiados sírios no Mar Mediterrâneo

Entretanto, nunca antes na história desta esfera errante houve tamanha onda migratória como vemos atualmente. Seja pela manutenção de sua natureza facilitada pelos meios de transporte que acessibilizam chegar com facilidade e rapidez aos mais diversos lugares, mantendo sua característica desbravadora. Seja pela busca de refúgio para uma vida tranquila, escapando da tirania de governantes para obter asilo político ou à procura de mais instrução.

O que está menos evidente neste momento em que vivemos e suas consequências é a razão do estudo proposto nas linhas subsequentes. Observando e alinhavando dados que provam que estamos em meio ao maior fenômeno de deslocamento da raça humana que se tem notícia e está em destaque nas manchetes dos veículos de comunicação diariamente.

Quem sou, de onde venho e para onde vou?

No primeiro single retirado do álbum Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas, da banda paulista Titãs, lançado em 1987, a faixa Lugar Nenhum dá uma boa dica para as perguntas recorrentes que puxam o abstracionismo do ser humano em busca de identidade.

A composição assinada por Arnaldo Antunes, Charles Gavin, Marcelo Fromer, Sérgio Britto e Tony Bellotto tocou nas rádios e puxou os hits do disco, aproximando um tema que percorre as sinapses do ser humano, promovendo uma reflexão contundente e constante.

Não sou brasileiro

Não sou estrangeiro

Não sou de nenhum lugar

Sou de lugar nenhum

Não sou de São Paulo

Não sou japonês

Não sou carioca

Não sou português

Não sou de Brasília

Não sou do Brasil

Nenhuma pátria me pariu

Eu não tô nem aí

Eu não tô nem aqui


Muito antes de estabelecer uma estrutura organizacional geopolítica, o ser humano ia e vinha de acordo com a sua vontade ou necessidade, sem as limitações impostas pelas fronteiras que determinam as divisões das nações.

Por questões culturais e de defesa, o gregário e plural ser humano buscou uma união singular. Desde o princípio da fundamentação da liderança através do patriarca ou matriarca, elevando a um conselho de dimensão maior que reunia as famílias ou fratrias (conceito grego), passando pelo clã, cidade-estado, até, finalmente, nação.

Com pequenas variações, assim se deu a constituição de nacionalidade, sedimentando identidades comuns. Na intersecção de culturas e laços consanguíneos afins, as etnias se deram espaços e os defenderam como seus, protegendo-os e expulsando possíveis invasores.

A mesma política que conseguiu agregar no princípio, sob a tirania que segrega, veste-se de vilã e rearticula os modelos, conceitos e transcende as fronteiras em busca de uma nova identidade. Com a globalização, suponho que um novo terráqueo refaz as perguntas que intitulam este tópico e dão cores ao contemporâneo homo sapiens: citizen oh the world.

Assim mesmo, em inglês, com o idioma que rompe as linhas imaginárias de divisas e une etnias, identidades culturais e ambições diversas em torno de uma língua universal comungada por quaisquer indivíduos: a da realização de sonhos e da esperança por dias melhores.

O fenômeno da globalização, acelerada pela internet, materializa a tese macluhiana. Mesmo nos países com menor IDH do planeta, de alguma forma, através das redes sociais ou outras vias, as pessoas veem a disparidade de suas realidades em confronto com a de países democráticos e prósperos.

Os que não se conformam com a miséria, perseguição política, fundamentalismo religioso e nem com a falta de sinais de horizontes mais auspiciosos, lançam-se em condições extremas para realizar seus sonhos. Não há nada de novo. Sempre foi assim e assim será.

O diferencial na procura está no nivelamento por qual o mundo passa em seu inconsciente coletivo. O bem viver, sem se perceber, é compartilhado na social media e fundamenta a corrida para chegar ao local que significa o ideal que cada indivíduo carrega para edificar sua felicidade. As aspirações abstratas inerentes a “ser feliz” que cada um carrega, entre os mais de 7 bilhões de viventes, é capaz de vestir-se de coragem a ponto de enfrentar o mar em um barquinho.

Estatísticas de um mundo em reforma

Segundo a Comunidade Europeia, o destino mais ambicionado pelos migrantes, em 2014, mais de 219 mil pessoas entraram em suas fronteiras. Neste ano, até agosto, cerca de 360 mil pessoas já foram contabilizadas a mais na Europa oriundas dos mais diversos países africanos e asiáticos.

