IMÓVEL PÚBLICO, INTERESSE PRIVADO E ATIVISMO POLÍTICO

Imóveis do Governo Federal por todo o Brasil já estão sendo negociados após o presidente Jair Bolsonaro sancionar a Lei 14.011 de 2020 no último dia 10 de junho. A nova legislação, que busca fazer caixa para os cofres do Governo Federal, vai estimular muita gente a sair de trás da “moita da especulação”, principalmente em terrenos de marinha.

Parte dos imóveis da União que despertam mais atenção são exatamente aqueles localizados em litoral.

OS IMÓVEIS DO LITORAL

No litoral do Piauí já são 4 imóveis constando como autorizados para venda. Três deles em Parnaíba e um em Luís Correia. De outros 13 imóveis no Piauí, que já estão em fase de prospecção, 5 também são no litoral. É possível encontrar as informações no site www.imoveis.economia.gov.br.

O litoral do Piauí é hoje um dos mais valorizados do País. Segundo o empresário Francisco Jurity, por isso mesmo, muitas vezes as terras do norte do estado são alvo de grilagem e especulação imobiliária. Ele acredita que, com a nova lei, seja possível estimular os investimentos e passar a limpo a posse irregular de áreas.

Jurity enxerga com estranheza terrenos da União servirem a lucro privado sem contrapartida social e privando nativos de Barra Grande de acesso a cemitério (foto: Facebook)

Ele aponta como sendo estranha, por exemplo, a existência de uma área de 57 hectares, sem uso, no coração do litoral de Barra Grande, localizada entre as pousadas de luxo Manatí e a BobZ.

A área pertence à Construtora Estrela da Manhã, e mede exatamente 579.362,00 m2. Para se ter uma ideia da dimensão, esse terreno é 10 vezes maior que a área ocupada por outra pousada bastante conhecida ali, a BGK. No sistema do Patrimônio da União, o regime de utilização do terreno pela Estrela da Manhã é o de aforamento, ou seja, a União é dona do terreno, mas a construtora tem o domínio útil do local.

No mesmo sistema do Patrimônio da União a área está avaliada em R$ 13,6 milhões, mas não constam as coordenadas exatas do terreno. Francisco Jurity aponta que o valor atual de mercado do local seja algo em torno de R$ 50 milhões e acredita que uma terra tão grande, que seja da União, já deveria estar gerando benefícios à população.

Observando as áreas de empreendimentos conhecidos da região, é possível ter uma idéia da grandeza do terreno da União sob responsabilidade da Construtora estrela da Manhã (foto: GoogleMaps)

O Política Dinâmica entrou em contato com André Baia, diretor executivo da Construtora Estrela da Manhã. Segundo ele, a empresa tem o registro do imóvel e escrituras anteriores ao ano de 1945. E por isso seu caso não se enquadra de forma alguma na lei sancionada pelo presidente Bolsonaro, embora a lei vise exatamente arrecadar dinheiro – algo em torno de R$ 3 bilhões -- com a remissão de foro de 300 mil imóveis espalhados pelo Brasil. A remissão neste caso significa a compra do domínio pleno da União, fazendo com que o patrimônio passe a ser exclusivo do morador ou empresário.

DESAPROPRIAÇÃO E ESPECULAÇÃO

Jurity lidera uma iniciativa popular que pede a desapropriação de parte desse terreno, por motivos sociais. Nesse terreno existe um cemitério secular. “Eles [responsáveis pela Construtora Estrela da Manhã] queriam remover os jazigos para outra área. Os nativos não aceitaram. Aquela área é do povo da barra Grande e da Barrinha. Os nativos estão tentando um acordo com intermédio do Ministério Público, mas não está avançando”, comentou.  

André Baia não quis responder pergunta do Política Dinâmica sobre o interesse social no terreno ou em fração dele.

Documento do Patrimônio Geral da União aponta regime de aforamento para uso do terreno da União pela Construtora Estrela da manhã (foto: SIAPA)

A especulação também preocupa Jurity. “Há décadas empresários e nativos investem o que podem sem esperar por governos. E tudo o que é feito nessa região, direta ou indiretamente está valorizando esse terreno da União. Aliás, eu já procurei e nunca vi o registro daquele imóvel, que deveria ser um documento público”, frisa.

Já em 2011, André Baia anunciava a construção de um resort em Barra Grande com um investimento inicial de R$ 15 milhões de reais. E naquele mesmo momento, contava que o Governo do Estado iria investir na infraestrutura local com acesso e a adutora do litoral. Até hoje, nada.

Hoje, constam como benfeitorias na área a construção de 4 casas e um galpão, que juntos somam apenas 722 m², equivalente a 0,1% do terreno. “Não há investimentos significativos diante do tamanho nem do valor do imóvel. Pode até não ser, mas que tem cara de mera especulação com área da União, isso tem”, pondera Jurity.

AMIGO DE GENTE IMPORTANTE

Outros dois empresários, um dono de pousada e outro dono de restaurante que pediram para não serem identificados, concordam com essa visão. Um deles diz que boa parte do empresariado local é incomodada com a situação – que o desenvolvimento local é prejudicado pela especulação --, mas não demonstram nem denunciam com receio de haver mais problemas.

André Baia é apontado por ele como “um cara simpático, que tem uma conversa boa e leva todo mundo no papo”. Lembra ainda que “nos tempos do PT no Governo Federal, era Deus no céu e Lula na terra”. E completou “e ele, claro, o rei do Minha Casa Minha Vida”.

Este mesmo empresário aponta a mudança radical de postura do colega com certa ironia. “Acho que foi no final do ano passado ou começo deste ano, li em algum lugar que ele [André], tinha lançado a candidatura do governador Wellington Dias (PT) para presidente em 2022. Aí veio esse coronavírus, não sei se ele pegou e 'desajustou' alguma coisa na cabeça dele, mas de repente ele se pegou com essa ‘coisa’ de ativista político do [presidente Jair] Bolsonaro e movimentos de direita, diz que tem contato com [o ministro da Economia] Paulo Guedes. Então é claro que os nativos que querem a desapropriação lá da área do cemitério no terreno dele têm medo de algum tipo de represália caso se manifestem. Ele é amigo de gente importante. E nós, empresários, não queremos confusão de política, não queremos essa ‘loucura radical’ (sic) dele atrasando as coisas por aqui. A Barra Grande é o contrário disso, é tranquilidade. Quem vem aqui -- e nossa economia depende do turista -- quer só tranquilidade. Então ninguém denuncia nem reclama abertamente”, desabafou um deles.

Na primeira foto, André Baia se confraterniza com Lula e Wellington Dias; na imagem do meio, em 2019, ao lado de Paulo Guedes; na terceira foto se manifesta sobre reforma da previdência (fotos: redes sociais)

O segundo empresário que não quis seu nome revelado na matéria lamenta que a Construtora Estrela da Manhã esteja simplesmente obtendo lucros privados com a valorização de um terreno que é da União a partir de investimentos públicos em infraestrutura e privados simplesmente por vizinhança, sem contrapartida significativa em geração de empregos ou distribuição de renda.

“A gente sabe que especular não é crime, embora não deixe de ser muito injusto do ponto de vista social. Agora eu digo a você, quando vejo essas entrevistas do André e olho 20 anos de especulação com terreno público sem uso social, tenho certeza: taí mais um igual aos outros, pura hipocrisia, pontuou.

O espaço do Política Dinâmica está aberto para qualquer manifestação dos citados.

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