A FRAUDE QUE VAI FAZER ANOITECER O DIA

[A matéria foi atualizada em 21/06/2022 com uma nota de esclarecimento da Junta Comercial do Piauí ao final do texto]

Uma gaveta da Junta Comercial do Piauí (JUCEPI) engoliu o processo que é uma verdadeira bomba-relógio. Esses documentos fazem parte de fraudes que envolvem uma herança no Piauí, cartórios no Maranhão, empresas privadas espalhadas pelo Brasil, órgãos públicos, bancos oficiais, cifras milionárias e todas as digitais de um advogado bastante conhecido: Einstein Sepúlveda, eleito conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Piauí em 2021. Eleito, mas não empossado.

Figura influente sob os holofotes e também nos bastidores do Judiciário, o advogado Einsten Sepúlveda está no meio de uma confusão sem tamanho envolvendo documentos falsificados em empresas que ele defende e vão ter que se explicar para as autoridades além de uma herança que ele pode ter prejudicado (foto: reprodução)

CADÊ A DECISÃO DA JUCEPI?

Apesar de toda a modernização exposta em propaganda oficial, a JUCEPI sob o comando de Alzenir Porto não está dando conta de despachar um pedido de desarquivamento de atos de alteração societária em empresas que tinham como sócio o empresário José Luiz de Paiva Igreja II, conhecido como “Segundo”.

Alzenir Porto é presidente da Federação Nacional das Juntas Comerciais (Fenaju), mas não tem sido vista despachando na Junta Comercial do Piauí (foto: Ascom GovPI)

Sob condição de sigilo, fontes do PD na Junta Comercial afirmaram que o processo de número 2021.0653442 – no qual está o pedido de desarquivamento – tem sido guardado dentro da sala da própria presidente da JUCEPI e não pode ser manuseado. “É um daqueles processos que é uma bomba-relógio. Já sabemos que [a fraude em] pelo menos uma dessas empresas vai botar gente na cadeia. O Ministério Público já pediu informações e parece que a presidente ainda não respondeu, está atrasando sem saber o que fazer”, conta uma das fontes, sem dar certeza se a solicitação é do Ministério Público do Estado do Piauí ou Federal.

POST MORTEM

Documentos públicos com as firmas reconhecidas em cartórios foram utilizados para mudar quadros societários de empresas das quais Segundo era sócio. Nada de mais até que se percebesse que Segundo teria assinado os aditivos depois de sua morte, ocorrida em 18 de março de 2018. O empresário deixou uma única herdeira que, em tese, seria prejudicada em sua herança pelos aditivos arquivados e trancados na Junta Comercial do Piauí.

Contas bancárias foram movimentadas, empresas mudaram de sócio e muitas outras coisas foram feitas com "assinatura" de Segundo mesmo após sua morte (foto: reprodução)

A fraude em cartório já foi comprovada pela Corregedoria do Tribunal de Justiça do Maranhão. Um dos cartórios inclusive, já reconheceu o erro. E a partir daqui, é difícil não entender que o advogado Einstein Sepúlveda participou da fraude. 

Pode ser trabalho para o Ministério Público Estadual ou Federal. Pode ser trabalho pros dois: com os documentos falsificados, algumas das empresas fizeram empréstimos em bancos públicos oficiais, bancos privados, assinaram contratos com órgãos estaduais e investiram em concessões públicas. Se foi o advogado Einstein Sepúlveda ou outra pessoa quem sugeriu que fazer isso era um caminho seguro para se dar bem, essa pessoa promoveu uma enorme lambança.

FALSIFICAÇÕES

O acidente que vitimou Segundo foi no Piauí, a filha do empresário é do Piauí, a maior parte das empresas em que ele tinha participação são do Piauí. Einstein, advogado das empresas, também foi o responsável por abrir o inventário e fez isso em Caxias, no Maranhão.

Cruzando a bola, cabeceando e defendendo o gol: Eintein, no mesmo processo, foi advogado das duas partes que disputavam o direito de herança e abriu inventário em cartório de amigo em outro estado (foto: Instagram)

As firmas falsificadas foram reconhecidas no Cartório do 1º Ofício Extrajudicial de Timon, para o qual Einstein também já prestou serviços advocatícios. O inventário aberto por Einstein no cartório do 1º Ofício de Caxias (Maranhão) omite bens materiais imóveis e veículos que eram de propriedade de Segundo e, para completar a lista de fatos que não parecem ser coincidência, Sepúlveda era, também, ao mesmo tempo, advogado da herdeira durante todo o primeiro ano que se seguiu após o início do processo.

A ética passou longe de onde o crime fez abrigo neste caso.

DENTRO DA ORDEM, FORA DE ORDEM

A falsificação só foi descoberta quando a herdeira trocou de advogado. Após inexplicáveis adiamentos, Einstein entregou os documentos das empresas em questão para o advogado que o substituiu na defesa dos direitos da herdeira. A entrega dos documentos foi feita dentro da sede da OAB-PI, fato já comentado pelo Política Dinâmica em outra oportunidade. À época, Sepúlveda era tesoureiro da primeira gestão de Celso Barros Coelho Neto na Ordem.

Documentos falsificados foram repassados por Einstein a outro advogado dentro das dependências da OAB-PI (foto: Reprodução)

TROCA DE ADVOGADOS E FAVORES?

