Paixão de Cristo, uma análise da cena política

É um bom desafio tentar criar um recorte político para a história de Jesus. Sendo ele de uma nação onde tudo gira em torno da religião, inclusive os poderes são dela oriundos, só com a permissão de um exercício intelectual contraído de um olhar holístico para o contexto em que se passou uma das histórias mais extraordinárias da humanidade.

Antes de mais nada, como premissa respeitosa deste mergulho, venho pedir permissão aos teólogos e sacerdotes cristãos e judeus para que percebam no propósito uma simples exposição das conclusões ou das dúvidas que obtive depois de ler a Bíblia, nas versões evangélica e católica ocidentais; dezenas de textos referenciados nas interpretações do historiador judeu, Flávio Josefo; de diversos livros que contam a história do cristianismo; de textos das tradições cristãs ortodoxas, coptas, etíopes e ramificações; mais de uma dezena de evangelhos, inclusive o de Judas.

Tito Flávio Josefo, historiador judaico-romano

Longe de mim causar polêmica ou qualquer espécie de sacrilégio sobre um assunto tão precioso, cuja riqueza bibliográfica é tão extensa que chego a imaginar que uma vida inteira dedicada ao estudo ainda seria pouco para consumir algo realmente significativo. Aproveito para declarar que descendo de uma família onde se ensina desde cedo a mensagem redentora do Cristo, sustentada no amor puro, servindo-me de referência basilar.

Também não tenho a pretensão de estabelecer alguma verdade ou tentativa de convencer alguém com o que concluí através das minhas leituras. Nada mais é do que um exercício de passar para o papel a minha atualização mais recente dos estudos (que nunca se encerram) sobre o tema e compartilhar com quem esteja disposto a lê-la. A história da vida de Ieshua (pronúncia em aramaico - seu idioma original) foi, é e sempre será extremamente palpitante.

O último grande mergulho, há seis anos, foi para me preparar para conduzir a apresentação da transmissão ao vivo da encenação da Paixão de Cristo, pelo Grupo de Teatro do Monte Castelo, para a TV Assembleia. Um trabalho que me orgulho muito de ter participado ao lado de grandiosa equipe, sob o comando do jornalista e publicitário, Tony Trindade.

Contexto histórico, econômico e geopolítico

Quando Jesus nasceu, Israel estava sob o domínio romano a 63 anos. Desde a tomada de Roma, quando ainda era república, pelo general Pompeu, passando pela criação do império por Octávio César (27 a.C.), toda a região foi paulatinamente anexada por Roma, numa condição pacificadora. A Judeia era um estado cliente. Uma condição onde o domínio procurava não interferir na situação política, religiosa e cultural.

A economia era baseada na pesca, produção de grãos, criação de pequenos animais, oliva, vinho, legumes e frutas. Ovelhas, pombos e galinhas também eram criadas com o objetivo de serem usados nos sacrifícios nas sinagogas e rendia um alto volume de dinheiro, especialmente durante a páscoa.

A nação de Jesus não tinha tanto valor econômico para Roma, mas era melhor mantê-la sobre controle do que deixar que servisse de alvo de constantes guerras étnicas, desestabilizando suas imediações. A ocupação era um mal necessário. Não havia grandioso propósito de lucro comercial, mas de gerência política de uma faixa de terra que estabelecia o limite a leste do Mar Mediterrâneo, totalmente dominado por Roma.

Roma intervinha minimamente. O estado judeu entrava com tributos e o império romano mantinha-o livre das invasões dos inimigos, protegendo-o militarmente, mas, deixando que seu monarca conduzisse administrativamente. Entretanto, havia resistência, mesmo que em pequena proporção à mediação do império de César.

A relutância em aceitar o domínio de Roma foi crescendo com o tempo. No período de Jesus, as escaramuças com os soldados romanos eram mais frequentes e traziam muita dor de cabeça na forma de uma guerrilha urbana. Com ataques furtivos e recuos estratégicos, com os combatentes infiltrados e protegidos no meio da população, a milícia romana vivia assombrada com iminentes e inesperados ataques.

O país e seus arredores era um barril de pólvora. A colcha de retalhos étnicos alimentava ressentimentos belicosos milenares desde a divisão dos filhos do patriarca Abraão. Ismael, filho da escrava Agar; e Isaque, filho da esposa Sara, traziam e trazem em seus descendentes e ramificações a discórdia que é alimentada até os dias de hoje com a ocupação da Palestina e o acirramento religioso entre judeus, cristãos e mulçumanos.

