A tragédia como força motriz para profundas mudanças

Ontem, 29, no início da noite, o Hospital de Urgências de Teresina confirmou a morte encefálica do paciente Francisco das Chagas Araújo Costa Júnior, o produtor cultural Júnior Araújo. Mas, desde segunda-feira, 27, já sabia que a situação era praticamente irreversível. O boletim de entrada de Júnior no HUT trazia uma informação que nos chamou a atenção.

O documento afirmava que o jovem deu entrada no hospital com "midríase fixa bilateral". A expressão técnica médica, nas condições em que ficou o corpo do produtor em decorrência do "acidente" automobilístico no final da noite de domingo, 26, era um forte sinal de óbito. O organismo jovem estava seguro pelos aparelhos, mas, de fato, só um milagre do comandante do universo para reverter o quadro.

Ciente disso, iniciou-se silenciosamente conversações para transformar em ações que hão de acontecer a partir de hoje. Nas redações jornalísticas, além da intensa cobertura para manter a população mobilizada, a estratégia é depurar este momento doloroso, enlutado pela tragédia de duas vidas ceifadas no auge da juventude, em paradigma de luta para a sociedade ultrapassar comportamentos que não condizem com o tempo em que vivemos.

Cartaz da campanha que mobiliza o país: #nãofoiacidente


Não foi acidente

Desde 2011 existe um movimento nacional que está em campo para mudar a legislação e torná-la mais rigorosa em casos de acidentes de trânsito em que o condutor, dirigindo sob o efeito de bebida alcoólica, seja enquadrado no crime de homicídio com dolo eventual, nos casos semelhantes ao dos membros do movimento Salve Rainha.

Além disso, trabalha-se para que qualquer condutor que seja flagrado conduzindo veículo sob efeito do álcool seja preso, com uma série de consequências que possam servir de exemplo para inibir ações desta natureza. A implementação da Lei Seca vem ganhando força com a mobilização da sociedade e, especialmente, pelas famílias e amigos das vítimas destes sinistros, que não podem mais ser amenizados ou atenuados.

Nas redes sociais, a hashtag #nãofoiacidente vem crescendo com os endêmicos casos e o apoio de campanhas de conscientização para mudar um velho hábito do brasileiro, que já passou do tempo de parar definitivamente: beber e dirigir. A associação mortal de álcool e direção leva ao HUT, em média, 84 indivíduos acidentados por dia, segundo o diretor do hospital, Dr. Gilberto Albuquerque.

Post endêmico na social media

Somente neste ano, a Secretaria de Segurança do Piauí aponta para a triste estatística de quase 80 pessoas mortas no trânsito por acidentes em que o fator álcool foi definitivo. Casos como os dos jovens irmãos Bruno Queiroz e Júnior Araújo são mais comuns do que se imagina. Graças a superlativa cobertura midiática que o caso vem recebendo é que se toma noção da dimensão espantosa e catastrófica de fatos desta natureza.

No Brasil, cerca de 35 mil pessoas morrem anualmente vitimadas por aquilo que não podemos mais chamar de acidente. É homicídio sim. E doloso. Porque quem assume o volante de um veículo alcoolizado deve também assumir todos os riscos e a responsabilidade penal em casos de mortes no choques de carros, motos, atropelamentos de ciclistas e pedestres e/ou quaisquer outras modalidades que terminem fatalmente da pior maneira.

Experimente colocar em um site de pesquisas a expressão "não foi acidente" e veja como é relevante o número de grupos que estão organizados para fazer uma mudança na lei, envolvidos em campanhas educativas e mobilizados de diversas maneiras para que o trânsito seja cada vez mais seguro. E mais ainda, que a preservação da vida seja a maior vitoriosa nesta grande luta. Abaixo, o documentário que esclarece didaticamente todo o movimento.


Veículos de comunicação em campanha pela vida

Os jovens jornalistas piauienses vêm se desdobrando nas redações e nas ruas para investigar a fundo todos os detalhes do sinistro do último domingo, onde o jovem Moacir Moura da Silva Júnior, condutor do veículo Corolla, na cor preta, colheu violentamente o fusca onde estavam Bruno, Júnior Araújo e Jáder Damasceno.

