A falácia do desenvolvimento humano

Dois séculos atrás parecia simples: se os pobres deixassem de ser pobres, não precisariam roubar; se todos pudessem pagar por uma educação de qualidade, não teríamos mais ignorantes; se não temos mais ignorantes, não seremos mais enganados. Bem, na matemática é costumeiro que, como contra-prova, tentemos fazer o caminho inverso das contas. E aí é que um pensamento forçadamente linear se mostra fraco. Não faz sentido que uma vez que as pessoas estudem e eliminem sua ignorância elas passem a valorizar a vida em comunidade e entendam que explorar os menos favorecidos é um belo de um tiro no pé – do contrário a escravidão não seria um assunto superado.

Por que mesmo após o PAC, o aumento do PIB e a saída do país do mapa da fome nós não estamos felizes? Parece que nós nunca vimos tantas obras no país, mesmo naqueles lugares onde achávamos que não tinha mais pra onde crescer. Parece também que se multiplicaram os investimentos em áreas básicas, que abriram mais concursos, que o salário mínimo deu um salto, que viajamos mais do que antes, que nossos gestores têm à sua disposição um caixa infindável para realizarem seus caprichos. Então por que, ainda assim, nós seguimos reclamando de corrupção, de violência, de educação?

Buscando um olhar mais crítico, eu tento me distanciar emocionalmente da situação. Nesse sentido, é encantador ver que passamos de subdesenvolvidos para em desenvolvimento. É encantador, é falacioso e não deixa de ser verdade. A concentração dos esforços para administrar o coletivo é focada em teorias que não estão assim tão distantes do período pré Princesa Isabel, esperando somente que possamos produzir mais poder econômico (mas só pra alguns). Não houve esse dia em que nossos senhores perceberam que eram cruéis e por isso decidiram nos alforriar. Mas houve o dia em que eles perceberam que morríamos muito cedo, que poderíamos viver mais iludidos e por mais tempo para produzir mais e por mais tempo. E depois houve o dia em que perceberam que poderíamos também ser melhor treinados para produzirmos melhores coisas – e por mais tempo. Por isso hoje temos políticas voltadas para o desenvolvimento econômico, mas que têm se mostrado cada vez menos eficazes em nos proporcionar a tão famosa qualidade de vida.

O que temos são tentativas de assegurar quase todos os direitos básicos e, embora capengas, desconfio que ajustar as pontas soltas não mudaria nada de fato. Ou então não teríamos casos de criminalidade nas classes mais abastadas (http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2015/04/jovem-bebado-que-atropelou-ciclista-no-df-e-solto-apos-pagar-fianca.html), por exemplo. E veja bem, não me refiro à aplicação da lei, mas é que parece que resolvidos os problemas econômicos, todos os outros sequer aconteceriam. Entretanto, o trabalhador no coletivo às 18h não vai conseguir chegar a tempo de dar o jantar do seu filho, igualzinho o cara ali no ar condicionado da sua BMW.

Seriam os vinte e três mil mensais (http://transparencia.gov.br/servidores/Servidor-DetalhaRemuneracao.asp?Op=1&IdServidor=1933971&bInformacaoFinanceira=True) que seduzem alguém a almejar – e mais de uma vez até! – a função máxima do executivo? Até porque é possível citar alguns cargos aqui no Brasil com menos exposição que pagariam mais do que isso. Eu duvido. Assim como também custo acreditar que a motivação para atingir as cadeiras do legislativo ou do judiciário. A riqueza monetária serve como a cortina de fumaça para desviar do verdadeiro alvo. Por um visão mais otimista eu diria que o foco é o desejo de mudar ou de ajudar, mas só consigo ser realista ao perceber que a cobiça é por comandar, é o poder. E pro poder tanto faz você ter onde morar e o que comer. Ao poder, só interessa se ele pôde determinar exatamente quando e como você vai fazer essas coisas. E o dinheiro é um instrumento perfeito para tocar a música conforme a qual todos nós dançaremos.

Todos os anos o jornalismo dedica algumas páginas para apresentar os índices de desenvolvimento, esse número que posiciona nosso país e municípios numa realidade paralela. Bom, o mínimo que países de primeiro mundo teriam que fazer depois de tirar tudo que o hemisfério sul e oriente tinha, era se manter no topo do ranking, considerando que o fator econômico tem grande peso na construção desse indicador.

A saída possivelmente está em enxergarmos um pouco além do PIB e do IDH. Irmos além do valor monetário das coisas, uma vez que o aumento meramente do potencial de compra não tem nos permitido vislumbrar a melhora dos demais fatores. Você pelo menos vai pensar um pouco sobre o que restaria das nossas florestas, rios e da população escrava na China se todos nós pudéssemos e quiséssemos comprar um celular de 3 mil reais e trocar por um mais caro todos os anos. Paulistanos poderiam explicar muito bem o que acontece quando você ignora o fator ambiental em suas obras, ainda que pague caro por elas, ou como contornar o paradoxo da mobilidade urbana. Não seria novidade, afinal, repensar os conceitos de progresso (http://politicaexterna.com.br/1510/mensuracao-desempenho-economico-e-progresso-social-discutindo-comissao-stiglitz-sen-fitoussi/).

Fato é que quando o dinheiro é o problema, o buraco é um pouco mais embaixo (http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/05/150512_grecia_jeitinho_dinheiro_fn), e nós não sabemos o que é isso realmente, pelo menos por enquanto. A grande questão é onde investir o dinheiro. Nesse ponto, políticas públicas não encontram no financiamento seu obstáculo intransponível, mas sim a maneira de gastar o dinheiro fazendo algo que pareça tão caro quanto custou. Com a visão unidimensional e econômica do crescimento, patinaremos por muito tempo até que algo satisfaça a nossa sede de viver bem.

Comente aqui