Margô, o poder do mérito multifacetado

Desde o primeiro governador do Piauí, João Pereira Caldas, que assumiu em 1761, os mafrenses jamais tiveram a oportunidade de serem governados por uma mulher. Mas, hoje, 22, a história ganha uma nova face que entra à galeria de governantes mafrenses.

Margarete de Castro Coelho (PP) assume o comando executivo do Estado do Piauí às 10h, no Palácio de Karnak. A sede do governo abre as portas para receber vários grupos do seguimento que trabalha as políticas na pauta de interesses do gênero feminino para incensar a mulher que simboliza a luta por mais espaço em um sistema essencialmente paternalista.

Margô, como é conhecida carinhosamente, vive o auge de uma trajetória que se iniciou desde a mais tenra idade. Rompendo com o ordenamento estabelecido do poder dominado pelos homens, abre uma nova página à posteridade. Embora o simbolismo fale mais alto que o exercício do poder outorgado pelo voto, ela materializa a ruptura aguardada secularmente pelas mulheres.

Nascida no seio de uma família inserida na vida política desde os primórdios da história moderna deste Estado, Margarete eclode um novo tempo para o emblema da mulher no poder. Quem mergulhar na história verá que suas conquistas foram construídas solidamente. Ela coroa uma longa trajetória de lutas ao grafar no livro tombo do Karnak sua assinatura na solenidade de transmissão de cargo.

Só no poder

A governadora em exercício do Estado do Piauí milita há mais de 30 anos em ações ligadas à cultura, meio ambiente e, mais recentemente, como exímia conhecedora do direito eleitoral. Foi provavelmente através desta porta que entrou triunfantemente no “clube do Bolinha”, que marca o universo político brasileiro e piauiense.

Margarete, por meio do domínio do conhecimento, se infiltrou no centro dos interesses dos homens poderosos do Piauí e ganhou sua credibilidade. Em tempos em que a classe política amarga os piores índices de confiança da população, uma mulher pode representar a renovação e recuperação do crédito pulverizado pelas denúncias endêmicas de corrupção.

Ao assumir a caneta do poder executivo estadual, Margô metaforiza os anseios de mudança e transformação aguardados há séculos, muito mais do que estabelece a comutação de um sistema dominado pelo vigor masculino em detrimento da sensibilidade feminina. Mas, a insígnia do brasão estadual fica mais florido e desabrocha esperança no seio de correntes de luta recalcitradas pela vigência de doutrinas viris e, muitas vezes, virulentas.

Talvez o grande poder da governadora resida em sua capacidade de dialogar com os mais variados setores e forças que constituem a sociedade piauiense de um modo bem ao seu estilo, olhando nos olhos e com uma sinceridade que conquista. Entretanto, carrega um carisma que nenhuma outra liderança feminina possui em tão alto grau. Desde o surgimento de Francisca Trindade no setor político, não se vira alguém carregar tamanho dom de encantar as pessoas com suas virtudes.

Da raiz mais antiga das Américas

Embora seja oriunda das castas aristocráticas que governam o Piauí historicamente, Margarete mescla predicados que a torna popular sem o ranço de uma herança passada mais por carga genética em desfavor de méritos pessoais e capacidade edificada com estudo e vivência de práticas políticas construídas coletivamente.

Está na cara que Margô traz em seus cromossomos os mais antigos residentes do Piauí, quando ainda não havia a divisão geopolítica que estabeleceu nossas linhas limites. Nascida em São Raimundo Nonato, a governadora apresenta traços indígenas muito fortes que a aproxima popularmente da etnia que mais colaborou para nossa identidade visual e cultural mais marcante.

Com as teorias de ocupação do continente sendo revistas com a possibilidade de o homem e a mulher mais antigos das Américas terem surgido na Serra da Capivara, a governadora reconecta tudo o que está pictoricamente espalhado pelas paredes de pedra do maior sítio arqueológico a céu aberto do planeta.

Certamente, aqueles que se dão a oportunidade de ampliar a visão para algo além do material, podem considerar a possibilidade de uma redenção dos eventos cerimoniais pintados nas paredes que marcam o interesse dos visitantes e estudiosos que buscam entender nossas origens, com o advento de Margarete ao poder executivo do Piauí.

A solidez de suas posições, a altivez de sua postura e a polidez de sua conduta nos reporta à nobreza dos primeiros habitantes destas plagas, que estabeleceram uma sociedade extremamente comunicativa, conforme registram as incontáveis pinturas rupestres espalhadas de norte a sul, mas fundamentalmente concentradas no Parque Nacional da Serra da Capivara. Segundo a pesquisadora Niède Guidon, há mais de 40 mil anos ocupamos este solo, comprovadas por restos de fogueiras acesas pela ancestralidade.

Em fusão com os descendentes da família fundadora da fazenda Jurema, Margarete conclui uma genealogia talhada para o poder. Portanto, engana-se quem pensa que tudo é ao acaso ou que ao assumir o Karnak esteja destronando uma aristocracia. Há quem creia que esteja até fortalecendo-a. Não vejo assim. Penso que ela reformata ou renova para melhor, com sua visão amplificada por quem conhece como poucos a verdadeira constituição sociocultural do Piauí.

