Câmara dos Deputados tenta indicar ministros ao Supremo

Instalada há duas semanas por articulação direta do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), uma comissão especial tenta desenterrar proposta de emenda constitucional (PEC) que muda o processo de indicação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e cria mandato de 11 anos para os magistrados da mais alta Corte do país. A PEC, que acaba com o poder exclusivo do presidente da República de indicar os ministros, é criticada por integrantes e ex-integrantes do STF. Além disso, a comissão especial tem em sua composição dez deputados com pendências no Supremo. A lista inclui até o presidente da comissão, deputado Arthur de Oliveira Maia (SD-BA), alvo de inquérito pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro.

A proposta é tratada na Casa como mais uma investida para retirar poderes da presidente Dilma Rousseff no STF, junto com a chamada PEC da Bengala, que amplia de 70 para 75 anos a data da aposentadoria compulsória dos ministros. O objetivo dessa proposta — já aprovada no Senado e em primeiro turno na Câmara — é impedir Dilma de nomear cinco ministros para o STF até o fim de seu mandato.

A comissão tem 27 deputados titulares, dos quais 24 já foram indicados, e fará o debate de mérito de sete propostas já aprovadas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Entre as propostas estão a fixação de mandato para os ministros e a possibilidade de pelo menos parte das indicações ser feita pelo Congresso ou pelo próprio STF. Arthur Maia disse que Eduardo Cunha já pediu “pressa” nos trabalhos da comissão.

No Supremo, a proposta em debate na nova comissão não é bem-vista. O ministro Marco Aurélio Mello criticou a discussão na Câmara e disse que, para ele, o modelo atual, com indicação da Presidência da República e sabatina pelo Senado, é o mais adequado. Marco Aurélio destacou ter havido evolução no processo e brincou sobre o jeito como as sabatinas eram realizadas no passado.

— As últimas (sabatinas) foram levadas bem a sério. A da ministra Rosa Weber, por exemplo. Assim deve ser. Quando meu nome foi levado para a Comissão (de Constituição e Justiça do Senado), foi uma passagem relâmpago. Talvez, se tivessem me questionado um pouco mais, eu não tivesse assento no Supremo — disse, bem-humorado.

O ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto avaliou que uma mudança na forma de escolha pode até ser considerada inconstitucional. Para Ayres Britto, a Constituição determina a separação entre os Poderes, e, por isso, o processo não pode ser concentrado apenas no Legislativo, por exemplo, com indicação direta do Congresso:

— Não vai faltar quem diga que esse tipo de competência da Presidência para fazer a indicação, e a do Legislativo para fazer a sabatina, são cláusula pétrea. Alterar fere o âmago, a essência do princípio da separação dos Poderes.

Ayres Britto defendeu como aperfeiçoamento do sistema apenas a fixação de mandato para os ministros, uma das possibilidades em debate. Para ele, isso deixaria o tribunal mais “arejado”.

Dos dez parlamentares da comissão pendurados no STF, quatro já são réus. Dagoberto (PDT-MS) responde por peculato e crime contra o sistema financeiro. Benito Gama (PTB-BA) e Fernando Jordão (PMDB-RJ) são réus por crimes eleitorais. Marx Beltrão (PMDB-AL) responde a processo por falsidade ideológica. Outros quatro parlamentares — Márcio Alvino (PR-SP), Pedro Uczai (PT-SC), Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) e Luís Tibé (PT do B-MG) — são investigados por crimes como peculato, lavagem de dinheiro, concussão, crimes contra a lei de licitações, apropriação indébita previdenciária e falsificação de documento público. Simão Sessim (PP-RJ) foi acusado pelo doleiro Alberto Youssef de receber propina no escândalo da Petrobras, sob investigação na Operação Lava-Jato.

Arthur Maia, presidente do colegiado, é investigado no STF junto com outros dois deputados que não fazem parte da comissão: João Carlos Bacelar Batista (PTN-BA) e Ronaldo Carletto (PP-BA). A origem do processo é um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que reuniu informações sobre movimentações atípicas realizadas por Maia e os outros dois deputados.

— Não tenho nenhuma dificuldade de tratar disso. É coisa que eu espero que esteja arquivada em dois meses — disse Maia ao GLOBO.

Ele afirmou não ver problema no fato de deputados com pendências no STF discutirem regras de escolha dos ministros que poderão julgá-los:

— Não vejo como isso pode influenciar a decisão da comissão.

O parecer da comissão especial será levado ao plenário da Câmara, e os deputados só poderão fazer alterações com base em propostas que tiverem sido apresentadas como emendas na comissão.

Fonte: O Globo 

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