Informações obtidas pelo PD apontam que a partir do momento em que a fraude já não poderia ser mais escondida da herdeira, um tio dela, o empresário Afonso Gambogi tornou-se personagem ativo do processo. Ele, engenheiro civil, já acompanhava de perto a disputa familiar pelo espólio de Segundo. A partir de certo momento, teria passado a negociar diretamente com Einstein, sem o conhecimento do advogado constituído pela herdeira.

No último mês de março de 2022, Afonso Gambogi passou a representar a sobrinha na herança sobre imóveis que haviam sido omitidos na abertura do inventário por Einstein Sepúlveda.

Engenheiro civil, Afonso passou a atuar na negociação da herança beirando o exercício ilegal da profissão de advogado (foto: Instagram)

Dias depois da decisão que reconheceu as falsificações, o advogado que teria sido essencial para provar as adulterações e os bens omitidos, foi destituído do processo.

O movimento, aparentemente, teria sido colocado como condição de negociação entre as partes representadas por Einstein e Afonso, inclusive, para impedir que o advogado tivesse acesso ao conteúdo do acordo formal e, consequentemente, negar-lhe honorários.

Olha a ironia: Einstein preside a Comissão de Defesa e Valorização dos Honorários Advocatícios da OAB, mas tem agido para negar a um advogado exatamente seu direito a honorários em processo contra empresas defendidas por ele que usaram documentos falsificados (foto: Instagram)

Uma tentativa de abafar o caso, talvez. Sem sucesso, com certeza.

O QUE DIZEM?

Procurado pelo Política Dinâmica, Afonso Gambogi afirmou que sua sobrinha e única herdeira “é maior de idade e responde diretamente pelos seus atos, não tendo nenhum representante, tomando decisões por si mesma” e que a mudança de advogado “é uma decisão estritamente pessoal, que a própria lei faculta”. Afirmou ainda que não iria mais comentar o caso. Afonso não quis falar sobre a relação dele com o advogado Einstein Sepúlveda.

Sem ser questionado sobre o assunto, adiantou que o avô (pai de Segundo) e a herdeira sempre tiveram problema.

Afonso também negou, em nome da família, que eles tivessem conhecimento sobre fraudes ou documentos falsificados relacionados à herança.

Mesmo tendo absoluto conhecimento dos documentos falsificados, Afonso Gambogi disse ao Política Dinâmica que a família nunca teve conhecimento (foto: Instagram)

Neste ponto, a afirmação do tio é tão falsa quanto os documentos entregues por Einstein, uma vez que é exatamente a falsificação dos documentos que justifica o pedido de desarquivamento dos aditivos na JUCEPI e que garantem, também, os direitos da herdeira e, consequentemente, do advogado que trabalhou para que ela tivesse acesso à justa herança.

O Política Dinâmica não conseguiu contato com Alzenir Porto nem com o advogado Einstein Sepúlveda. A herdeira parou de responder nossos contatos após menção do nome de Einstein nas perguntas.

O advogado, que permanece no caso, agora, advogando em causa própria, não quis comentar o caso, informando que ainda diversos fatos ainda devem ser esclarecidos.

Todos os citados podem encaminhar suas versões, contestações e outras informações a qualquer tempo ao Política Dinâmica. A cada um deles é garantido o espaço de manifestação.

De todo modo, podem ter certeza, vai cair meia banda do ceú no dia em que o processo na Junta Comercial andar. Ou antes disso.

[Atualização inserida em 21/06/2022]

Nota de esclarecimento

A Junta Comercial do Estado do Piauí (Jucepi) esclarece que a instituição recebeu a denúncia de suposta fraude envolvendo a assinatura do empresário falecido José Luiz de Paiva Igreja II, no dia 03/09/2021 pelo sistema da Ouvidoria, e imediatamente tomou as providências legais que lhe competem. Na data de 24/09/2021, foram realizados bloqueio do CPF e suspensão dos atos arquivados supostamente falsificados conforme o artigo 40, do Decreto Federal 1.800 de 30 de janeiro de 1996, que determina que o Presidente da Junta Comercial deverá suspender os efeitos do ato arquivado, que conste suposta falsificação de assinatura até a comprovação da veracidade da mesma. Em seguida, as empresas envolvidas foram oficiadas para apresentar manifestação e também foram comunicados os órgãos competentes, quais sejam a Polícia Civil (protocolo SEI nº 00031.000389/2021-69 por meio do of. n °178/2021), o Ministério Público (protocolo nº 3688/2021 por meio do of. nº320/2021) e à Sefaz-PI (protocolo SEI nº 00031.000449/2021-43).

Quanto ao processo de desarquivamento administrativo, a Jucepi esclarece que o desarquivamento dos atos supostamente falsificados somente ocorrerá após a comprovação por meio de laudo oficial da falsificação de assinatura do sócio falecido, uma vez que a Junta Comercial não possui competência para adentrar ao mérito da culpabilidade ou não de quaisquer das partes.

A Jucepi nega que o processo esteja guardado na sala da presidência e não possa ser manuseado, pois o advogado da parte realizou carga no dia 25/03/2022 e o devolveu em 31/05/2022, extrapolando o prazo legal de 5 dias. O processo encontra-se disponível para o acesso às partes.

A Jucepi reitera o compromisso com a transparência e a segurança jurídica que o caso requer e afirma que os atos supostamente falsificados permanecerão com seus efeitos sustados e o CPF do falecido devidamente bloqueado no sistema de registro, impedindo quaisquer alterações que envolvam o sócio falecido. A instituição recomenda que as partes resolvam o litígio no judiciário, uma vez que todas as providências administrativas que competem à Junta Comercial já foram realizadas.

[Fim da atualização]

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