A juventude nunca foi de esquerda

Um dia desses uma criatura bastante conhecida da sociedade postou em seu twitter que estava abismada com o crescente número de jovens com posicionamento de direita, em nosso país. A pessoa referia-se a juventude que vai às ruas protestar contra o atual governo. Como se isso fosse um ato de direita. E o pior, que o governo fosse de esquerda. Não necessariamente, cara pálida!

A tal criatura está muito mais a defender sua escolha político-partidária em detrimento de uma acusação totalmente sem sustentação, do que propriamente avaliando mudanças sob um prisma míope e embaçado. Antes de apresentar minhas observações à respeito da colocação, que considero infeliz e tendenciosa, vamos lembrar o que significa ser de esquerda ou de direita pelo prisma histórico e as modificações que a sociedade vem implantando recentemente, propondo um novo modelo de avaliação de tendência política.

Desde a Revolução Francesa

Quando a Assembleia Constituinte francesa discutia os caminhos a tomar em pleno desenrolar da revolução, século XVIII, as tendências progressistas, de centro e conservadoras foram conceituadas pelo lugar onde cada uma dessas inclinações políticas se dispunha em relação a mesa dos trabalhos.

Sentados à direita, representantes do que restara da aristocracia, defendiam o fim do processo revolucionário, fechando questão com as conquistas alcançadas e promulgando a nova constituição, imediatamente. Queriam limitação de votos apenas aos ricos. O ranço absolutista tentava sobreviver.

Pretendiam frear o avanço da revolução para resguardar ao máximo possível os interesses da alta burguesia. Temiam uma maior radicalização das mudanças. O grupo ficou conhecido como girondinos. Provavelmente por grande parte de seus elementos serem oriundos da região da Gironda.

Já os esquerdistas, acomodados no lado oposto aos girondinos, confrontavam na discussão defendendo mais avanços e acesso às camadas menos abastadas aos benefícios conquistados. Entre outras coisas, queriam a abolição imediata da escravidão e direito a voto aos pobres.

Divididos entre jacobinos e cordeliers, a grosso modo, notabilizaram-se basicamente pela não aceitação da participação feminina em seu grupo (os primeiros) e a permissão da mulherada no ingresso à discussão política. Embora unidos na radicalização da revolução republicana, já é uma boa diferença dentro de uma mesma tendência.

Aliás, quem militou ou milita em partidos políticos de esquerda, sabe que o que mais se vê é uma endêmica repartição de grupos que rivalizam para fazer valer suas crenças e bandeiras de lutas. Muito bonito do ponto de vista democrático, mas creio que pulveriza a unidade e fragiliza a força, gerando querelas que deixam muitas sequelas.

Nada mais é que uma busca insana pelo poder e a dominação pela divergência, quando poderiam se unir mais por aquilo em que convergem ideologicamente. Fortificando-se pela intersecção, do que é comum aos dois lados, e não fragmentando-se por vaidades de variações intelectuais, muitas vezes mínimas.

E ainda havia os centristas. Abancados entre as duas tendências, ora estavam inclinados para um lado, ora estavam apoiando o lado oposto. Aqui usamos a expressão “ficar em cima do muro”, quando não se quer tornar parte de uma posição bem definida.

Nos dias de hoje

De forma bem didática, são de esquerda aqueles que defendem ações de políticas públicas sociais e econômicas que visam ampliar o acesso aos benefícios de uma sociedade mais equânime, diminuindo as diferenças aguçadas pelo capitalismo ou, mais radicalmente, eliminando o sistema vigente para implantar outro com uma organização social onde todos estariam nivelados, com distribuição igualitária do bolo.

A direita faz um trabalho de manutenção do sistema vigente, que acaba beneficiando as diferenças sociais e aumentado o poder de opressão dos mais ricos sobre os mais pobres, seja pelo viés econômico, político e/ou sociocultural. O termo conservador é assinalado com propriedade para definir os que querem manter ou pouco avançar no estreitamento do estrato social.

Os de centro permanecem com o papel de sempre. Nem muito ao céu, nem muito à terra. Nem carne nem peixe. Nem branco nem preto. Ou qualquer outra alegoria que sirva para exemplificar uma grande gama de pessoas e grupos políticos que acompanham a direção que o vento aponta mais forte, como uma biruta. Moderados moderadores dos passos trôpegos da humanidade que caminha tocada por quem tem a coragem de ser protagonista.