As alianças construídas com Roma para manutenção da nobreza do estado acabou corrompendo e enfraquecendo os demais poderes. Quando Jesus iniciou seu ministério, por volta dos trinta anos, a sociedade estava esfacelada. Não havendo mais a harmonia entre os poderes, abria-se o espaço ideal para a revisão de valores tão caros a um povo religioso e a mensagem de Cristo caiu como uma luva para a população que vivia desesperançada entre a cruz e a espada.

As figuras históricas

Relacionar as figuras que detinham o poder ou lutavam contra a ordem estabelecida na época de Jesus, entender suas ligações diretas e indiretas com a história é um princípio básico para o entendimento no âmbito da linha do tempo do plano de estudo – da concepção até a ressureição. Resolvi dividir em cinco núcleos: os romanos, os nobres judeus, o sinédrio, os zelotes e a família de Jesus.

1 - Romanos: Imperadores Octávio Augusto e Tibério César; Prefeito da Judeia Pôncio Pilatos e sua esposa, Cláudia Prócula.

2 – Nobres Judeus: Rei Herodes, o Grande; Rei Herodes Antipas; Herodias e sua filha, Salomé.

3 – Sinédrio: Anás e Caifás (sumo sacerdotes); e José de Arimateia e Nicodemos (membros da aristocracia).

4 – Zelotes: Judas Iscariotes (infiltrado) e Barrabás (combatente).

5 – Família: Maria, José e João Batista. Mãe, pai e primo, que alinhavaram diretamente a história de Jesus.

Os Romanos

A Palestina foi tomada pelo general Pompeu (63 a.C.) em um momento de instabilidade política romana, após a morte de Júlio César. A região foi herdada pelo império de Octávio Augusto, quando Roma vivia seu maior período de paz. Por meio da diplomacia e pouquíssima intervenção militar, com exceção de pequenas guerras de expansão e manutenção do império em suas zonas limítrofes, tudo era resolvido sem grandes derramamentos de sangue.

O grande desafio de Roma era a administração de um espaço gigantesco, um monstro criado que representava perigo somente para si mesmo. Esta dificuldade de dirigibilidade foi o principal fato que levou Roma ao seu fracasso como império, mesmo perdurando aos trancos e barrancos por cerca de 500 anos, após o nascimento de Cristo.

Moeda do Imperador Tibério Cláudio Nero César, 42 a.C. - 37 d.C.

Tibério César era o imperador quando Jesus foi julgado. Era o seu rosto que estampava as moedas que circulavam e que suscitou a famosa frase crística “Dai a César o que é de César”, quando questionado sobre o pagamento de tributo, numa tentativa de fazê-lo criticar a dominação romana. Uma casca de banana da qual Jesus se saiu como o mestre que era, com o seu fantástico poder da palavra. No julgamento de Cristo, tinha 75 anos.

Pôncio Pilatos - pintura de Giotto (1305)

Pôncio Pilatos foi prefeito (esse era o verdadeiro status da função) da região entre os anos de 26 a 36 d.C., enfrentando grande dificuldade com a crescente reativa dos Zelotes, que cresciam e se armavam. O procurador de Roma vivia a maior parte do tempo encastelado em sua fortaleza Antônia. Lidar com o povo que se enfurecia com a tributação, que nada lhes rendia de prático, devia ser motivo de preocupação permanente. Tinha 38 anos de idade quando julgou Jesus.

Cláudia Prócula, a mulher de Pilatos, tem uma história controvertida e de difícil apuração. Há correntes que afirmam que ela era originária da Gália, a província romana que corresponde ao que é hoje a França. Ao casar-se com Pilatos, tornou-se cidadã de Roma. Outras versões aventam a possibilidade dela ser parente do imperador Tibério, devendo ao fato a ascensão de Pilatos como prefeito da Judeia ainda tão jovem, com menos de 30 anos. Não há precisão da data de nascimento.

Os nobres judeus

Quando Jesus nasceu, Herodes, o Grande, dominava a região palestina, graças ao apoio romano, onde conseguiu a força para derrotar seus inimigos. Sua legitimidade era contestada por sua origem étnica sem laços diretos com a região. Para arrefecer os ânimos, casou-se com a filha de um alto sacerdote hebreu.

