PF VERIFICOU PROVAS QUE RESULTARAM EM CASSAÇÃO

Decisão narra uso de obras com fins eleitoreiros (Fotos: Jailson Soares/PoliticaDinamica.com)

O processo da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) que resultou na cassação da prefeita de São Raimundo Nonato, Carmelita Castro (Progressistas), contém 85 vídeos, 163 fotos e um áudio onde moradores relatam terem recebido benesses da Secretaria de Defesa Civil durante a campanha eleitoral de 2016. A pasta era comandada à época por Hélio Isaías, marido da prefeita e então candidata. As gravações foram periciadas pela Polícia Federal em Brasília.

Carmelita e Hélio, no entanto, contrariam a perícia da PF e alegam que as gravações teriam sido forjadas e adulteradas. Na decisão do juiz da 13ª Zona Eleitoral de São Raimundo Nonato, são listadas diversas obras e ações da Secretaria Estadual de Defesa Civil em comunidades da zona rural do município, justamente nas semanas que antecederam a eleição. A principal é a abertura de poços tubulares de forma deliberada nas comunidades.

No entanto, a sentença também apresenta reforma e construção de barragens com máquinas da Defesa Civil; entrega de postes, canos PVC e tijolos; doação de caixas d’água com logomarca do DNOCS; implantação da rede de água em localidades; contratação sem licitação, por parte da Defesa Civil, de empresas para instalar sistemas de abastecimento em áreas rurais; distribuição de cestas básicas e filtros; obras de calçamento, etc.

Segundo a decisão, todas as ações eram anunciadas por aliados como sendo através de Hélio Isaías e Carmelita. Alguns vereadores eleitos em 2016 também foram cassados.

ATÉ A PROCURADORIA DO ESTADO PERCEBEU

Na decisão, o juiz cita que a Secretaria de Defesa Civil contratou, com dispensa de licitação e em plena campanha eleitoral, a construtora Olho D’Água LTDA-ME para implantar o sistema de abastecimento de água na localidade Pé do Morro. A contratação ignorou até mesmo um parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE), que não encontrou justificativa plausível para a urgência e a dispensa de processo licitatório.

No parecer, o então procurador-geral Plínio Clerton foi contra a contratação direta, como queria [e quis] Hélio Isaías. O procurador converteu o parecer em diligência e devolveu para a Defesa Civil pedindo o mínimo de justificativa para provar a necessidade da urgência e da dispensa. No parecer, Plínio afirmou: “Dizer simplesmente que há estiagem na região, ou que esse evento persiste há anos, é afirmação que não se reveste de concretude necessária à demonstração da emergência preconizada pela exceção legal”.

Procurador estranhou pressa e falta de argumentos (Foto: Reprodução/Decisão13ªZona)

Mesmo assim, conforme a decisão, Hélio Isaías homologou a dispensa de licitação em 20 de setembro de 2016, sem registro de que o processo tenha voltado à análise da Procuradoria. Dois dias depois, já com ordem de serviço emitida, ele contratou a construtora Olho D'Água para que a empresa executasse as obras em plena campanha. A decisão judicial ainda registra que o dono da empresa Olho D'Água tem vínculo de parentesco com a prefeita Carmelita Castro e com Beto Macêdo, seu candidato a vice.

Na decisão, juiz chama atenção para presença de Hélio no local (Foto: Reprodução/Decisão13ªZona)

DEFESA CIVIL FAZENDO CALÇAMENTO

Outro ponto que chamou atenção do magistrado foi a execução de várias obras de calçamento por parte da Secretaria Estadual de Defesa Civil no povoado São Vítor, em pleno período eleitoral. Para os denunciantes, esse tipo de obra não tem qualquer relação com as finalidades da Defesa Civil e foram feitas sem critérios técnicos ou legais que a embasem. A construtora Umbuzeiro Ltda-ME executou os serviços de pavimentação.

