AUTORIDADE NO ASSUNTO
Com a autoridade de quem já coordenou uma dúzia de campanha majoritárias do Partido dos Trabalhadores no Piauí, a senadora da República, Regina Sousa disparou: a Justiça Eleitoral é hipócrita. Não poupou, advogados, juízes, desembargadores nem ministros. Em evento na sede da OAB-PI, a senadora defendeu o financiamento público das campanhas eleitorais porque, na verdade ela já acontece.
“Defendo o financiamento público. Até porque o dinheiro que financia hoje as campanhas é dinheiro público. Está mais do que provado. É dinheiro público financiando as campanhas de forma enviesada”, declarou Regina a uma platéia de políticos e autoridades jurídicas. E seguiu afirmando que a Justiça Eleitoral é conivente com a corrupção: “usar o fundo partidário seria mais fácil para fiscalizar, e não apresentar as prestações de contas hipócritas que se apresenta na Justiça Eleitoral, que finge que acredita”.
CORAGEM OU MAIS HIPOCRISIA?
Em certo momento, as palavras de Regina pareciam um desabafo. Em outros, uma fala calculada, com a missão de tornar turvo o entendimento e a crítica. Segundo Regina Sousa a roubalheira é geral. Mas apenas seu PT tem sido julgado pelos erros. Na visão da petista, o partido do qual faz parte é praticamente um mártir. “O problema é que há um direcionamento para pegar um partido, que é o PT. Então pegaram o PT, acabou! Tá tudo ótimo, tá tudo bem, agora tá tudo corajoso, agora”, indignou-se. Na visão de Regina, ou são todos culpados, ou todos inocentes. Os crimes e ilegalidades de um partido se justificam pelos crimes e ilegalidades cometidos por outros. Justiça, ideologia e responsabilidade que se lasquem.
CONFISSÃO
A senadora da República estava muito à vontade para discorrer sobre como acontecem o financiamento de campanha por meio de dinheiro originado de obras superfaturadas. “Financiamento se dá pelo superfaturamento, e não é só na Petrobras. Se fosse se investigar todas as obras desse país, dificilmente iria escapar uma em que não tivesse superfaturamento. O cara [empresário] sabe que vai doar, sabe que vai ser ‘achacado’ para doar, e alguém, ingenuamente vai achar que ele vai tirar do patrimônio dele, da família dele, para doar?”, disse Regina, num tom esclarecedor.
CONFORMADOS OU CÚMPLICES?
Na mesa em que a senadora falava estavam representantes do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), da Associação dos Magistrados do Piauí, do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e da Procuradoria Estadual. Estavam vereadores, deputados e juízes. Na platéia, mais advogados. Ninguém perguntou à senadora se aquilo já havia acontecido no Piauí, se ela já tinha participado de algo parecido. Nenhuma expressão de indignação.
Ela chamou a Justiça de hipócrita, revelou que empresas superfaturam obras desde sempre e o Piauí não escapa a esta regra. E a reação de todas as autoridades ali foi um aplauso ao fim do discurso dela. Será a imunidade parlamentar? Certamente não é apenas a Justiça que é hipócrita, como afirmou Regina.
NO FINAL, O ÁLIBI
Em algum momento de seu discurso, Regina provavelmente percebeu que ia longe demais, dando detalhes do desvio criminoso de recursos públicos para financiamento de campanhas eleitorais. É o que pode justificar a pérola que encerrou esse trecho de sua fala: “É difícil numa obra de 100 milhões [de reais] se ele [o empresário] botar 110 [milhões de reais], você achar que tem superfaturamento. É muito difícil. É muito difícil você saber. Aí aquele dinheiro ele guarda, para doar na época da eleição”, escapuliu Regina.
SUPERFATURAMENTO ETERNO
Regina Sousa decretou a eternidade do superfaturamento em obras públicas. Ela, que minutos antes condenou a “ingenuidade” de quem acredita na honestidade dos empresários, disse, em seguida “temos ’n’ escândalos, tudo em função para financiar eleição. Dificilmente é para botar no bolso. É pra financiar campanha”. Já que é "muito difícil" identificar R$ 10 milhões superfaturados em uma obra que custa R$ 100 milhões (já incluído o lucro da empresa), pela lógica de Regina, se esses 10% não forem utilizados em campanha, também não deixariam de existir. Ou ela acredita que se um empresário pode adicionar 10% de lucro à sua obra, ele não vai fazê-lo? Não é tão ingênua.
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