Herodes, o Grande - 73 a.C. - 4 d.C.

Herodes investiu fortemente na restauração e ampliação do templo de Salomão, o que fez com que ganhasse alguma popularidade entre seus súditos. Para garantir a obediência, Herodes mantinha um exército formado por mercenários, já que não tinha como arregimentar soldados de confiança entre seus dominados.

Sanguinário, o rei usurpador cometeu um grave infanticídio. Procurado pelos reis magos, que queriam saber de Jesus, Herodes foi questionado onde estava o recém nascido “rei dos judeus”. Sendo ele o rei, deixou que os visitantes o procurassem com a combinação de que dissessem onde ele estava quando voltassem.

Os reis nunca voltaram e Herodes mandou matar todos os meninos com menos de dois anos nos arredores de Belém. Calcula-se que o número poderia chegar ao mínimo de 20 e ao máximo de 500 inocentes. José levou sua família para o Egito, fugindo do massacre. Herodes morreu quatro anos após o nascimento de Cristo e José voltou a viver em sua cidade natal, Nazaré.

Herodes Antipas - 20 a.C. - 39 d.C.

Com a morte de Herodes, o Grande, o rei deixou em seu testamento a divisão do território para que fosse governado por seus três filhos restantes: Herodes Arquelau (Judeia), Herodes Antipas (Galileia e Pereia) e Herodes Filipe (um trecho que corresponde hoje à Síria e parte do Iraque). Arquelau cometeu uma sequência de crimes que revoltou a população, de forma que foi destronado e exilado por Roma dois anos após assumir o governo. A Judeia ficou sob o comando dos romanos.

Mas o protagonista que nos interessa é Antipas, que reinou até a sua morte, em 39 d.C. Ele é o responsável pela decapitação de João Batista, em 26 d.C., quando o profeta tinha cerca de 30 anos. Quando Jesus foi julgado, Antipas tinha 53 anos.

Herodia - pintura de Elisabetta Sirani

Herodias ou Herodíade era uma princesa, casada com Herodes Antipas em segundo matrimônio. Anteriormente, fora casada com Herodes Filipe. Os judeus acusavam Antipas de incesto porque casara com uma irmã. Era assim que a viam, porque fora esposa de irmãos de sangue. A princesa era ofendida publicamente por João Batista, acusada de adultério. Por isso o ódio que a fez pedir a prisão e depois a morte do profeta. Herodias tinha cerca de 45 anos quando Jesus foi julgado.

Salomé era filha de Herodias, fruto do casamento com Herodes Filipe. Portanto era sobrinha de Antipas. O poder de sedução da jovem na flor da idade, aos 18 anos, foi o que desencadeou o pedido da morte do profeta, que já estava preso a cerca de dez meses. Combinada com a mãe, ciente do encantamento que exercia sobre o tio e padrasto, Salomé conquistou sua prenda através da dança, que deveria ter boas doses de sensualidade.


A dança de Salomé - pintura de Gustave Moreau

O Sinédrio

A Assembleia do Anciões era composta por 71 membros: sacerdotes, aristocratas e escribas. A elite social estava resguardada no grupo que reunia a preservação das tradições e correspondia ao Supremo Tribunal Judiciário e Legislador.

O Sinédrio tinha a sua própria guarda, responsável pela preservação da ordem no templo. Era uma espécie de polícia política, pois vigiava e reprimia qualquer ação que confrontasse o que dispunha a legislação judaica, onde uma palavra de contradição poderia ser interpretada como crime de blasfêmia.

Os membros eram comandados pelo sumo sacerdote, escolhido entre eles. No tempo de Jesus, o sumo sacerdote tinha que ser referendado pelo imperador romano. Os sumo sacerdotes eram escolhidos tradicionalmente entre apenas quatro famílias. Eram homens proprietários de grandes áreas rurais e urbanas, onde cultivavam alimentos.

Os sumo sacerdotes Anás e Caifás

Durante os 33 anos de vida de Jesus, 6 sumo sacerdotes comandaram o Sinédrio, mas dois deles, Anás e Caifás, se destacaram. Anás foi o sumo sacerdote de 6 a 15 d.C. Caifás assumiu o máximo posto de 18 a 36 d.C. Caifás era casado com uma filha de Anás, portanto, era considerado filho.