Os países prediletos dos estrangeiros são a Itália, a França, a Alemanha e a Inglaterra - a cereja do bolo nos sonhos almejados pelos protagonistas da onda migratória. As nações em destaque são o símbolo que corresponde ao desejo de uma vida melhor para criar filhos, estudar e trabalhar para prosperar.

No rastro dos que conseguem, a tragédia pinta em matizes sinistras os que ficaram pelo meio do caminho. Cerca de 3 mil pessoas morreram em naufrágios ou pelos rigores das condições sub-humanas na travessia do Mar Mediterrâneo, o ponto de acesso preferido pelos migrantes ao sonho europeu. A tranquila ilha na costa italiana, Lampedusa, com seus apenas 5 mil habitantes, veio aos holofotes como vedete do primeiro desembarque dos que vêm da África, principalmente.

Calais, a cidade situada no norte da França, no ponto mais estreito do Canal da Mancha, concentra cerca de 10 mil pessoas, em média, e muitas outras não param de chegar. Estão a espreita de uma oportunidade de desatenção das autoridades para embarcar clandestinamente em algum caminhão de transporte de cargas para atravessar os 50,5 quilômetros do Eurotúnel para desembarcar em Kent, no Reino Unido.

Ao todo, segundo a ONU, cerca de 160 mil pessoas estão em acampamentos aguardando a legalização para entrar oficialmente em diversos países europeus. A demanda cresceu em volume tão intenso que não há recursos suficientes para que países banquem a extradição e, sob a pressão da comunidade internacional, reformulam suas políticas, crendo que recebê-las seja o melhor caminho.

O caos que vive a Europa parece fichinha quando colocado lado a lado com os dados da Agência das Nações Unidas para Refugiados. Segundo o órgão, 19,5 milhões é o número oficial de pessoas que vive em busca de um novo lugar no mundo. A maior parte é de sírios, que correspondem a 3,8 milhões de pessoas.

Dadaab, o maior campo de refugiados do mundo

O Afeganistão e a Somália vêm a seguir. O país africano tem o maior campo de refugiados do planeta. Do total, 25% são de crianças, que não fazem a mínima ideia do que levou os seus pais a largarem tudo para trás. Inocentemente, brincam entre escombros e vivem sem as condições mínimas de saúde e higiene, fazendo parecer o termo humanidade totalmente sem sentido.

Os números frios e com alguma precisão estão bem distantes da realidade, supõem os especialistas. Entre os que foram identificados e uma grande leva dos que passaram e mantém-se na clandestinidade, deve haver uma enorme diferença a puxar para cima as estatísticas. Independente das pessoas que conseguiram ou que foram apreendidas e extraditadas, a tendência é que os números cresçam.

As consequências mais visíveis

Um comércio paralelo se fortalece e faz a fortuna de muitos que dão suporte à crise humanitária. O tráfico humano, que já foi tão execrado no tempo da escravidão que comercializava africanos, principalmente, encontrou um novo modelo. Voluntariamente, milhares de pessoas pagam em dólar para superar as distâncias de seus anseios de vida e enchem os bolsos de outros tantos menos admiráveis.

Seja nos barcos em condições terríveis, verdadeiros ferros-velhos a boiar, muitas vezes “pilotados” improvisadamente por migrantes que aprendem o mínimo de navegabilidade e eliminam a possibilidade de incriminação dos proprietários; seja nas vias terrestres, em caminhões baús ou outros modelos; seja em carros de passeio, com a anuência de seus donos que se arriscam a serem pegos pelas autoridades.

Além de pequenos pertences e grandes esperanças, muitas vezes os migrantes carregam consigo doenças ou vetores de patologias comuns em suas terras de origem, mas novas para onde seguem. A saúde pública fica vulnerável quando se depara com a possibilidade de ficar exposta a enfermidades que estavam erradicadas e podem voltar à tona e causar até endemias.

A poliomielite é uma delas. Também conhecida como paralisia infantil, controlada ou varrida da face dos principais países europeus, ainda está sem controle em muitos países da África e Ásia. Alguns com índices alarmantes que chegam a atingir quase 50% da população. Afora uma grande variedade de viroses que podem entrar em contato com uma população que não recebeu nenhum tipo de imunização preventiva e nem mesmo as conhece, dificultando diagnósticos e possíveis terapias.