A Umbuzeiro Ltda-ME é de propriedade de um parente de Carmelita. Entre outras suspeitas de irregularidades, a decisão judicial aponta que não foi apresentado documento que autorizasse intervenção do Estado em área de titularidade do município, ou seja, a obra de calçamento feita pela Defesa Civil, um órgão estadual, teria que ser autorizada formalmente pelo município, à época governado por adversários de campanha de Hélio Isaías e Carmelita.

Hélio fez calçamento sem aval do município (Foto: Jailson Soares/PoliticaDinamica.com)

Em parecer emitido pela PGE, o procurador geral destacou a necessidade da autorização. “Por se tratar de bens de titularidade do municipal, de uso comum do povo, deve-se juntar aos autos ato que autorize a intervenção do Estado em tais bens, como um convênio entre Estado e município”. No entanto, mesmo com o parecer, o calçamento foi feito sem o convênio, o que, nas palavras do juiz, reforça a tese de uso eleitoreiro de obra pública.

A sentença narra ainda que, além de São Raimundo Nonato, contratações sem licitação no período de campanha aconteceram para reformar barragens nos municípios de Dom Inocêncio e Bonfim do Piauí, onde candidatos apoiados pelo deputado e então secretário Hélio Isaías disputavam as prefeituras.

POLÍCIA FEDERAL CONFIRMA

Carmelita e Hélio Isaías têm afirmado que nas gravações que constam nos autos do processo, as pessoas teriam sido induzidas a falar inverdades. O material foi encaminhado à Superintendência da Polícia Federal em Teresina, que remeteu as gravações para a PF em Brasília. Após a perícia, a PF constatou que as pessoas não foram forjadas a falar, conforme consta na decisão de 34 páginas que cassou o mandato da prefeita.

“Verifica-se em muitos diálogos a confirmação da interferência de políticos, inclusive de candidatos, para a concessão de benefícios às comunidades, em plena campanha eleitoral. Dos referidos diálogos, inclusive, pode-se extrair narrativas espontâneas sobre atuações e promessas de investigados para a obtenção de benefícios para determinadas comunidades ou pessoas. Ainda que os entrevistadores tenham ocultado sua identidade, por ocasião dos diálogos gravados, não resta em absoluto prejudicada a seriedade das palavras das pessoas entrevistadas” diz um trecho da sentença.

Polícia Federal periciou gravações do processo (Foto: Reprodução/Decisão13ªZona)

PRÁTICAS POLÍTICAS CONDENÁVEIS

Na 26ª página da sentença que cassou Carmelita Castro e decretou a inelegibilidade de Hélio Isaías por oito anos, o juiz Mário Soares de Alencar, que proferiu a decisão, faz uma reflexão sobre como políticos se aproveitam das mazelas sociais e econômicas para tirarem proveito e interferirem na escolha política das pessoas mais carentes.

"Não há dúvida de que a situação de maior fragilidade econômica, infelizmente ainda típica nas regiões assoladas pela seca, abre espaço propício ao exercício arbitrário dos poderes econômicos, especialmente com promessas ou concessões de benefícios às pessoas mais carentes, com o fim de determinar sua inclinação política. O próprio estado de necessidade econômica e carência de recursos essenciais à sobrevivência digna, como a água potável, leva a divisar um campo propício ao cultivo de práticas políticas condenáveis", assinalou o magistrado.

O Ministério Público Eleitoral foi favorável à cassação de Carmelita. Tanto ela quanto o deputado Hélio Isaías, que teve inelegibilidade decretada por oito anos, negam as acusações. A ação foi movida pela coligação “A Força do Povo”, encabeçada por Avelar Ferreira, candidato derrotado por Carmelita em 2016 numa acirrada disputa. Ele alega que o resultado da eleição, cuja diferença foi de apenas 2,14% dos votos válidos, foi alterado com o que considera ter sido uso da máquina estadual a favor de Carmelita.

A prefeita vai recorrer da decisão e, enquanto isso, permanece no cargo.

Comente aqui