Anás foi o mais poderoso sumo sacerdote da história dos Hebreus. Conseguiu emplacar seus cinco filhos no mais alto posto, além do genro. Pode-se fazer a leitura de grande prestígio perante Roma. Anás e sua linhagem tinham grande influência nas relações políticas com os seu dominadores.

Embora não se possa precisar a idade de Anás, provavelmente, na condição de decano da suprema corte e diante da fragilidade da relação da família Herodes com o povo, era a grande referência de poder autenticamente hebreu. Para Roma, afim de manter a dominação popular, o Sinédrio devia ser mais importante do que o Rei, e Anás era o representante vivo do elo de equilíbrio das boas relações com os hebreus – refletida e mantida por seu genro, posteriormente.

Caifás figura entre os mais longevos sumo sacerdotes da história dos hebreus. Quando Pilatos chegou para representar Roma, ele já estava a oito anos comandando a corte suprema. Vários estudiosos concluem que o todo poderoso Caifás era um homem astuto e manipulador, considerando o tempo, 18 anos, que manteve-se a frente do Sinédrio, em período tão turbulento. Também não é possível precisar a idade dele durante o julgamento de Jesus.

Jesus ensina a Nicodemos

Nicodemos era um homem bem-sucedido economicamente e, provavelmente, também, escriba. Profundo conhecedor da Torat ou Pentateuco (os livros onde se baseia o Judaísmo – Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio). A ele é atribuída a autoria de um evangelho apócrifo intitulado “Atos de Pilatos”.

Naquela época, os saduceus e fariseus rivalizavam em teorias analíticas. As correntes de sacerdotes divergiam nas interpretações do pentateuco. Sob a luz de um profundo conhecimento, Nicodemos era um legítimo Doutor da Lei – título atribuído aos estudiosos especialistas.

Não há como precisar a idade de Nicodemos, mas ele não devia ser muito idoso. Ainda tinha bastante vigor físico porque ajudou diretamente na retirada de Jesus da cruz e participou de seu sepultamento.

José de Arimateia era um homem muito rico. Comerciante, tinha frota de barcos que levavam e traziam diversos produtos pelo Mar Mediterrâneo. Alguns relatos apontam que ele servia a Roma exportando minérios até a Britânia, que corresponde hoje a Inglaterra. Era um poderoso representante da elite econômica dos hebreus no Sinédrio.

Arimateia exercia grande influência sobre Pilatos. Foi ele quem conseguiu documentalmente a autorização para que Jesus fosse sepultado. A mortalha de linho que envolveu o corpo de Jesus, os óleos e perfumes utilizados na limpeza e preparação do corpo, quase trinta quilos, bem como o sepulcro onde Jesus foi colocado eram dele.

O caríssimo sepultamento de Jesus foi em condições referentes a um príncipe da sua época. Totalmente financiado pelo mercador. Também não há precisão quanto a idade dele, mas, assim como Nicodemos, e pelos mesmos motivos, também não devia ser idoso.

Tanto Nicodemos quanto José de Arimateia eram admiradores de Jesus. O primeiro, conhecedor da Torat, devia estar bem intrigado com o conhecimento de Jesus e as profecias de João Batista sobre a “vinda do Cordeiro de Deus”, que vaticinava estar próxima.

Há muitos textos com relatos que afirmam que eles se encontraram secretamente com Jesus em muitas oportunidades. No mínimo, deviam ter um profundo respeito pelo homem sábio e carismático.

Na prática, Jesus conseguia realizar de forma prática o que estava nas escrituras pelas quais os membros do Sinédrio eram responsáveis por zelar como guardiões e aplicar como juízes, mas estava eivado por uma conduta bem distanciada da raiz do comportamento que eles conheciam apenas na teoria.

Os Zelotes

Dois grupos ideológicos lutavam contra a dominação romana: os Sicários e o Zelotes. O enfrentamento era feito nas sombras. Com ataques programados ou improvisados, matavam romanos e aumentavam a turba nos dias de Jesus.

Os Sicários eram os extremistas que agiam sem grande organização, mas com grande precisão. Aterrorizavam os soldados romanos que eram assassinados com uma pequena adaga curta, chamada de sicae (em latim).