Do ponto de vista econômico, onde vão encontrar trabalho e como vão tirar seus sustentos? Através de subempregos? Na informalidade? Com remunerações que, provavelmente, serão mais baixas dos que os da população local? Outra crise se anuncia, a do mercado de trabalho.

E isso tem sido a causa de tanto preconceito e segregação em países como a França, onde a população resiste aos que já estão em território há algum tempo, acusando-os de roubar os empregos ou puxar para baixo o valor dos salários. Verdadeiros guetos são erguidos, isolando imigrantes de diversas nacionalidades e encaminhando outros oriundos principalmente de países muçulmanos.

Sírios deixam seu país

Parte dos governantes está preocupada com o aumento da prostituição que possa ocorrer. Sem condições de entrar em empregos formais, diante das dificuldades para enfrentar e garantir condições mínimas de sobrevivência, é possível que o lenocínio aumente a profusão de cafetinas e proxenetas. Como combater tal prática que se dá nas sombras?

Espécies exóticas de plantas, insetos e outros animais podem ser introduzidos inadvertidamente, trazidos até por descuido e promover problemas que só farão eco em um futuro a médio ou longo prazo, podendo intervir no equilíbrio ecológico e refazer o meio ambiente com consequências incalculáveis e imprevisíveis.

O choque cultural e a adaptação às leis vigentes de outras nações podem fomentar crimes e alterar o cotidiano das pessoas. Diferentemente de mudanças comuns, estamos destacando situações que podem e devem ocorrer em proporções graves, dada a quantidade imensa de pessoas que ingressam com seus valores e referências anteriores. Independente de sua boa-vontade de adaptação, a cultura não é esquecida ou negada do dia para noite.

Inversamente a países como o Brasil, os europeus sempre criaram grandes resistências em se misturarem etnicamente e culturalmente. Mesmo que velada, há uma relutância natural, maior até do que as barreiras transpostas pelas fronteiras que delimitam os domínios geopolíticos, os muros culturais não serão desconstruídos e nem podem ser ultrapassados.

O Brasil no mapa migratório

Nosso país não está entre as preferências dos migrantes, atualmente. Em tempos em que a Europa e a Ásia viviam momentos difíceis no período das grandes guerras e entre elas, serviu de melhor caminho para italianos, alemães, espanhóis, japoneses, coreanos, sírios, libaneses e outros povos. Mas, agora, o caminho verde e amarelo é preterido.

Entretanto, um grande número de migrantes continua chegando. Em sua maioria, das Américas. Principalmente haitianos vêm tentar a sorte em terras tupiniquins. Os números oficiais do governo deve ser subestimado, mas, avaliam que em 2014, cerca de 3 mil refugiados aportaram no Brasil.

Descendo pela Venezuela, passando pelos estados do norte, haitianos têm priorizado as regiões Sul e Sudeste. No mês de julho, dirigentes do time catarinense de futebol, Avaí, levaram 60 haitianos recém chegados às terras dos manezinhos para assistir a uma partida do Brasileirão. Uma demonstração clara que acolitamos carinhosamente quem chega, em contraponto à resistência europeia.

Haitianos no estádio da Ressacada (SC)

Além dos irmão caribenhos, muitos sírios têm buscado refúgio no país. Somando-se a uma grande leva de bolivianos, angolanos, congoleses, camaroneses e outras nacionalidades desembarcam no Brasil com a certeza de que terão alguma oportunidade para refazer suas vidas e escapar da intolerância em seus países originários e sem a xenofobia típica do Velho Continente.

Cerca de 12 mil pessoas aguardam a aprovação de seus pedidos de refúgio no Brasil pelo Conselho Nacional de Refugiados. O que dá para ter uma vaga ideia e avaliar que os números devem ser muito maiores, supondo que a clandestinidade é o caminho mais fácil para ir ficando e se adaptando ao jeito brazuca de ser, com aquele famoso jeitinho.

Párias e apátridas históricos

No mundo há nações sem terra e apátridas sem nações, verdadeiros párias que a sociedade vê proliferar continuamente. Mas, entre eles, existem alguns emblemáticos, como os curdos e os palestinos, que enfrentam aguerridamente os reveses milenarmente e muita gente nem se dá conta desta triste realidade.