Mudanças que poucos notam

Mas toda a conceituação que simplificava os posicionamentos políticos e suas bandeiras precisam ser revistos. O mundo contemporâneo vem implementando novos vetores que se acrescentam aos já existentes, promovendo alterações ainda não muito claras para quem não está atento às mudanças que se operam.

Na Europa, principalmente, partidos que preconizam a sustentabilidade, os piratas e afins, motivam uma revisão na conceituação. Nem direita, nem esquerda, nem centro, nem o “muito pelo contrário”. O poder se encaminha para além da ordem estabelecida. Além de eleitos e eleitores. Novos protagonistas e suas causas passam a margem do que está posto.

O tempo e o distanciamento vai deixar mais evidente a transformação que está em andamento. Por enquanto, é difícil tornar tudo claro analiticamente. Mas vamos observar fatos que estão na pauta e tentar decifrá-los. Provavelmente, eles têm funcionado como facilitadores das alterações. O mundo procura uma nova acomodação para uma sociedade que se renova, independente dos que estão com a caneta e traçam os rumos ditos “normais” às condutas políticas.

Fatores da metamorfose sociopolítica

O mundo tomou outro rumo com o advento da internet, fato que todos sabem. Só não se imaginava que a metamorfose seria tão rápida. A grande rede não seria sozinha capaz de fazer esta transformação. Teve a ajuda de dois outros fatores que aceleraram a aldeia global “profetizada” por Marshall McLuhan, trinta anos antes de sua chegada, no livro Understanding Media – 1964.

As redes sociais online concluíram as conexões culturais previstas pelo pensador canadense, eliminando fronteiras geopolíticas e fazendo o mundo acessível ao clique de um enter. Estamos nivelados. Não há como deter, pelo menos por muito tempo, uma valoração hierárquica. As relações foram horizontalizadas.

Tudo acontece na velocidade extrema do que é pontual. Celebridades nascem e desaparecem num átimo. Reputações são construídas ou destruídas na velocidade da luz. Antes de se dar conta de sua extensão, uma informação é compartilhada e dá voltas pelo mundo virtual, atravessa oceanos, galga cordilheiras, cruza continentes, rompe idiomas e estabelece uma verdade absoluta ou pulveriza uma mentira volúvel.

O terceiro fator é o dispositivo móvel de comunicação. Mais conhecido como smartphone, tornou-se a arma mais poderosa do planeta. Capaz de derrubar ditadores em questão de dias, servindo de máquina de mobilização, transmissão de fatos através de imagens em real time e tomando dos clássicos veículos de comunicação o protagonismo da notícia.

Gilberto Gil registrou musicalmente o começo do processo de transmutação social. Poeticamente, como é de sua renovada lavra, cantou em Parabolicamará: “Antes mundo era pequeno porque Terra era grande. Hoje, mundo é muito grande porque Terra é pequena. Do tamanho da antena...”

O protagonismo na social media

A necessidade inerente de se comunicar, contida na alma do ser humano, encontrou todos os fatores para projetar uma nova sociedade e anda a passos largos, estabelecendo uma nova formatação. Internet, redes sociais e smartphone são apenas acessórios que materializam o desejo que vem do tempo das cavernas.

Desde os primeiros rabiscos nas paredes de pedra, que registraram pictoricamente o que nos é relevante e precisa ser compartilhado, sempre sonhamos em construir este novo estrato refletido na social media dos tempos de hoje. Twitter, facebook, instagram e whatsapp concentram um anseio de razão antropológica desde que o homo sapiens resolveu sair da condição de figurante entre os demais viventes.

A nova ágora, publica e dá publicidade a uma infinita gama de assuntos. Com cerca de 1,5 bilhão de assinantes no mundo, sendo que aproximadamente 70% deles fazem uso diário, o facebook auxilia o tão ambicionado projeto do ser humano ser protagonista de sua história.

No Brasil, cerca de 100 milhões de perfis são acessados e vêm mudando o norte e a forma de fazer política, com consequências imprevisíveis. Que o diga o ex-titular da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Thomas Traumann.