Mas a preocupação maior era com os Zelotes. Organizados, tramavam ataques às patrulhas romanas e assassinavam os soldados, além de agir impregnando um discurso político libertário. Panfletários e incendiários, pregavam a libertação do jugo romano argumentando que deviam recuperar a “soberania do Deus de Israel”.

Bem aceitos por boa parte da população, que os acobertava, viviam infiltrados nas mais diversas classes e eram financiados por pobres e ricos. Para muitos eram os verdadeiros heróis e guerreiros hebreus, recebendo a proteção e a informação de muitos observadores, que não iam diretamente para o combate.

Encontravam-se e elaboravam suas ofensivas em cavernas. Os combatentes entravam na clandestinidade e se deslocavam para o deserto, vivendo totalmente dedicados à causa. Jovens eram recrutados para o combate. Os Zelotes cresciam, representando um perigo iminente para o domínio de Roma, que acabou acontecendo entre 66 e 70 d.C – evento que ficou conhecido como a primeira guerra judaico-romana.

Barrabás entra na história como o homem que se livrou da pena de morte em troca de Jesus. Uma jogada de Pilatos para tentar libertar o nazareno da sanha assassina do Sinédrio e tirar uma pedra no sapato dos soldados romanos, matando um judeu com a autorização deles. Mas Barrabás era um valoroso líder combatente e agitador Zelote, mais popular do que imaginava o prefeito romano.

A obstinada liderança de Barrabás era uma baixa que fragilizava o enfrentamento a Roma. Fora preso após um ataque a um grupo de soldados romanos na cidade de Cafarnaum, onde morrera um militar dos opressores. Estava apreendido como mártir para os Zelotes.

A política de resistência hebraica estava bem representada por Barrabás. Ele era um símbolo de luta. Representava o ardil, a força e a coragem de um povo oprimido. Não se sabe a idade precisa do combatente, mas ele deveria ser relativamente jovem, pois enfrentava os preparados soldados romanos no braço.

Judas Iscariotes era o mais pragmático dos apóstolos de Jesus. Cuidava das finanças. Pelo ponto de vista da luta de resistência, funcionava como um infiltrado no grupo que tinha grande ascensão social, mas mantinha-se com reservas de um discurso político de oposição mais contundente.

A missão de Iscariotes era convencer Jesus a encampar a luta contra os romanos. Não tendo muito efeito, acabou provocando a celeuma que o levou à morte com o intuito de acelerar uma possível revolta popular, contando que a popularidade de Jesus e a sua inocência pudessem promover o despertar da indignação que o povo trazia no peito.

A família de Jesus

O estudo da árvore genealógica de Jesus o leva diretamente à descendência do rei Davi. Tanto Maria como José eram de linhagem real, portanto, Jesus era também conhecido por sua origem como legítimo representante do poder secular. As famílias hebraicas, tradicionalmente, valiam-se sempre da valorização e lembrança de seu berço.

O modo como Jesus se portava elegantemente, sua aparência, sua sabedoria, seu conhecimento e suas palavras eram dignas de um príncipe, referendando mais ainda o núcleo familiar do qual era descendente. Certamente devia ser cobrado sobre o trono que poderia lhe pertencer por direito.

Jesus era da classe média hebraica, como filho de um artesão. Mas José não era apenas um carpinteiro ou marceneiro. Estudos apontam que o pai de Jesus era um construtor. O discurso de Jesus está recheado de figuras de linguagem que apelam pra termos da edificação, portanto, ele a conhecia muito bem.

Naquela época, o filho geralmente absorvia a atividade do pai. Mas tudo era feito naturalmente. Não havia a obrigação nem a pressa que se vê hoje por estabelecer uma atividade econômica visando o sustento, planejada desde a infância. O homem decidia o momento certo em que assumiria suas funções de mantenedor. Normalmente só depois dos 25/30 anos, quando começava-se a pensar em casamento ou efetivar as alianças arranjadas anteriormente pelas famílias.

Enquanto os homens casavam por volta dos trinta anos, as mulheres constituíam suas famílias por volta dos 12/15 anos. Maria era bem jovem, cerca de 12 anos, quando casou com José, que devia ser um homem com idade já bem avançada, conforme descrevem as publicações consideradas pelas mais diversas fontes cristãs.

À mulher era relegado o trabalho mais pesado e sujo. Quando casavam, o pai recebia um dote como forma de recompensa pela perda da mão de obra útil. Ao se casar, a mulher passava a ser propriedade do marido. Era uma relação de patrão e empregada, obrigada a fazer os serviços ordenados pelo chefe da casa, sem direito a contestação.

