ERA PRA SER DIFERENTE

O que deveria ser acesso dos prefeitos ao governador, por meio de Gil Carlos, se tornou uma gestão que impede prefeitos de pressionar Wellington Dias por obras e contas atrasadas (foto: Jailson Soares | PoliticaDinamica.com)

Três prefeitos do interior do Piauí procuraram o Política Dinâmica. Estavam motivados pela indignação. Com repasses de transporte escolar e cofinanciamento da Saúde nos municípios atrasados, gestores se sentem duplamente desamparados: sem apoio do governo e sem representatividade por meio da Associação Piauiense de Municípios.

“Não era para estarmos aqui falando sobre isso. Era para o Gil estar lá no pé do governador falando por nós todos!”, exclamou um gestor do Médio Parnaíba, mais exaltado. Ele se referia ao presidente da APPM Gil Carlos, prefeito de São João do Piauí, do PT. O acusam de fazer corpo mole diante do governador Wellington Dias, do mesmo partido. “Era para os prefeitos terem mais acesso ao governador por meio dele, que é do mesmo partido. mas a gestão do Gil virou obstáculo. Ele só tira foto e faz vídeo pra colocar no nosso WhatsApp, mas resolver, não resolve. Quem ele acha que engana? Aqui não tem menino!”, emendou.

Alguns minutos depois, mais calmo, o gestor quis gravar a entrevista em vídeo. Os outros dois que o acompanhavam insistiram que não o fizesse. Achando que a teimosia do colega seria maior que a prudência, um deles ensaiou retirar-se da sala. Por fim, entraram num acordo: explicariam o contexto juntos, mas só um gravaria a entrevista, em áudio, para resguardar o site. Sem nomes.

COFINANCIAMENTO

O porta-voz assegurou que a indignação não cabia na sala onde era entrevistado. E o motivo não são (apenas) as milhares de ordens de serviço assinadas pelo governador que viraram piada corriqueira nas rodas de conversa. O grupo aponta que o cofinanciamento da Saúde — apoio financeiro que o Estado deveria dar aos Municípios para custear estratégias de atenção básica e outros atendimentos do setor — está atrasado há meses.

“Se juntar o que [o Estado] deve a todas as prefeituras desde 2016, [o valor total] passa de R$ 100 milhões. Se a gente pudesse, devolvia todos esses hospitais pro governo. É impossível para gente segurar sozinho”, calcula o prefeito.

Ele conta, confiante, mais de uma centena de prefeitos que se arrepende de ter eleito Gil Carlos para presidente.“Posso lhe garantir que se fosse hoje, esse Gil não ganhava [eleição] nem pra vigia do prédio da APPM”, esbravejou, contando rapidamente — e nominando — pelo menos uma dúzia de gestores com os dedos das mãos como exemplo.

“Ele queria era ser deputado desde o começo. Uma vez vi ele contar vantagem de ser até senador. O processo de cassação arrebentou com ele. Agora, só sobrou essa babação do governador”, justificou. A fala se refere ao processo de abuso de poder político e econômico, referente às eleições de 2016, que chegou a tirar Gil da cadeira de prefeito por alguns dias, por decisão da primeira instância, mas terminou arquivado no Tribunal Regional Eleitoral.

Em meio às críticas, abriram parênteses para elogiar o senador Ciro Nogueira, do Progressistas. Um dos três se filiou ao partido depois de 2016. “É onde tem prefeito escapando, é lá. Se não fosse o dinheiro que o senador Ciro põe na Saúde, a gente estava morto”, avaliou o escolhido, voltando a subir o tom da fala.Ciro foi citado como "boia salva-vidas" dos prefeitos, que se viram abandonados pela gestão de Wellington Dias (foto: Marcos Melo | PoliticaDinamica.com)

TRANSPORTE ESCOLAR

Outro grande problema para as gestões municipais é, hoje, o atraso no pagamento do transporte escolar. Os três estão há 4 meses pagando o transporte escolar exclusivamente com recursos municipais. “Então diminuímos os carros, a quantidade deles, agora tem D-20 carregando criança no lugar de ônibus. Nem na cidade dele [referindo-se a Gil Carlos], ele tem moral para fazer o governo pagar”, explica.

No caso específico de São João do Piauí, os prefeitos revelam que houve, há algumas semanas, uma grande confusão com o pessoal que realiza o transporte. É a cidade natal da primeira-dama e deputada federal Rejane Dias, também do PT. Lá, ela é votada pelo prefeito.

Para facilitar a manutenção do transporte escolar em São João do Piauí mesmo com as parcelas do governo atrasadas, Gil teria ajudado a reunir empresários do setor para garantir abastecimento num posto de propriedade de Lúcio Dias, primo do governador (foto: Facebook.com)

Em certa ocasião, por conta de uma visita de Rejane, contam os prefeitos, Gil teria ajudado a reunir os donos de transporte escolar e garantir combustível no Posto Coelho Dias, localizado na Av. Candido Coelho, no centro da cidade. O posto é de propriedade do empresário Lúcio Dias e o sobrenome não é coincidência: é primo do governador. “Mas tu acha que alguém vai trabalhar só pelo combustível? O pessoal quer o dinheiro! E essa história de esperar empréstimo, a gente sabe que é enrolada”, frisou.

INVERSÃO DE PAPÉIS

Os gestores lamentam que Gil esteja atrapalhando os prefeitos, enquanto representa os interesses do governador diante dos prefeitos. “Se o governador não colocar essas contas em dias antes das eleições, depois da campanha é que não bota mesmo. Por isso os prefeitos estão todos de ‘bracinho cruzadinho’. Pode ganhar até ganhar, tá sem adversário, mas trabalhar por ele, ah!, meu amigo, tá ruim”, alardeou.

Os três apontam que a APPM tem que “sair das mãos de Gil Carlos”, para que haja a possibilidade de negociar em 2019 caso Wellington Dias seja reeleito. “O presidente já está articulando, pedindo voto para se reeleger. Vai trair o Jonas [Moura, prefeito de Água Branca], que é vice e ia ser presidente se o Gil fosse candidato. Tinha um acordo, agora não tem mais”, revela o prefeito.


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