Dilma descuida dos movimentos sociais e vira alvo de críticas

Alexandre Conceição, presidente nacional do MST

Com as preocupações voltadas em dar respostas às manifestações que tiveram como alvo principal a presidente Dilma Rousseff e em driblar as armadilhas montadas pelo seu maior aliado no Congresso, o PMDB, o governo federal tem encontrado dificuldades para conter a “onda conservadora” que avança principalmente no Congresso. Embora reconheçam o momento difícil, movimentos sociais em defesa de direitos indígenas, de negros, mulheres, entre outras causas, reclamam da desarticulação do governo e tentam recuperar terreno.

“O governo se omitiu ao ver o crescimento das igrejas neopentecostais e não conseguiu sustentar as organizações mais filiadas à esquerda”, reclama a socióloga Jolúzia Batista, militante da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB). Para a estudiosa, o principal erro do governo tem sido o distanciamento de organizações que tradicionalmente funcionaram como parte de sua base de apoio. “Os movimentos sociais progressistas estão todos muito fragilizados, tendo que dar conta da própria sobrevivência, enquanto isso, a direita cresce porque tem muito mais facilidade de financiamento, especialmente por parte dessas igrejas”, diz a feminista.

Entre as críticas apontadas, está a demora na aplicação do Marco Regulatório das ONGs, que regulamenta o repasse de verbas públicas às organizações da sociedade civil. O projeto foi sancionado pela presidente no ano passado, mas sua entrada em vigor foi adiada para julho deste ano. “Os poucos que estão lá no Congresso em defesa dos direitos humanos e populares estão sem forças. A reforma do sistema político é a saída mais concreta e a única luz no fim do túnel, mas, até lá, nós vamos ter de amargar essa legislatura. A sociedade vai precisar se conscientizar disso”, diz Jolúzia.

Entre as derrotas experimentadas pela articulação do governo nesta legislatura na área de direitos humanos estão a aprovação da admissibilidade da proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz a maioridade penal, o desarquivamento da proposta que tira do Executivo e dá ao Legislativo a competência para a homologação de terras indígenas e quilombolas e a retomada da discussão do Estatuto da Família, além de projetos como o de autoria do senador Romero Jucá, que permite a mineração e exploração de recursos energéticos em terras indígenas.

Em relação à redução da maioridade penal, a articulação ficou por conta da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que apesar da mobilização intensa, não conseguiu reverter o voto dos parlamentares da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

Diálogo

Além do avanço destas pautas no Congresso, o diálogo com os movimentos sociais tem se tornado rarefeito. Um dos exemplos apontados é a própria agenda do ministro Miguel Rossetto, da Secretaria-Geral da Presidência da República. O órgão tem como finalidade primeira a interface com movimentos sociais. No entanto, o ministro tem se dedicado com prioridade à questão da reforma política e combate à corrupção, pauta que tem como objetivo maior dar uma resposta às ruas.

Embora os movimentos progressistas apontem a reforma política como uma das únicas soluções para uma maior representatividade das instituições que compõe o Estado, eles criticam a falta de maior atenção às pautas específicas que prescindem da atuação protetora do governo.

“Cada um com sua peculiaridade, essas organizações e movimentos sociais que sempre apoiaram o governo estão de certa forma enfraquecidos. Com problemas de recursos, estrutura, mas também por um afastamento do próprio governo federal dos movimentos sociais. Isso é preocupante, porque esses grupos trazem questões fundamentais para a construção da democracia e dos direitos humanos”, aponta o advogado do Instituto Socioambiental (ISA), Maurício Guetta.

“Há no Brasil uma ofensiva contra todos os tipos de direitos humanos, diante da qual o governo não tem tido força para atuar, seja por uma pressão da bancada ruralista ou pela crise política instalada entre o Executivo e os presidentes da Câmara e do Senado”, aponta Guetta.

Como solução, ele diz que parlamentares e movimentos sociais têm recorrido ao cada vez mais Judiciário para barrar o avanço de pautas que apresentem entendimentos polêmicos com a Constituição Federal. “A questão é se essa ofensiva e esses projetos são ou não constitucionais. Eu acho que a partir de agora a gente vai ver uma atuação mais incisiva junto ao poder judiciário sobre essas questões”, considerou o advogado.

Desarticulação

Em relação à questão indígena, a atual desestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e a resistência da presidente Dilma em avançar na demarcação de terras agravam a situação. Mais de 20 decretos de homologação de terras estão prontos, dependendo exclusivamente da assinatura da presidente para serem efetivados.