Um verdadeiro show de cobertura, que materializa por meio de fatos toda a indignação e revolta de grande parte da sociedade, que não suporta mais assistir passivamente jovens e promissoras vidas serem arrebatadas prematuramente. Já circulam imagens do momento exato do crime. Encontrou-se uma testemunha fundamental para esclarecer às autoridades o que ocorreu na noite do último domingo e, incansavelmente, continua-se a vasculhar tudo o que for possível para que a impunidade não seja a tônica desta triste história.

Simultaneamente a dor das perdas, toda esta mobilização que deixa as redes sociais repletas de belas mensagens em torno da memória de Júnior Araújo, principalmente, a TV Antena 10, em parceria com Agências de Propaganda, pôs em andamento uma grande campanha publicitária para mudar este cenário desolador. Não é possível que vamos ter que derramar mais lágrimas e entre lamúrias apenas lamentar a partida de tão preciosos talentos.

Jornalistas e sociedade não admitem a impunidade

Certamente é o ponto de partida que vai contagiar outros veículos de comunicação e a sociedade como um todo. A morte dos meninos do Salve Rainha não vai ficar impune. A comoção que abate toda a sociedade piauiense não vai ficar apenas entre lágrimas que escorrem, mas a ação proativa há de servir como lição para que mudemos de atitude e consequentemente mude-se este cenário lastimável, visando alterar futuras rotas de colisão e evitando que ocorram casos com outras vítimas.


Salve Rainha, Rei, Princesas, Príncipes e plebeus

No ano passado, estive em uma das festas dominicais Salve Rainha, que aconteceu sob a ponte Juscelino Kubitscheck. Fui ver de perto a vibe e a grandiosa mobilização de cabeças pensantes da contemporânea cena artístico-cultural mafrense. Fiquei impressionado com a diversidade que estava concentrada harmoniosamente, aquecida pela energia de pessoas descoladas e pelo calor que emanava do concreto às margens do Rio Poty.

Quando estava saindo, procurei fazer uma estimativa do público presente naquela noite de domingo, por volta das 22h. Calculei que havia cerca de 7 mil pessoas, no mínimo. Uma sensação de bem-estar, de vida pulsante, de gente pensante, de paz e amor vibrantes. É apenas justiça afirmar que o idealismo inovador e empreendedor de Júnior Araújo e sua turma mudou o cenário dos domingos teresinenses, antes inertes e tediosos.

A cidade está cheia de coletivos que vêm fazendo um trabalho primoroso na mobilização pela preservação do patrimônio arquitetônico, pela construção de novas oportunidades e espaços para a circulação de artistas, suas obras, bem como toda a gama que dá liga a um movimento que muda o eixo do protagonismo cultural, anteriormente apenas nas mãos do poder público. Tudo acontecendo de forma mágica, com a força do ativismo que traz a reboque a luta contra toda forma de preconceito, fomentando uma sociedade mais justa e igualitária.

Imagem que está disseminada nas redes sociais

O Salve Rainha é o mais vistoso deles e o que consegue reunir o maior número de participantes no mesmo lugar. Este belíssimo legado desfraldado como bandeira multicolorida dá seu primeiros passos. O legado construído até aqui pela força catalisadora de Júnior Araújo deve ter prosseguimento. A mínima homenagem que podemos render a este jovem que partiu tão cedo é fortalecer o movimento. Quem sabe todas as mudanças claras e embutidas nesta construção possam servir para reformatar uma sociedade mais aprimorada em seus reais valores.

Júnior nos deixa uma grande lição. Do meio de uma demolição, de um prédio abandonado ou de um vão de uma ponte, a vida pode surgir potencializada como algo a ilustrar e fazer brilhar o que temos de melhor. Em nossas diferenças há plenas oportunidades para construir fundamentos para sermos mais tolerantes e desfilarmos toda a beleza que carregamos em nosso íntimo. Seduzindo toda uma sociedade com arte, bom gosto e a expressão maior para o exercício do amor. Não é sonho, delírio nem fantasia: "...acredita que acontece!"

A tragédia deve servir para mudar hábitos mortais

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