Maria, pelas condições da concepção de Jesus, poderia ser acusada de adultério, julgada e penalizada com a morte através de apedrejamento. Apesar de ser apenas noiva, civilmente era como se já estivesse casada. Um homem podia divorciar-se da esposa, mas a esposa não tinha esse direito. Para as mulheres, socialmente e civilmente, o casamento era indissolúvel.

Os evangelhos que não estão na Bíblia mostram diversos momentos fantásticos de Jesus antes do que é considerado o primeiro milagre, as Bodas de Caná. Mas, oficialmente, foi em um casamento que ele transformou água em vinho. Motivado por Maria, que o advertia que chegara a hora de tornar público seus poderes.

José, apesar da Bíblia ser bem econômica em citá-lo, é bem descrito em outras publicações apócrifas. Uma delas afirma que teve uma vida longeva, tendo vivido 111 anos, sempre gozando de boa saúde até seus últimos dias. Todos fazem referência a um homem íntegro e de linhagem real.

João Batista era um homem consagrado à religião. Tanto por parte de pai, Zacarias (sacerdote), como por parte de mãe, Isabel, descendia de uma família que originalmente dedicava-se à religiosidade. Batista foi talhado para exercer a missão de pregador.

João batia de frente com a ordem vigente, apontando as distorções do comportamento do rei e de sua esposa. Apesar de viver distanciado das cidades, pregando em lugares afastados, suas palavras repercutiam. Seu discurso correspondia à verdade e tinha grande força entre os hebreus. Era a voz da consciência do seu povo.

A páscoa

O pessach (passagem, em hebraico), ou páscoa judaica, é a principal celebração até hoje no calendário judeu. Uma referência ao tempo em que povo hebreu estava escravizado no Egito. Na décima e última praga que se abateu na terra dos faraós, os primogênitos de todos os viventes foram abatidos pelo “anjo da morte”. Para que os filhos das famílias hebreias fossem poupados, o povo escravizado foi instruído para que sacrificassem um cordeiro e molhassem os umbrais de suas portas com o sangue.

O povo hebreu, antes de se fixar na terra, originalmente era uma sociedade nômade e pastoril. A páscoa era celebrada anteriormente à “Festa da Libertação” da escravidão egípcia, como um ritual de agradecimento. Algumas tribos mantém a celebração com esta finalidade até os dias de hoje.

O pessach nos dias de Jesus era uma obrigação de todos os hebreus, que se deslocavam a Jerusalém afim de cumprir suas obrigações religiosas de sacrifício. Normalmente, a cidade tinha uma população de 25 mil habitantes. Chegava a receber mais de 100 mil pessoas durante a peregrinação da Páscoa.

O acinte a Roma, ao rei e ao Sinédrio

Quando Jesus entrou em Jerusalém, uma semana antes da páscoa, a cidade já estava fervilhando de gente. Desde sua entrada, uma série de acontecimentos podem ser interpretados como ofensas diretas aos poderes constituídos.

Jesus atravessou as muralhas que cercavam a principal cidade da Judeia montado em um animal de carga, talvez um burro ou um jumento. O povo jogava suas roupas à frente do cortejo, juntamente com folhas de palmeiras, formando um tapete. Estava ricamente adornado e foi saudado como filho de Davi.

O cavalo era um símbolo de poder econômico e militar, mas Jesus montou um animal usado para carregar grandes pesos. A teatralização foi uma cena crítica ao poder. Sendo ele um descendente da casa real do primeiro rei que unificou Israel e Judá, poderia ser interpretado como um ato sarcástico à monarquia dos Herodes – uma dinastia que não tinha a aceitação popular por ser ilegítima e profana. Como o reinado de Herodes era avalizado por Roma, a encenação alfinetava o poder de Roma.

Mas o espírito cultivado durante a páscoa era de paz e tranquilidade. Não era do feitio de Herodes ou de Pilatos intervenções a situações desta natureza. Era muito mais prático ficarem indiferentes às críticas, que logo seriam esquecidas. Mas, se demonstrassem alguma intolerância, valorizando-a, poderiam vir outras. A indiferença a alguns atos políticos da população, ainda hoje, é a melhor saída usada por quem exerce o poder.