Alexandre Conceição, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), aponta o prestígio perante o governo de ministros contrários à reforma agrária como um dos motivos do avanço da “onda conservadora”. Ele aponta os próprios ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Kátia Abreu (Agricultura) como “inimigos número um dos trabalhadores e do projeto de nação do próprio PT”. Em contrapartida, Conceição diz contar com outros auxiliares de Dilma, como Patrus Ananias (Desenvolvimento Agrário) e Tereza Campello (Desenvolvimento Social) para ajudar a “construir um governo com compromisso social”.

“Tem uma diferença entre exigir mudanças no governo e querer tirar o governo. A balança está pesada, por isso temos que ir pras ruas, porque se não disputarmos lá, essa direita vai enganar todo mundo”, diz o militante do MST.

Na opinião do coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra Alexandre Conceição, “o avanço dessa onda conservadora não está ocorrendo só no Brasil, mas em todo o continente latinoamericano”, numa “tentativa de se apoderar dos recursos naturais disponíveis”.

Análise semelhante é feita pelo presidente da Confederação Única dos Trabalhadores de São Paulo, Adir dos Santos Lima. Crítico às Medidas Provisórias 64 e 65, que restringem o acesso a direitos trabalhistas, Lima diz que até o momento “o governo está sem resposta e, concretamente, não fez nada que pudesse resolver este problema”. Ele diz, entretanto, que ainda aposta em avanços a partir das negociações.

“Nós vamos fazer atos em vários estados, pela democracia, contra a corrupção, em defesa da Petrobras e dos trabalhadores. Mas o diálogo é o pontapé inicial, enquanto houver diálogo, nós temos que esgotar todas as possibilidades”, afirma.

“Queremos que o governo e o Congresso negociem conosco uma agenda positiva, de redução de jornada de trabalho, fim do fator previdenciário, pautas que estão congeladas, obrigando a gente a correr atrás de apagar fogo. Estamos só reagindo”, completa o dirigente da CUT.

Reação

O deputado federal Henrique Fontana (PT-RS), ex-líder do governo na Câmara tem um olhar mais otimista no sentido de enxergar um “limite” para o avanço das pautas conservadoras no Congresso. “A vitória do Eduardo Cunha deu uma musculatura para o avanço de um pensamento conservador, mas ele tem atuado em pautas que vão gerar um embate muito grande. Sou daqueles que acha que ele não é tão poderoso assim e que vai sofrer um desgaste inevitável”, diz o deputado.

O gaúcho compara o panorama atual a um jogo de xadrez e afirma: “o governo tem poder e tem limites. Temos que entender esse limite. Nosso grande desafio é não jogar toda a responsabilidade para dentro do governo, como se ele fosse um ente todo poderoso, porque assim teríamos menos potência. A sociedade e o Congresso têm dados sinais claros de intolerância e reduzir isso ao governo é não compreender um desafio muito maior”.

Embora admita que a atuação do governo não seja “suficiente” frente ao crescimento do conservadorismo, Fontana defende que o governo precisa de “ofensividade política”. “A presidente tem se posicionado publicamente contra esses temas e nós precisamos defender o governo com convicção. Somos vitoriosos do ponto de vista social, mas as simplificações têm ganhado muito terreno, de forma que o debate sobre corrupção, por exemplo, vira uma discussão contra a Dilma e contra o PT. As pessoas não param para analisar mais profundamente as causas dos desvios, que na realidade estão diretamente ligadas ao financiamento das campanhas eleitorais e dos partidos políticos motivados por interesses privados”, critica o petista.

Já o deputado Afonso Florence (PT-BA), que presidiu na legislatura passada a Comissão Especial destinada a analisar a PEC 215, também aponta o financiamento privado e atual correlação de forças no Congresso como principais responsáveis pelo avanço de pautas contrárias aos interesses da maioria dos movimentos sociais e do próprio governo. “A maioria dos deputados, inclusive aqueles da base aliada, é constituída por políticos eleitos a partir de campanhas financiadas por interesses privados que não se elegeu com o programa que a presidenta apresenta na área de direitos civis. Ou seja, nós temos uma coalização de governo que não se reflete numa maioria programática”, avalia o baiano.

“Não há duvida de que esses são temas sensíveis, mas pensar que o governo tem algum poder político de intervir é não entender que ele está absorvido em crises e outras pautas que reduzem muito a capacidade de seguir resistindo diante do avanço dessas pautas obscurantistas”, completa.

Fonte: Último Segundo

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