A INEFICÁCIA DO ESTADO MATA NO SERTÃO

Modalidade de poço cacimbão, muito comum no Nordeste (Foto: Reprodução/Internet)

Ninguém é cego a ponto de deixar de reconhecer que a realidade mudou muito no semiárido nordestino nos últimos anos. Essa mudança se deu tanto por ações governamentais bem sucedidas quanto pelo avanço que naturalmente se conquistaria após a alteração de diretrizes econômicas na década de 1990. Apesar disso, ainda falta muito para que uma parcela considerável da população do semiárido nordestino tenha uma vida digna.

Um exemplo disso aconteceu aqui no Piauí no dia 16 deste mês. Três homens morreram quando trabalhavam em um poço cacimbão no município de Guaribas, a 653 km de Teresina. Justamente lá, onde o Fome Zero lançado por Lula em 2003 foi piloto. Após 16 anos, muitos tentam passar a ideia de que tudo mudou. Mudanças, de fato, aconteceram, mas a realidade ainda é dura naquelas bandas. Não apenas lá, mas em várias outras regiões do país.

Os homens morreram quando retiravam terra do fundo do poço cacimbão, uma modalidade de poço rústico profundo. Henrique Pires, deputado estadual do MDB no Piauí, lamentou que em pleno século XXI pessoas ainda morram no Estado enquanto lutam para conseguir água. Não é objetivo aqui "babar" nenhum político, mas a indignação do deputado deveria ser a indignação de todos. É inadmissível que o Piauí ainda protagonize cenas como essa.

Salvo algumas ações, até mesmo de iniciativa particular, é preciso admitir que o Poder Público tem sido ineficaz na luta contra os efeitos da seca. O drama de quem vive nas regiões secas se repete todos os anos, embora a escassez de chuvas seja uma realidade de séculos. Avançou-se em muitos lugares, mas em outros ainda há muito o que fazer. Na mesma região onde fica Guaribas, obras que poderiam amenizar a falta de água estão paradas no tempo.

A badalada adutora do Sertão, que beneficiaria dezenas de municípios do Sul do Piauí, nunca saiu do papel. A adutora Padre Lira, um homem lutou 60 anos contra os efeitos da seca, está abandonada e sem conclusão. Para o poder público, não há pressa em resolver o problema das regiões secas, historicamente usadas como garimpo de votos em tempos de eleição. Num país onde milhões descem no ralo da corrupção, não há prioridade para o sertão.

Obras estão abandonadas no semiárido (Foto: Gustavo Almeida/PoliticaDinamica.com)

O livro "O Quinze", de Rachel de Queiroz, lançado em 1930 sobre o drama da seca de 1915, menciona a "labuta do dia, a preguiça da vida, da eterna luta com o sol, com a fome, com a natureza". Para quem vive em algumas partes do semiárido, a labuta ainda é incessante. Os sertanejos que morreram no poço em Guaribas eram protagonistas dessa luta, a da busca por água. Passados 104 anos da realidade de O Quinze, ainda é preciso avançar muito.

No Piauí, um dos Estados mais castigados pela seca na região Nordeste e considerado um dos mais pobres do país, o orçamento para propaganda na gestão estadual é maior que o orçamento da Secretaria de Estado da Defesa Civil, pasta que concentra a maior parte das ações de enfrentamento aos efeitos da seca. Em 2018, por exemplo, o orçamento da Comunicação foi de quase R$ 35 milhões, enquanto o da Defesa Civil ficou em 25 milhões.

Enquanto não houver prioridade do Poder Público, seja ele municipal, estadual ou federal, o drama da escassez de água ainda vai perdurar por muito tempo. Enquanto gestores se orgulharem da quantidade de carradas de água que os carros-pipa distribuem no semiárido, o drama ainda vai existir. Enquanto a omissão for regra, sertanejos ainda vão precisar sofrer, arriscar a vida e, na pior das hipóteses, até morrer, em busca de água. O exemplos estão aí.

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