ARTIGO: ​'Transação em improbidade'

Por Guilherme Carvalho

Quando falamos em transação, acordos ou ajustes envolvendo a presença do Poder Público, tudo se parece mais complicado. Não é usual e nem parece republicando esperar uma conciliação quando, de um lado, encontra-se presente a Administração Pública. A narrativa da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse público parece não abrir margens para acertar. Ora, se para a Administração Pública o tema já é problemático, o que se pensar sobre transações quando falamos sobre ações de improbidade administrativa, sobretudo quando o autor da ação é o Ministério Público?

Pois bem. Adianto que nada há, num plano ao menos teórico – e por que não – prático, que impossibilite o Estado ajustar. E prossigo que, também para os processos que envolvam a improbidade administrativa, não é inviável falar em conciliação, tratativa mesmo de concertos envolvendo a parte ré e o autor da ação, via de regra o Ministério Público.

Várias são as razões para que possa haver conciliação em ações de improbidade administrativa, pois nem sempre a condenação atende ao melhor interesse público. A conciliação, além de alcançar a benfazeja política nacional do Conselho Nacional de Justiça, é também estimulada pelo Código de Processo Civil nesse mesmo sentido, pois caminha ao encontro da conciliação, como solução célere e eficaz para o processo (ver artigos 165 e seguintes do CPC).

Outras legislações, destacadamente após 2012, passaram a prever acordos perante a Administração Pública; dentre estas, a que mais se destaca, a nosso sentir, é a modificação empreendida pela Lei 13.129/15, que alterou a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), onde se possibilita ao Poder Público submeter-se à arbitragem, desde que se trate de interesses disponíveis (há outras, como, por exemplo, a Lei nº. 13.140/15).

Mas veja, caro leitor, que ainda remanesce, na Lei nº. 8.429/92 (a Lei de Improbidade Administrativa), o § 1º do art. 17, que veda a transação em ações de improbidade “§ 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput”. Ocorre que tal dispositivo legal chegou a ser revogado por força da edição da Medida Provisória nº. 703, de 2015, e somente não foi convertida em Lei porque, entre sua edição até os 06 (seis) meses posteriores à sua votação, o Congresso Nacional dedicava-se ao processo de impeachment da então Presidente da República. É dizer, apenas por um contexto histórico não houve a votação de tal Medida Provisória.

Para além, o Projeto de Lei nº. 10.887/18, que pretende atualizar a Lei de Improbidade Administrativa, possibilita, claramente, a transação nas ações de improbidade administrativa.

Em verdade, conquanto esse comparativo histórico possibilite uma mais robusta argumentação quanto à possibilidade de transacionar em ações de improbidade administrativa, toda essa discursão torna-se um tanto frívola, na medida em que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), com as alterações sofridas pela Lei nº. 13.655/18, passou a prever, em seu art. 26, um verdadeiro marco legal quanto aos acordos na Administração Pública. Portanto, pode-se perfeitamente entender que a o citado art. 17, § 1º da Lei de Improbidade Administrativa encontra-se revogado pelo que podemos chamar de nova LINDB.

Por outro lado, interessante notar que tal posicionamento aqui sustentado já vem sendo adotado, ainda que incipientemente, pelo Judiciário do país. Bem se diga, também, que já existem ações judiciais nas quais já se propusera, com sucesso, a conciliação. No caso em concreto, a Justiça Federal do Paraná, por meio da sentença prolatada no processo nº. 5006717­18.2015.4.04.7000, com trâmite na 5ª Vara Federal de Curitiba, atendendo a pedido do Ministério Público Federal, reconheceu a possibilidade de transação nas ações civis públicas de improbidade administrativa.

De igual modo, em recentíssimo julgado, no âmbito do processo nº. 0002954-34.2018.8.03.0000, o Tribunal de Justiça do Estado do Amapá, apreciando recursos de Agravo de Instrumento interpostos contra a negativa do juízo de primeiro grau em homologar um acordo em ação de improbidade administrativa entre o Ministério Público e um Deputado Estadual reconheceu a legitimidade da transação, validando o ajuste firmado entre as partes.

Portanto, percebe-se, à luz do que aqui expusemos, que proibir ou empecilhar um acordo nem sempre é a melhor opção. Pelo que se vê, não há impossibilidade de haver transação em ações civis de improbidade administrativa, não havendo, à luz de uma interpretação conforme a Constituição, qualquer impedimento lógico nesse sentido, sobremais porque ao Poder Público é imprescindível a busca incessante do melhor interesse público.


Guilherme Carvalho é advogado.

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