AUDITOR FEDERAL FAZ REVELAÇÕES SOBRE EMPRÉSTIMO

Auditor do TCU contesta decisão de Kennedy e vê Jailson Campelo levantar impedimento de fala como membro da Rede de Controle (Foto: Jailson Soares/PoliticaDinamica)

Em uma sessão plenária razoavelmente tensa, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) julgou, nesta quinta-feira (5), improcedente um embargo interposto pelo Ministério Público de Contas. No recurso, o MPC pedia a derrubada da decisão do conselheiro Kennedy Barros favorável à liberação da segunda parcela do empréstimo de R$ 600 milhões do governo do Piauí com a Caixa Econômica Federal. O MPC apontou "omissões e obscuridades" na decisão e pedia que o relator determinasse a suspensão da segunda parcela da operação de crédito até que a análise das prestações de contas no âmbito do TCE fosse concluída.

QUASE IMPEDIDO DE FALAR
No julgamento, chamou atenção a fala do auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) e membro da Rede de Controle, Helano Müller Guimarães. Mas, por pouco a explanação dele não aconteceu. É que logo que foi anunciada a fala, o conselheiro substituto Jailson Campelo apresentou questão de ordem. Para Campelo, o auditor federal não poderia falar como membro da Rede de Controle. Até poderia fazê-lo, se quisesse, como cidadão comum. O conselheiro alegou que a Rede de Controle, um organismo composto por representantes de diversos órgãos de fiscalização, não tem personalidade jurídica e não é parte no processo.

Conselheiro Jailson alegou questão de ordem (Foto: Jailson Soares/PoliticaDinamica.com)

Após intensa discussão, foi dado o direito de fala ao auditor, mas na condição de cidadão, como propôs Campelo. Ao iniciar, Helano Guimarães lamentou a decisão do tribunal. Para ele, tolher sua fala enquanto membro da Rede de Controle é retroceder décadas. Ele fez questão de que fosse registrada em ata a "profunda decepção" pela postura do colegiado. O auditor lembrou que, ao falar como cidadão, fica exposto a represálias e chegou a mencionar que o procurador-geral do Estado, Plínio Clêrton, na sessão, foi até ele e disse que se ele falasse como cidadão poderia se prejudicar. Helano apontou o episódio dizendo que preferia não encará-lo como ameaça, mas fez questão de relatar o que ouviu do procurador.

O EXEMPLO DO CREME DENTAL
Destemido, o auditor mesmo assim resolveu falar e explicou porque entende que a decisão de Kennedy Barros favorável à liberação da segunda parcela do empréstimo foi "nociva" ao estado do Piauí. Segundo ele, as falhas apontadas pelos técnicos do TCE são gravíssimas e passou a relatar elementos para embasar a opinião. Ele lembrou que o empréstimo será pago pelas próximas três gestões estaduais e que trata-se de uma grande operação de crédito, tendo que ser encarada com máximo rigor. O auditor voltou a trazer à tona a anulação de empenhos liquidados e pagos.

Auditor representa o TCU na Rede de Controle (Foto: Jailson Soares/PoliticaDinamica.com)

"A anulação de empenhos, parcial ou total, é permitida. Imagine que o TCE faz um empenho de R$ 100 mil para, por exemplo, pagamento de diárias. Chega no final do ano e está lá o empenho com saldo de 20 mil. Ele pode anular? Pode, pois não vai usar. Mas ele anula só os R$ 20 mil, porque os R$ 80 mil já foram liquidados e pagos. Mas o Estado não. O Estado anulou empenhos liquidados e pagos. É querer colocar a pasta de dente de volta pro tubo. Isso não existe. Não dá", exemplificou.

Para ele, não existe nenhum permissivo constitucional, legal ou contratual que permita aquilo que o governo convencionou chamar de "reversão de fonte", devendo a ação claramente configurar ato de improbidade administrativa, conforme suspeita o Ministério Público Federal no âmbito do inquérito civil que apura o caso. Com base no relatório de auditoria, o MPF classifica como gravíssimas as suspeitas no uso da primeira parcela do empréstimo.

O MPC, por meio do procurador-geral Leandro Maciel, queria a derrubada da decisão de Kennedy Barros (Foto: Jailson Soares/PoliticaDinamica.com)

FARRA DOS CALÇAMENTOS
O auditor apontou que a prestação de contas apresentada pelo governo do Estado à Caixa, cuja análise ainda não terminou, traz 456 itens, dos quais quase 400 são obras. Ele lembra que a informação inicial é que seriam cerca de 60 obras, quase todas de grande porte, mas houve alteração posterior por parte do governo. Muitas das obras inseridas, a maioria calçamentos nas cidades, tiveram várias fontes de recurso, o que dificulta a fiscalização.

