SÓ FALTA VOLTARMOS AO TEMPO DOS JUMENTOS

Falta de transporte escolar prejudica alunos (Foto: Gustavo Almeida/PoliticaDinamica.com)

Até alguns anos atrás, não existia transporte escolar no interior do Piauí. Os estudantes que moravam longe das unidades escolares, muitos deles crianças entre 6 e 12 anos, iam para a escola a pé, de bicicleta ou de jumento. Eu vi de perto essa realidade. Muitos dos meus colegas dos tempos do primário, na querida escola da Fundação Ruralista, no interior do município de Dom Inocêncio, iam para a aula por meio dessas modalidades de transporte.

Era início dos anos 2000. Alguns percorriam até 10 km por carreiros no meio da caatinga ou por estradas de chão para poderem chegar à escola. Como a escola da Fundação Ruralista, coordenada pelo saudoso Padre Lira, tinha muita rigidez e ordem, ninguém podia chegar atrasado, nem sequer cinco minutos. Se chegasse, fazia o caminho de volta e não estudava naquele dia. Só entrava no dia seguinte, com a presença dos pais para dar explicações.

Alguns colegas vinham do Caititu, do Sítio do Meio, outros do Poço Danta, outros da Barra da Vereda. Na época, era absolutamente normal não ter transporte escolar. Ninguém reclamava porque era algo natural nos interiores. Quando a aula terminava, alguns desamarravam seus jumentos, outros pegavam suas bicicletas e iam embora. Os que moravam razoavelmente perto, a menos de quatro quilômetros, chegavam a ir caminhando pelas estradas.

Com o passar dos anos, as coisas foram evoluindo. Ao final da década de 2000, o transporte escolar passou a chegar. Aos poucos, a cena dos alunos andando montados em jumentos ou percorrendo estradas de bicicleta foi deixando de existir. As prefeituras e o governo do Estado passaram a oferecer o transporte escolar. Por lei, a verba é destinada para esse serviço e o poder público tem a obrigação de ofertar o transporte aos alunos. Obrigação!

Ocorre que no Piauí essa obrigação do Poder Público tem sido desrespeitada e o direito dos estudantes ao transporte digno vem sendo negado. Desde o ano passado, temos visto milhares de alunos em muitos municípios do Piauí deixarem de frequentar as aulas por falta de transporte escolar. Em 2018, o Política Dinâmica fez uma reportagem especial no sertão do Estado mostrando essa realidade. O descaso ocorre nas esferas estadual e municipal.

É verdade que quando não existia o transporte oferecido pelo poder público, os meninos iam para a escola de qualquer jeito, fosse de jumento, a pé ou de bicicleta. Mas isso, em hipótese alguma, pode ser usado para relativizar o descaso e a incompetência de um governo que deixa faltar o serviço nos dias de hoje. Atualmente, existe dinheiro para essa finalidade e não há justificativa plausível para que alunos sejam prejudicados por falta de transporte.

Hoje, estudantes e pais de família de vários municípios do Piauí denunciam esse problema. Em alguns casos, o ano letivo começou há quase dois meses e muitos alunos estão perdendo aula pelo desleixo e pela irresponsabilidade administrativa. Na rede estadual, o problema tem se repetido nos últimos anos. Em algumas cidades, existe uma espécie de “pactuação da incompetência”, pois tanto município quanto Estado falham na oferta do serviço.

O pior é que não se aprende com os erros, ou melhor, não se abre mão de praticar o descaso. Os graves problemas no transporte escolar ocorreram em 2017, em 2018 e se repetem em 2019. Até quando vamos conviver com essa situação vexatória? Até quando teremos gestores sem compromisso com a educação e com o futuro das nossas crianças e adolescentes? Aonde essa negligência vai parar? Pelo visto, só está faltando voltarmos ao tempo dos jumentos.

Comente aqui