Os historiadores divergem em relação a origem e ao tempo de existência da nação curda. Para alguns, no mínimo há 2 mil anos antes de Cristo eles habitam as regiões delimitadas territorialmente ao que compreende o Irã, Iraque, Síria, Turquia, Armênia e Geórgia. Têm sua própria língua e mantém-se unidos por uma forte cultura, resistentes às perseguições políticas e tentativas de limpeza étnica, vivendo em regiões montanhosas.

Estima-se que são cerca de 27 a 36 milhões de pessoas. Guerreiros e combativos, têm cerca de 10 mil homens presos em diversos países da região por não aceitarem o aculturamento. São o exemplo mais clássico de apátridas que se tem notícia. Mostrando que mesmo que não tenham uma organização governamental evidente, vão resistindo a tudo e seguindo em frente com todas as dificuldades.

60 mil curdos deixam a Síria

Já a nação palestina tem a faixa de terra que, mesmo sendo encurtada gradualmente com o avanço dos assentamentos israelitas, abriga cerca de 4 milhões de pessoas. A história aponta que estão na região há pelo menos 1.200 anos antes de Cristo. A ONU tem feito um grande esforço para o reconhecimento do Estado Palestino, que enfrenta a resistência da maioria dos países árabes.

A rejeição cristalizada por guerras que remontam a tempos imemoriais, faz do território um barril de pólvora prestes a explodir a qualquer momento. As escaramuças constantes com seus rivais milenares são tão antigas e iradas que não dá para saber quem jogou a primeira pedra e iniciou o conflito. No entanto, entre grupos extremistas que lutam pela soberania, a Palestina é um grande exemplo de párias em seu próprio território e sob iminente ameaça.

O Brasil conhece muito bem como se deu sua colonização. Às custas de genocídios indígenas, numerosas nações foram dizimadas, tocadas para outras regiões ou aculturadas. Mesmo com os colonizadores incorporando um grande número de artefatos, costumes e traços dos idiomas nativos, ainda hoje os indígenas brasileiros são apátridas em seu próprio chão natal.

Povo Guarani Kaiowá em manifesto contra a grilagem de terras

O conflito dos Guarani Kaiowá está na pauta do dia, com maior visibilidade desde 2008, mas não se pode precisar quando as batalhas por terra começaram. São cerca de 45 mil indivíduos que vivem entre o Mato Grosso do Sul e o Paraguai.

Recentemente, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, foi pessoalmente à região para pacificar os indígenas e os produtores, após o suposto assassinato de uma das lideranças da nação de índios. Infelizmente, a maior parte da população não toma conhecimento que temos nossos apátridas e párias em território nacional.

Aylan Kurdi, um mártir aos refugiados

A fotografia que correu o mundo do menino afogado em praia da costa da Síria, no dia 2 de setembro, sensibilizou a comunidade mundial, governantes e artistas que replicam a imagem grotesca. O garotinho transformou-se no símbolo que abalou a humanidade, mostrando o quanto temos sido insensíveis às causas e aos dramas vividos pelos refugiados.

O jovem sírio de 3 anos, Aylan Kurdi, tentava juntamente com seus pais e mais um irmão de 5 anos, atravessar o Mar Mediterrâneo em um bote inflável para alcançar a Europa, e em seguida tentar chegar ao Canadá, onde uma tia esperava pela família.

Este caso veio à tona, mas quantos outros não existem e não vão ter suas agruras constadas nas crônicas jornalísticas? A pergunta vai ficar sem resposta, mas o sacrifício do inocente sírio não será em vão, ao que tudo indica pelos mais recentes noticiários.

Aylan Kurdi torna-se símbolo dos refugiados

Logo após a divulgação das fotografias e vídeos do corpo de Aylan sendo recolhido, a ONU recomendou que a Comunidade Europeia vai ter que receber pelo menos 200 mil refugiados neste ano. A conta não fecha, já que quase o dobro já se encontra em terras europeias.

Entretanto, os governantes vêm a público fazer pronunciamentos mais amenos. Bem diferentes da resistência inicial que apenas criava mais dificuldades para a chegada de novos imigrantes. Anteriormente, as políticas centravam-se em construir muros e cercas de arames para impedí-los de entrar na Europa, aumentando a fiscalização e reprimindo com violência os que insistiam.

