​Sustentabilidade na Informação - Um cavalo mais rápido

Steve Jobs costumava dizer que “não faz parte do trabalho do consumidor descobrir o que ele quer”, e com esse pensamento ergueu o fenômeno Apple, que tradicionalmente oferece produtos que nós nunca sentimos necessidade de possuir até que eles apareçam em uma caixa branca custando o triplo do salário médio de um brasileiro. Essa afirmação faz referência à famosa máxima atribuída a Henry Ford: “Se eu perguntasse a meus compradores o que eles queriam, teriam dito que era um cavalo mais rápido”. Ford, vocês sabem, deu nome a um modelo de produção, gestão e consumo capitalista tão importante que mereceu ser eternizado por Chaplin e ainda hoje se mantém atual.

Uma sociedade habituada a ter suas preferências pautadas não por opiniões formadas deliberadamente e com base em vivências e percepções pessoais, mas pelo lucro que gera pra indústria, é uma sociedade rentável. E bem, o capitalismo adora o cheiro de tinta fresca saindo da casa da moeda. Onde há dinheiro, meus caros, há comércio. Mas em se tratando de ideias, quem vende? Quem compra? Qual a moeda de troca? A regra de Ford, atualizada por Steve Jobs, é clara: dê a eles o que querer e eles irão pagar o que for preciso para que seus (nossos?) anseios sejam atendidos.

Minha avó já dizia que o costume de casa vai à praça e, tendo em vista que, na fase adulta, um trabalhador brasileiro cumpre jornada de pelo menos 40h semanais em média, acho que seria razoável modernizar o velho ditado para “o costume do trabalho vai à casa, à praça, assiste ao jornal no horário nobre e vai às ruas protestar”. É assim que o costume de gerar lucro – seja para o cara com bigode grosso sentado na salinha fechada ou para uma entidade invisível e abstrata como o Estado – leva um país inteiro a investir numa ideia e defendê-la como criação própria, exatamente como fazemos diariamente ao defender os interesses de nossos patrões.

Num momento em que existe uma movimentação global de reavaliação dos sistemas penitenciários, o Brasil traz à tona uma contenda já superada em muitos níveis, fazendo com que 200 milhões de pessoas voltem suas atenções para uma juventude tão vulnerável quanto seu futuro. São eles que representam uma parcela da população suficientemente pequena para não ser responsabilizada pelo resultado das eleições, como ocorre a cada quatro anos com norte e sul, mas grande o bastante para cometer crimes em número suficiente para deixar o país mais populoso da América Latina em estado de alerta.

A receita para essa equação (que não fecha), eu apresento em três grandes atos:

Ato 1: Dê a eles uma quantidade crível de delitos cometidos por menores de 18 anos, nem tão grande que configure manipulação, nem tão pequena que passe imperceptível, mas sem muita informação quantitativa. Eu sugeriria uma média de uma infração leve a cada quinze dias e uma grave por mês, sem esquecer de destacar a experiência numa realidade completamente diversa, mas que tenha ocorrido num país que serve de modelo ideal a ser seguido. Vejamos... Estados Unidos, por exemplo.

Ato 2: Deixe que eles nos tragam alguns números confusos, desatualizados, sem muita fonte de informação definitiva e deixe que eles concluam o quanto precisam que esses dados sejam confirmados. Eles ainda não sabem, mas apontaram o sinal luminoso no céu e a salvação está por vir.

Ato 3: Assim como Ford não deu cavalos mais velozes, mas carros que correm pra lá e pra cá, e Jobs nos deu não a aproximação afetiva a que nos referíamos, mas tecnologia suficiente para que o afeto seja secundário, nós daremos a eles não o que pediram, um dado definitivo, assertivo, fidedigno sobre se a criminalidade de jovens infratores é realmente um problema social urgente. Nós daremos a eles a informação definitiva, assertiva, fidedigna sobre quanto eles estão adequados e alinhados com o senso comum. E o senso comum, nós bem sabemos, é que a voz do povo é a voz de Deus.

Nós consumimos carros, tecnologias e informação. E em todos os casos precisamos ler o manual de instruções, repensar até que ponto as demandas individuais e coletivas partiram realmente de uma conclusão sobre o mundo que nos cerca ou são apenas resposta a um estímulo minuciosamente calculado para justificar ações que beneficiam interesses privados. Quem ganha com a redução da maioridade penal? Eles vendem o medo, nós compramos a ilusão de segurança e a moeda utilizada é uma legislação motivada por informações unidimensionais, cheias de juízo de valor e previamente planejada para nos convencer de que precisamos dela.

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