O fato que culminou na prisão de Jesus foi a expulsão dos mercadores ao redor do templo. Jesus não foi condescendente nem tentou dialogar, foi extremamente agressivo com os comerciantes que negociavam os animais que seriam sacrificados no pessach.

Armado de um chicote, quebrou tudo o que estava a sua frente, cobrando respeito à casa de Deus. Deveria ser a função do Sinédrio preservar o respeito e não misturar negócios com atividades religiosas. Foi uma atitude ultrajante para os representantes da Lei judaica.

Provavelmente, a liberação da comercialização ao redor do templo de Salomão era autorizada pelo Sinédrio. Algumas correntes de estudiosos se arriscam a dizer que era bem possível que as negociatas faziam parte das atividades dos próprios membros, que enriqueciam às custas dos produtos oferecidos aos peregrinos para cumprirem suas obrigações de sacrifício pascal. Doeu no bolso.

Jesus acendeu o ódio dos membros dirigentes do Sinédrio, que já acompanhavam suas atividades há tempos. Era o momento de repelir o nazareno, caso contrário, ele deveria crescer mais ainda no conceito popular e ficaria impossível reprimí-lo se deixassem passar o episódio sem reação.

Um preso político

A prisão de Jesus foi friamente arquitetada por Caifás e Anás. Era o poder deles que estava em jogo. Mas eles não podiam sujar suas mãos de sangue, sendo dois membros religiosos.

O Sinédrio sabia onde Jesus estava. Não precisavam de Judas para encontrá-lo. O nazareno certamente era vigiado, sabiam de seus passos. O acerto com Judas foi mais uma demonstração de poder.

Jesus foi preso pelos soldados do templo e trazido para um julgamento com cunho religioso. Caifás acusou Jesus de blasfêmia, mas não havia provas suficientes para isso. Questionado, Cristo permaneceu calado. Houve contestação de Nicodemos e José de Arimateia, que ensaiaram uma defesa, mas recuaram por estarem em minoria.

O Sinédrio não poderia manter Jesus preso. No máximo, poderiam flagelá-lo e o fizeram. Para garantir que Jesus fosse executado, precisavam envolver os outros dois poderosos. A pena capital só poderia ser confirmada por Pilatos e Herodes.

Um julgamento político

Caifás e Anás, juntamente com outros membros do Sinédrio, levaram Jesus a Pilatos. Era noite de quinta-feira. O representante de Roma já estava recolhido, mas foi obrigado a recebê-los. Caifás acusou Jesus de blasfêmia e sedição.

Pilatos não penalizava ninguém à morte pelo crime de blasfêmia. Mas sedição era punida com a pena capital, entretanto, não havia provas de que Jesus fizesse alguma agitação política com o intuito de contestar o poder de Roma. Faltavam provas. Diante da insistência do comando do Sinédrio e por Jesus ser natural de Nazaré, cidade da Galileia, jurisdição de Herodes, encaminhou-o ao rei. Pilatos queria se livrar do incômodo.

Diante de Herodes, Jesus foi apresentado como Rei dos Judeus. O monarca constituído sabia da origem real de Jesus, era incontestável, mas o rei era ele. Jesus nunca cobrou publicamente o direito ao trono. Já pesava sobre Antipas a morte de João Batista, que repercutiu muito negativamente no seio popular. Jesus também manteve-se calado diante de Herodes, que também não viu nenhum motivo para matá-lo e encaminhou-o novamente a Pilatos.

Avisado por sua esposa Cláudia, Pilatos tentou remediar de todas as formas a morte de Jesus. A mulher do prefeito disse que sonhara com Jesus e que estava certa de que ele era um homem justo e inocente. O mandatário romano estava ciente de que tudo não passava de perseguição do comando do Sinédrio, que via seu poder aviltado e em perigo pela popularidade crescente de Jesus.

Pôncio cometera um erro anteriormente com o Sinédrio e o povo ao entrar em Jerusalém com imagens do imperador Tibério. Os hebreus eram totalmente avessos ao culto de imagens. O incidente causou um grande estrago nas relações entre Pilatos e o Sinédrio, que reclamou diretamente a Roma pelo comportamento do prefeito. Pilatos queria evitar choques culturais para não desgastar sua relação de confiança com o monarca romano.