A Islândia, país que fica isolado no meio do norte do oceano Atlântico, manifestou-se oficialmente que está disposto a receber 50 refugiados. Um número irrelevante comparado aos que já estão na Europa. Porém, cerca de 12 mil cidadãos islandeses das mais variadas profissões construíram uma rede para dar todo o suporte logístico aos que vão chegar.

Também por iniciativa da ONU, que procurou o Comitê Olímpico Internacional, uma proposta alvissareira tem alegrado a muitos dos que tentam fomentar iniciativas mais receptivas aos refugiados. As Nações Unidas querem que atletas refugiados de alta performance das mais diversas modalidades disputem a Olimpíada de 2016, defendendo a bandeira olímpica.

Curiosamente, o lábaro que faz convergir a ideia da paz mundial através do esporte simboliza todos os continentes habitados pelos seus cinco anéis entrelaçados nas cores preta, vermelha, verde, amarela e azul em um fundo branco. As mesmas cores encontradas em todas as demais bandeiras pelo mundo.

Outras ações ganham projeção na mídia mundial por iniciativa de cidadãos mais abastados. Um deles, o egípcio Naguib Sawiris, teve uma ideia mirabolante e compartilhou-a no twitter. O bilionário do ramo das telecomunicações propôs comprar uma ilha para abrigar milhares de imigrantes.

Naguib vai além, afirmando que quer investir em infraestrutura para que os possíveis moradores tenham condições de trabalho para o desenvolvimento do que seria um país, com reconhecimento internacional. É uma proposição fantástica, talvez viável e não deve ser desconsiderada.

Por outro lado, mostra como ainda existem pessoas que realmente se ocupam de pensar em soluções e mais, com o compromisso de realizá-las, em contraponto com grande parte dos governantes que não fosse a imolação do inocente Aylan, manteriam suas políticas de endurecimento aos refugiados.

Imagine

É pura sandice pensar que o mundo vai mudar, pelo menos a curto prazo, suas razões que estabelecem as linhas de fronteira, suas políticas de imigração e de propriedade privada. Muito menos ainda achar que a tirania que grassa em muitos países, seja pelo fundamentalismo religioso ou pela soberba de criaturas sem o preparo para entender a oportunidade de servir ao seu povo, confundindo seus mandatos com quase monarquias, alongando-os indiscriminadamente disfarçados de democracias.

Nosso planeta, que já passou muita fome, atualmente produz alimentos com sobressalente de 1/3. Seria cômico se não fosse trágico que a mesma fração, 1/3, da população mundial passa fome ou está subalimentada. O que nos faz indagar onde está o problema para distribuição equânime, fazendo com que todos tenham uma mesa farta.

No labirinto da luta pelo poder, as migalhas que escapam de banquetes nababescos seriam o suficiente para acalmar os estômagos de muita gente vitimada pelas perseguições e as vaidades de tão poucos. E o que falta para que as divergências alimentadas por credos, dogmas, etnias, orientações sexuais deixem de ser objeto de disputas insanas, alimentando a violência que nos faz refletir e questionar o que é realmente ser humano? Quem nos outorgou o direito de sermos os detentores da capacidade de pensar em valores abstratos? O que nos faz crer que somos todos irmãos?

Refugiados somalis

Tantas perguntas podem ser feitas diante das imagens dos refugiados que conseguem adernar uma barcaça pela superlotação, levando todos aos riscos do afogamento. Outras são engolidas entre lágrimas e soluços ao visualizar a imagem do corpo inerte do menino Aylan, que passa à posteridade como certeza de que não estamos no caminho certo.

Há tempo para corrigir a rota. Ainda podemos construir um novo amanhã. Nem precisamos ir muito longe. Não há a necessidade de navegar um oceano correndo riscos em embarcações vulneráveis. Basta olhar para o lado e ver que há uma pessoa recolhendo do lixo os restos que podem servir de alimento. Outros que dormem ao relento, sem casa, sem teto, sem abraço, sem esperança.

Em 1971, o cantor e compositor John Lennon, deixou uma pérola que bem poderia servir de orientação para que a nau da humanidade possa singrar por mares mais calmos, ao sabor de ventos hospitaleiros deste imenso planeta azul, que pertence a todos nós.

Entre tantos versos sonhadores de Imagine, destaco um que cai como uma luva a ilustrar tudo o que está escrito acima, resumindo milhares de palavras em apenas uma oração: Imagine all the people sharing all the world.

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