No final de março último, ao revelar que os robôs que faziam o impulsionamento do conteúdo favorável do governo foram desligados, veio à tona a importância indiscutível da presença na social media. Já a ausência, no caso governamental, é avaliada como um dos principais fatores da vertiginosa queda de popularidade da presidente e avaliação negativa de sua administração. Claro que é bem mais que isso.

Tudo é agravado ou valorizado pela instantaneidade facilitadora dos smartphones, que já são mais numerosos do que a própria população. Quase 80% dos brasileiros acessam o facebook através dos smarts. A combinação condiciona as redes sociais como o grande catalizador das vontades humanas, inclusive políticas. A #hashtag dá o tom do que precisa subir para os trending topics. Cazuza, em uma releitura, poderia dizer: “ideologia, eu quero uma # para escrever”.

Desde a eleição de Barack Obama em 2008, que transformou sua fragilidade de capilarização política impulsionando sua plataforma de campanha através do twitter, todos nós podemos. Yes, we can! Mais do que um slogan, a expressão ampliou todas as possibilidades, servindo de multiplicador e potencializador das mudanças em andamento.

A Primavera Árabe tocou fogo no Oriente Médio

16 de dezembro de 2010 – uma data que pode não dizer nada, à princípio, para muita gente. Mas, daqui a algum tempo, os historiadores vão se referir a ela como o começo de tudo, aposto todas as minhas fichas que vão. Trata-se do start do protagonismo político na social media, partindo dos oprimidos e com resultados espantosos.

Há menos de cinco anos, um anônimo jovem tunisiano de 26 anos, resolveu atear fogo ao próprio corpo, vindo a morrer no dia 4 de janeiro de 2011. Mohamed Bouazizi, vendia frutas pelas ruas de Túnis, capital da Tunísia. Ao ter seus produtos confiscados, sendo proibido de comercializá-los, foi a sede do governo para reavê-los, mas não teve sucesso. Apelou para a autoimolação encharcando-se de gasolina e acendendo um fósforo, que resultou em queimaduras por 90% do seu corpo.

Bouazizi nunca imaginara que ia acender o estopim da Primavera Árabe, mesmo tendo iniciado em pleno inverno no hemisfério norte – é uma referência à Primavera de Praga. O jovem deixou uma mensagem de perdão à sua mãe no facebook, que aqueceu a revolta e destruiu a ditadura disfarçada de república, a 23 anos no poder.

Uma série de protestos iniciados dois dias após o ato desesperado de Mohamed gerou uma crise institucional, levando centenas de pessoas à morte e milhares à prisão. Encerrando em 14 de janeiro, com a deposição do presidente Ben Ali, que exilou-se na Arábia Saudita.

Durante mais de um ano, as chamas acesas na Tunísia varreram o Oriente Médio, derrubando ditadores, balançando governos e mudando para sempre a relação política na região. Com a força mobilizadora das redes sociais, usada para organizar os movimentos, o planeta era atualizado com imagens que nenhum veículo de comunicação poderia fazer com o realismo vibrante do que é instantâneo.

A pressão da opinião pública da comunidade mundial inseriu outros grupos ligados aos direitos humanos para defender os oprimidos e forçou a ONU a tomar atitude e mediar os conflitos com os opressores. O mundo árabe viveu dias de assombro e tomou providências. Umas, abrindo o regime e amenizando a opressão. Outras, reprimindo mais ainda possíveis ameaças, fechando o acesso às redes sociais. Cada um se vira como pode.

O certo é que o mundo nunca mais foi o mesmo. Governantes entraram no jogo e aprenderam a grande lição. Hoje, estão mais presentes do que nunca na social media. Avaliando-se, promovendo-se e monitorando permanentemente a repercussão de seus atos e tendências de uma sociedade em mutação. É na rede que está a verve comunicadora milenar do ser humano político.

A juventude nunca foi de esquerda

A história tem nos forçado a crer que os jovens optam pela esquerda. Nós, brasileiros, em nossa pueril democracia, principalmente. Na verdade, o comportamento da juventude é luminar. Sempre em busca da contestação da ordem estabelecida, mais ainda se ela for opressora, o espírito juvenil leva a lanterna na vanguarda dos acontecimentos. Portanto, também não é de direita, muito menos de centro.

Por aqui, vivemos um momento em que a esquerda trabalhista perdeu-se pelas veredas e desencaminhou-se em seus propósitos e compromissos anteriormente assumidos. Embora tenha tentado fazer uma distribuição de renda, acabou se rendendo ao pragmatismo político para a manutenção do poder.