Um perfil legislador no poder executivo

Eleita em 2010 para uma cadeira na Alepi, Margarete ocupou o espaço defendido pelo marido, Marcelo do Egito Coelho. Desde 1982 exercendo a função de legislador estadual, o cônjuge da governadora acabou cedendo a oportunidade a ela em face das dificuldades encontradas para uma possível reeleição.

Atualmente, o companheiro da chefe do poder estadual dedica-se quase que exclusivamente a atividades ligadas ao meio ambiente. Registrando através de belas imagens, Marcelo posta suas andanças pelo Piauí e por outros pontos paradisíacos do Brasil como fotógrafo. Foi secretário do Meio Ambiente no segundo governo de Alberto Silva, na década de 90.

Marcelo saiu da cena política e evita a circulação pelo meio. Na posse de Margô como vice-governadora, em 1º de janeiro deste ano, o ex-deputado foi ausência notada. Apenas as duas filhas acompanharam a primeira vice-governadora da história dos mafrenses. Quem sabe faça-se presente na manhã de hoje, quando Margarete assume o poder central piauiense.

Por sua formação como advogada e estreita intimidade com o Direito, especialmente o eleitoral, a governadora em exercício tem um perfil legislativo mais evidente. É provável que galgue mais espaço neste setor, a curto prazo, do que no poder executivo. Margô como senadora ou deputada federal iria elevar a qualidade do debate dos grandes temas de interesse nacional.

Porém, a projeção que vem alcançando torna-a uma figura de grande ascenção social e política, sendo determinante nas possíveis constituições dos futuros cenários de disputas eletivas do executivo. Margarete apenas dá seus primeiros passos no poder estadual. Ainda tem uma bela trilha a ladrilhar pela frente.

Não há máculas em suas carreira como política, o que a põe em situação extremamente confortável para disputar e concorrer de igual para igual com qualquer outra grande liderança piauiense. Mesmo fazendo parte de um partido apontado como beneficiário dos desvios de verbas da Petrobras, pela operação Lava Jato, Margarete talvez represente a possibilidade de reconstrução da sigla, em caso das comprovações das denúncias, pelo menos em nível estadual.

Amada, temida, mas respeitada

Uma das matérias de maior número de acessos deste portal traz a governadora em exercício como principal receio do Partido dos Trabalhadores numa possível sucessão do Karnak. Com a falta de oxigenação e construção de novas lideranças boas de voto pelo PT, Margarete realmente representa um sinal de alerta na sigla que vem se destacando em nível estadual desde a primeira eleição de Wellington Dias há mais de 12 anos.

Como não se vê ninguém com o élan similar ao de Margô, é bem provável que seu nome há de ser ponto central que não pode ser desprezado por nenhuma das forças políticas que intentem alcançar o governo estadual. Se manter a ponderação e equilíbrio que a tem notabilizado, certamente vai estar sempre em posições de destaque durante muitos anos.

Do ponto de vista administrativo, Wellington confiou à governadora um dos nós que atravancam a economia em nível nacional e estadual. Aliás, em nível mundial, a previdência social vem desestabilizando a governabilidade com índices super complexos a serem postos em dia, pelas alterações de uma população cada vez mais longeva.

Missão espinhosa e complicada para qualquer pessoa, com possibilidade de pouca visibilidade e, provavelmente, pequenas chances de colher dividendos políticos que possam encimar notoriedade a ponto de projetar uma plataforma com brilho eletivo. Seria para uma pessoa comum, mas, para ela pode ser uma oportunidade ímpar de conhecer os melindres da administração e economia do Estado.

Tolo é quem duvida que não possa tirar proveito desta tarefa hercúlea e ainda transformá-la em catapulta para alçá-la a voos mais altos e distantes. A capacidade de uma pessoa que não abre mão de empreender na busca incessante de conhecimento é uma variante que a põe em condição diferenciada e deve ser considerada em profundo respeito.

A cara alegre de uma governante

Margô faz parte de um grupo de intelectuais que foram pioneiros em ações culturais pelo interior do Estado. Liderados pelo professor Cinéas Santos, muitos jovens lançaram-se nas estradas piauienses em buscas de comunidades carentes do Sertão de Dentro em busca de interação, comungando e partilhando bens culturais centrados na música e na literatura, através do projeto A Cara Alegre do Piauí.

Estas riquezas lhe são muito caras. Com visível talento para escriba, a governadora é notória usuária das redes sociais para dividir suas observações das coisas e da vida com uma sensibilidade poética muito bem formatada. Um perfil que a distingue da maioria de seus pares, que abandonaram a capacidade criativa em favor de um pragmatismo político superlativo.

Esta faceta soma-se a muitas outras na composição de uma mulher extremamente preparada para exercer os mais diversos cargos públicos, com a riqueza da trafegabilidade pelo universo paradigmático, também. A inovação, a capacidade criativa e a visão de um mundo por um prisma holístico, decorrente de quem transita pelo universo cultural, a capacitam a ocupar terrenos com empatia distinta de seus pares, muito além do óbvio. Para a nossa sorte.

Por tudo o que representa a nossa governadora em exercício, muito mais do que pode ser descrito em palavras, celebro suas conquistas coroadas com seus talentos, Inteligência e competência simbolizadas na efetivação da transmissão de cargo. Era necessário registrar este dia histórico repleto de simbolismos que nos faz crer que a benemerência ainda tem muito valor. Parabéns, Margô!

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