O VERDADEIRO ESPETÁCULO

Em Castelo do Piauí, alunos levados no pau de arara (Foto: Jailson Soares/PoliticaDinamica)

O discurso de crise no Brasil se intensificou nos últimos anos. É um discurso que parte principalmente da própria classe política que diariamente alega dificuldades e carência de recursos. Quase todos os dias vemos gestores públicos reclamarem da escassez de verbas e da queda de receitas. De fato, dificuldades existem, mas não podemos ser ingênuos de aceitar esse discurso em tudo. A crise existe, mas a pilantragem é bem maior.

Uma prova disso está aqui no Piauí. Enquanto milhares de estudantes são transportados em paus de arara e outros milhares sofrem com a falta total de transporte escolar, um grupo criminoso, segundo a Polícia Federal, roubou R$ 50 milhões do transporte escolar em apenas dois contratos de locação. Em APENAS dois contratos! O valor desviado daria para comprar 200 ônibus escolares nos padrões exigidos pelo Ministério da Educação.

A investigação da Operação Topique ainda mostrou que, enquanto meninos e meninas dos rincões piauienses sofrem sem ter como ir para a escola, pessoas colocadas em cargos estratégicos dentro da Secretaria de Educação do Piauí recebiam dinheiro, casas, carros e até apartamentos em troca de beneficiar empresas para fraudar licitações e deixar alunos sem transporte. Eles ganhavam apartamentos e os jovens piauienses desistiam de estudar.

Carros de carroceria transportam alunos no PI (Foto: Jailson Soares/PoliticaDinamica.com)

Os autores dessa rapinagem no dinheiro do transporte escolar têm seus filhos matriculados em colégios de alto padrão na capital, onde um carro, muitas vezes de luxo, vai deixar e pegar todos os dias. Roubando o dinheiro público, esse pessoal sequer lembra que existem meninos e meninas no interior à espera de um carro para poder ir à escola. Os que roubam o dinheiro do transporte roubam também o futuro de muitos piauienses.

Querer que o cidadão aceite discurso de crise quando se sabe que contratos são superfaturados em no mínimo 40%, como apontou a PF, é achar que o povo é besta. Aliás, para muitos ladrões de colarinho branco o povo é visto como besta. Com frequência, vemos reportagens mostrarem o descaso com o transporte escolar e não raro o Poder Público alega dificuldades, demora por conta da burocracia em licitações e outras desculpas esfarrapadas.

Sem transporte, alguns até desistem de estudar (Foto: Gustavo Almeida/PoliticaDinamica)

A grande verdade é que não falta dinheiro para a maioria das coisas. O que falta é compromisso e vergonha na cara. E essa falta de vergonha persiste mesmo diante dos fatos. Enquanto a Polícia Federal desarticula a organização criminosa, setores atolados nela até o pescoço tentam se vitimizar, alegando perseguição e tentando tapar o sol com a peneira. Falam em espetáculo, mas o único espetáculo que se revela é o da roubalheira.

As pessoas apontadas como partícipes dessa organização criminosa terão amplo direito à defesa, como manda o ordenamento jurídico. Mas, independentemente disso, é notável que existe algo muito errado no serviço de transporte escolar no Piauí. Não se justifica alunos de comunidades rurais distantes, longe dos holofotes, ficarem um semestre inteiro sem transporte. Não se justifica, em pleno ano de 2019, a existência de tantos paus de arara.

Alunos levados em paus de arara no Piauí (Foto: Jailson Soares/PoliticaDinamica.com)

Quem conhece bem a realidade do interior sabe que até algum tempo atrás os paus de arara eram opção indispensável diante das dificuldades de logística em muitas áreas rurais do país. Hoje em dia, não são mais. Não se pode relativizar a existência de um transporte escolar nessas condições precárias quando se tem recursos carimbados para garantir transporte adequado e leis que assegurem esse direito aos estudantes da rede pública e suas famílias.

É esse espetáculo repugnante que precisamos combater. É esse espetáculo que precisa sair de cartaz no Piauí. Queremos o espetáculo da boa educação e do respeito com o futuro dos nossos jovens. Para que ele exista, é preciso acabar, antes, com o espetáculo da roubalheira.

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