"Não é só ir lá na obra e ver se ela foi feita ou não. Tem que saber qual parcela da obra está vinculada àquela fonte. Eu tenho aqui a relação das mais de 400 obras, a maioria calçamento em paralelepípedo. Isso é de uma gravidade enorme", falou o auditor federal lembrando que, em outros casos, concorrências para obras com paralelepípedo foram suspensas no TCE por conta de superfaturamento nos preços.

EMPRESA DA FAMÍLIA DE RAFAEL FONTELES
Um dos pontos mais graves apontados por Helano Guimarães foi o pagamento, com recursos da primeira parcela do empréstimo, de serviços que não são obras, inclusive para uma empresa ligada à família do então secretário de Fazenda Rafael Fonteles. Segundo ele, na prestação de contas entregue à Caixa consta o pagamento de R$ 9,6 milhões para o Instituto Premium, numa aquisição de "plataforma educacional de preparação para o Enem".

Rafael Fonteles comandava a Fazenda (Foto: Jailson Soares/PoliticaDinamica.com)

"Tudo isso está fora do objeto do contrato. Não são obras estruturantes, mas está na prestação de contas apresentada e pré-analisada. Nesse item 'plataforma educacional de preparação para o Enem' foi pago mais de R$ 9 milhões para o instituto Premium. Essa empresa, até novembro de 2014, tinha como sócios Isabel Eulálio Araújo Fonteles, o ex-secretário de Fazenda Rafael Tajra Fonteles e o senhor Francisco da Costa Araújo Filho, que é sogro do ex-secretário. No dia 24 de novembro de 2014, o doutor Rafael e a doutora Isabel foram excluídos da composição acionária e repassada a parte para Adriano Silva Portela. Mas o senhor Francisco continuou como sócio. Claramente é uma empresa familiar", falou.

O auditor afirma que a questão é muito grave e deve ser investigada. Ele entende que o TCE não poderia ter dado aval para a liberação de outra parcela [que ainda não chegou porque está suspensa por determinação da Justiça Federal]. "No mínimo há um conflito de interesses. Foram pagos recursos de um empréstimo que tinha como finalidade obras estruturantes para uma empresa de propriedade do sogro do secretário de Fazenda. Isso tem que ser aprofundado porque foi pago com dinheiro do empréstimo, segundo as informações prestadas pelo próprio governo do Estado à Caixa", explicou.

Além do pagamento para o Instituto Premium, Helano relatou que a primeira parcela do empréstimo de R$ 600 milhões serviu para pagamentos a empresas de consultoria relacionadas à área da educação. Foram R$ 6 milhões em pagamentos de consultorias, R$ 4,2 milhões para supervisão de obras, R$ 17 milhões em pagamentos de empresas de tecnologia, R$ 567 mil para aquisição de material permanente mobiliado e R$ 144 mil para aquisição de um laboratório de ciências.

Secretário de Planejamento Antônio Neto e procurador Plínio Clêrton ouviram a fala do auditor (Foto: Jailson Soares/PoliticaDinamica.com)

O QUE DIZ A DEFESA DO ESTADO?
Ao Política Dinâmica, o procurador do Estado Plínio Clêrton disse que não sabe de onde o auditor tirou a informação de que parte do dinheiro do empréstimo foi usada para pagar o instituto ligado à família de Rafael Fonteles e ressaltou que essa discussão não está no objeto do processo. Para ele, o relato de Helano Guimarães tem o propósito de criar um fato.

"Isso não é objeto do processo e nem de conhecimento do relator. Não sei de onde ele tirou essa informação e nem se ela procede. No relatório da Dfeng (Diretoria de Fiscalização de Obras e Serviços de Engenharia) não diz nada sobre isso. Essa informação deve ser criação do pessoal daquela Rede de Controle. Estranhei esse tipo de comportamento. O contrato do instituto Premium foi firmado em 2013, na gestão do Átila na Secretaria de Educação", falou.

Plínio destacou que Rafael Fonteles não faz mais parte do quadro societário da empresa e que a presença do sogro dele como sócio não impede o instituto de firmar contratos com o governo do Estado. "Pelo que sei, o sogro dele é um homem muito rico, dono de muitas empresas. O estado não vai deixar de transacionar com um empresário porque ele é sogro de um secretário. O que não poderia era uma empresa do Rafael ter contrato com a pasta que ele comandava", defendeu o procurador.

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