A condenação forçada

Pilatos estava pressionado pelo Sinédrio que forçava a execução de Jesus. Tudo tinha que acontecer rapidamente, o sabat, dia do descanso semanal obrigatório dos judeus, estava chegando. Caifás e Anás precisavam garantir a condenação de Jesus o mais rápido possível.

Tentando demonstrar algum conhecimento da cultura hebraica e numa última tentativa de libertar Jesus, Pilatos propôs que se consultasse o povo para um exercício de misericórdia. Durante o pessach, um preso era libertado.

Mandou que trouxessem Barrabás. Pilatos acreditava que poderia se livrar de dois problemas de uma vez só: libertar Jesus e condenar Barrabás com a anuência popular. Mas a tentativa saiu completamente fora do controle.

Alguns especialistas do tema acreditam que os líderes do Sinédrio estavam prontos para tudo e levaram uma claque para garantir que Barrabás recebesse a aclamação popular. Foi uma eleição pela consulta do povo para quem morria e quem deveria ser liberto. Pilatos errou mais uma vez em sua aposta e foi obrigado a mandar executar o nazareno.

Como último ato, tentando demonstrar que fizera tudo para libertar Jesus e que não tinha culpa sobre a decisão, lavou as mãos. O simbolismo era um ato de tradição judaica. Mais uma vez, Pilatos encenou para demonstrar que conhecia e respeitava os costumes, jogando para a plateia. A expressão foi incorporada pela população e é muito usada quando se quer abster ou eximir-se de alguma responsabilidade.

A aplicação da pena


A crucificação era a forma mais humilhante de aplicação da pena de morte pelos romanos aos seus inimigos. O costume fora absorvido dos cartagineses, mas há relatos que os persas praticavam esse tipo de condenação antes de Cartago.

Não era comum que os condenados fossem pregados a cruz. Normalmente, eram amarrados pelos braços e pernas. Antes, os condenados eram flagelados para acelerar a morte, que se dava por asfixia, com o cansaço e o peso do corpo, pendia a cabeça e não conseguiam mais respirar. Era uma morte com muito sofrimento. Apenados mais resistentes tinham as pernas quebradas para que perdessem a sustentação e morressem mais rapidamente.

Os crucificados não eram enterrados. Ficavam dependurados na cruz até terem seus corpos totalmente descarnados pelas aves de rapina e outros animais. O lugar onde Jesus foi crucificado chamava-se Gólgota, em aramaico significa caveira. Em latim, calvário. O local era repleto de crânios e outros ossos de condenados. A cruz foi incorporada como símbolo maior do cristianismo muitos anos depois, durante a Idade Média.

Jesus faleceu por volta das 15h e foi sepultado rapidamente. Tudo tinha que ser feito com brevidade, pois ao anoitecer iniciava-se o sabat para os hebreus, não podendo ser realizada mais nenhuma atividade, muito menos de enterro. O envolvimento de Nicodemos e José de Arimateia com o serviço fúnebre de Jesus custou-lhes uma grande perseguição pelo Sinédrio, que iniciou uma grande caça aos seguidores do nazareno.

Da perseguição à aceitação política

Como tudo o que é reprimido e tem grande aceitação popular, um dia acaba provocando alguma atitude revolucionária ou é absorvida como cultura. Menos de 300 anos após a morte de Jesus, Roma adotou o cristianismo como sua religião oficial, depois de perseguí-los e martirizá-los aos milhares.

Através do imperador Constantino, sob a influência de sua mãe cristã, Helena, os romanos esqueceram o paganismo politeísta, destruíram suas imagens e cultos para absorver o cristianismo, em 312 d. C. 

Roma era dominada pelos cristãos há anos e o imperador se viu obrigado ao ato. 

Helena viveu muitos anos em Jerusalém e mandou construir grandes igrejas nos lugares sagrados para os cristãos.

Jerusalém, em tradução literal do hebraico, significa habitação da paz. A cidade da paz é um território de conflitos constantes há milhares de anos. Disputada por judeus, cristão e mulçumanos, sua população vive sempre em alerta para um possível ato de violência de algum grupo fundamentalista que age em nome de Deus.

Atualmente, cerca de 1/3 da população mundial professa alguma das ramificações cristãs. A versão católica é a mais popular e o seu sumo sacerdote, o papa, é uma autoridade política com influência planetária – chefe do menor Estado do mundo, o Vaticano, encravado no seio de Roma.

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