O preço de unir-se ao que há de mais retrógrado na política brasileira é muito alto. Está custando o descrédito nas bandeiras proletárias. Não se reconhece mais a esquerda brasileira. Ela misturou-se de forma tão homogênea ao que passou a vida toda combatendo, antes de chegar ao poder, que está igual ou pior do que seus antigos opositores.

Aliados aos seus anteriores algozes, justificando a busca pela governabilidade, deixaram passar a oportunidade de fazer as mudanças estruturais que o país sonhava. Com seus anseios oníricos confiados a eles, as reformas, política, administrativa, tributária e afins ficaram para depois. O depois ficou cada vez mais distante e agora vivem o reflexo do atraso na nostalgia do que queriam fazer e não fizeram. Virou um pesadelo. Agora é tarde!

A juventude brasileira, como em todo lugar, quer avanços. Onde não se vê diferença na saúde, educação e segurança, entre outros preceitos de interesse público, não se pode mais apoiar a quem chama para si o esquerdismo. A perda de confiança faz com que a contestação vá por caminhos mal interpretados por quem está aboletado nos cargos comissionados, achando que os jovens vão continuar crendo no que nunca viram.

Reflitamos. Quando a esquerda trabalhista brasileira chegou ao poder, em 2003, quem estará habilitado a votar no ano que vem tinha apenas 3 anos. Neste ínterim, nunca viram um volume tão intenso de denúncias de corrupção. Não há em nossa história nada que se compare com a roubalheira institucionalizada que é mostrada diariamente em todos os veículos de comunicação, refletindo fortemente nas redes sociais.

A juventude brasileira não tem elementos para ler diferente do que vê. Embora o partido que está no governo central tenha nascido de ideais esquerdistas, atualmente, não representa mais estes ideais. Associando-se a partidos clientelistas, virou farinha do mesmo saco e foi engolido por eles. Os jovens não podem estar com o que foi, mas com o que é. Se o governo foi esquerda, ficou no passado. Dizer que hoje é de centro/esquerda, talvez seja até generoso. O centro encaixa-se muito mais.

A juventude nunca será de direita

Nem de esquerda. Nem de centro. A mocidade é a dianteira de todas as boas causas que necessitam de sua força pujante. Leia-se que juventude é muito mais do que idade púbere. Trata-se de um estado de espírito calcado pela busca incessante do novo ou da renovação. Enquanto houver neste mundo algo que precisa ser mudado para melhor, lá estarão os jovens de todas as idades cheios de alegria, esperança e disposição no frontline.

O partido que foi para o segundo turno das eleições presidenciais do ano passado não se engane. Se teve o apoio maciço de jovens, como nunca antes, não foi por sua representatividade política, mas por ser a opção que restou ao enfrentamento do desgastado e corroído discurso que não representa mais o novo. Muito menos a esquerda. Menos ainda a mudança que queremos.

A juventude contemporânea brasileira está apoiando manifestações e faz seus protestos, desde as Jornadas de Junho de 2013, em busca de novos caminhos, como sempre o fará. Independente de quem queira se apropriar do discurso de esquerda ou direita, os jovens permanecem à frente de posicionamentos políticos hoje simplórios e totalmente desprovidos da representação de seus anseios.

A nova sociedade que se desenha busca a luz no fim do túnel, inclusive de conceitos políticos mais adequados à transformação que intercorre. Não há esquerda nem direita que se encaixe neste processo de metamorfose. Mas não se sabe como será.

Muitos, achando que há uma possível despolitização da juventude, acaba a desdenhando. É muito perigoso subestimar quem tem a ânima a flor da pele. Como acentua o grupo Charlie Brown Jr. em “Não é sério”: “Eu vejo na TV o que eles falam sobre o jovem não é sério. O jovem no Brasil nunca é levado a sério. Sempre quis falar. Nunca tive chance. Tudo o que eu queria estava fora do meu alcance...”

A diferença entre a juventude e quem está na zona de conforto é que o medo não a paralisa. Talvez lhe traga até mais motivação, com ansiedade, para ver o que está atrás da porta que se abre. O que falta-lhe em experiência, sobra-lhe em coragem. A juventude tem vocação para o progresso e se alimenta da alegria do recomeço. O novo sempre vem!

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